terça-feira, 21 de abril de 2009

Xadrez

Espanta-me o realismo do xadrez.

Os peões, os cavalos, os bispos, as torres, a rainha e o rei; numa aparentemente pequena variedade conseguem transpor para um pequeno tabuleiro muitas das situações com que nos deparamos a cada passo.

Se hoje sou o peão que se desloca vagarosamente pelas colunas, amanhã serei o cavalo veloz que salta obstáculos, ou uma das outras espécies que percorrem grandes distâncias de uma só vez.

A identidade com o rei é no entanto menos evidente, claro que há semelhanças, no refastelanço do sofá, na inércia que me atinge nas horas vagas, no pairar calmamente no sossego do meu reino. Só a assumo verdadeiramente, na maioria das vezes, para perder o jogo. Não fui decerto talhado para grandes protagonismos.

As torres, surgem como metáforas à forma como nos deslocamos, galvanizados nas nossas armaduras, do ponto A ao ponto B.

Os bispos, sugerem a forma idealista com que transpomos subjectivamente a relação entre o empírico e o desconhecido (a diagonal é uma via pouco clara num panorama marcado por eixos perpendiculares).

Noto que me esquivei a comparações com a rainha. A minha faceta de transvestimento é demasiado diminuta para que me identifique com ela, prefiro admirar-lhe os movimentos graciosos e as jogadas tácticas devastadoras com que dominam o panorama estratégico. O meu trajecto é principalmente mais linear e previsível, do que aquela capacidade omnipotente de devastar com um simples gesto tudo o que se encontre ao seu alcance.

Isto para alinhavar uma ideia que me ocorre sempre que no meu trajecto de torre, ansiando chegar rapidamente do tal ponto ao outro, me deparo com um peão que me salta à frente do percurso numa passadeira, em manobra repentina de um en passant quando estou a chegar à beira da dita e me obriga a esforços obtusos para conseguir parar antes de o comer, trocando-me em seguida ares de reprovação em vez de um merecido agradecimento. É que eu paro de facto nas passadeiras, e paro sempre! Mas devia haver mais respeito pelas regras. Cada jogador devia jogar na sua vez.

Se na condição de peão sou levado a pensar nessas circunstâncias, em que me esmero por cumprir as regras do jogo e dou espaço, quando estou investido de outros poderes sinto que também deveria merecer o respeito dos que se deslocam como peões no nosso tabuleiro. Sou no entanto levado a acreditar que há um sentimento de vingança, que não partilho, em certos jogadores que os faz correr riscos inúteis, só para atrasar o nosso jogo, derivando em seguida com altivez, pompa e ar sobranceiro, numa tentativa velada de nos fazer perder a paciência e consequentemente a partida.

E depois há os outros, que ficam plantados junto à passadeira e que, depois de me verem parar, me acenam pendularmente com a cabeça e com um sorriso amarelo, que não partilho pela sensação de anedota já batida. Já pensei em sair e pegar-lhes num bracito e mostrar-lhes que somos todos cidadãos do Mundo e como tal as regras são para cumprir por todos sem excepção, e levá-los amigavelmente, ou não, para o outro lado da via. Mas não costumo andar com tempo para tais justezas.

Esta falta de respeito, que a ninguém aproveita, leva-me a pensar que existe uma efectiva e generalizada falta de formação e compreensão pelas regras de jogo. Todos os automobilistas são peões e a maioria dos peões serão automobilistas também, tudo depende de que peça estamos a movimentar em cada fase do jogo, daí que não compreenda tais despropósitos.


E fico a pensar se o meu desporto não deveria ser antes o golfe ou o basebol.


© CybeRider - 2009

2 comentários:

Caçador disse...

Se fores lá e reparares, pus quase em simultâneo, no photomelomanias, um post sobre a monarquia onde se faz a análize dos vários tipos de reis. Esqueci-me do rei do xadrez. É o que faz ser apenas um simples peão.
Mas com muito gosto.
Abraço.

CybeRider disse...

Olá Caçador! Não te esqueceste de grande coisa, poderoso... poderoso, mas é a única peça com que não se dá mate. Já um peão numa final pode ser a diferença entre a vitória e a derrota, melhor que um bispo ou um cavalo em que o mate é impossível. Valham-nos por isso os peões!
Abraço.