quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Quando a fama me vem de longe

Maria Madalena tinha reputação de rameira.

E não é fácil manter uma reputação por dois mil anos. Ao fim desse tempo começou a ter a fama de ser companheira de Cristo, o grande pensador, que reuniu a seu lado doze discípulos, os iluminados que o ouviam atentamente nas divagações, em desprestígio dos iletrados que constituam mero comprovativo de popularidade. Filho de um humilde carpinteiro, não terá também sido fácil ao pai vê-lo deambular pelas ruas, ser perseguido pelas suas ideias que, segundo os relatos, pregava e que também a ele valeram uma reputação, com seguidores até aos nossos dias.

Mas não é de fé que hoje falo. É a reputação em si que me interessa. De onde nos vem a fama imprevista? Que motivos nos levam a pretender manter uma reputação para além das nossas convicções?

Quantas vezes as nossas atitudes mal interpretadas nos designam consequências que nunca pensámos carregar?

Se não me espanta que nos queiramos livrar de certa mácula que passou a público no nosso passado, já me espanta que recorramos a uma pretensa reputação que defendemos para não aderir ao apoio de alguma ideia válida à qual, não fora a reputação, aderiríamos sem hesitar.

O conceito de reputação é ambivalente. Se nos desconcerta quando nos mancha a imagem por ser falsamente acusatória de algo indigno, por outro lado pode ser um trunfo a exibir se for falsa mas abonatória de qualidades que nem temos.

A reputação é o juízo que fazem do que somos. Como tal, sempre imperfeito. Apesar disso, insistimos em defender a que supomos ser boa, aquela que nos abre as portas de certo clube a que desejamos pertencer, mas que não nos aceitaria pelo que somos, apenas pelo que parecemos ser. Por este facto nego-me a aceitar qualquer tipo de reputação como ferramenta. Ainda quando me abrem portas por pretensa reputação, teimo em apresentar provas de que encaixo no convite. Este simples facto deixa-me liberdade para aderir a tudo o que pretenda e conviver com quem queira, sem receio de ferir susceptibilidades. Não sou eu que tenho de me cercear para que o clube me aceite. É o clube que tem de me aceitar exactamente como sou, se assim não for não me serve, sem que sequer questione se servirei eu ao tal clube.

Na diluição social a que a complexidade da vida nos remete, somos levados a puxar de galões virtuais para nos defendermos do desconhecido. Se sempre me baterei pela defesa das injustiças que me cometam, não me revejo numa realidade em que me tenha de suster num conceito ambíguo e falacioso para justificar as minhas convicções, no intuito de daí obter dividendos.

Não pretendo contribuir para a elaboração de algum tipo de reputação digna. Ainda que seja um perfeito canalha, sê-lo-ei seguindo os meus próprios princípios.


© CybeRider - 2009

23 comentários:

Gemini disse...

Olá Cybe!

Deliciosa reflexão!

Será eventualmente minha, a responsabilidade por não me fazer entender. Também da imagem que passarei da minha pessoa, para os outros. Através das minhas palavras e acções, claro. Mas também me compete exercitar a sensibilidade, que julgo elemento fundamental, para avaliar e enquadrar contextualmente, tudo o que me chega de alguém.

Se a reputação, concordo totalmente, é o juízo que fazem do que somos, não será mais do que um utensílio criado para justificar uma inclusão ou exclusão.

Pela importância que me terá a minha reputação, alheio como lhe serei, jamais reclamarei se fizerem de mim um canalha menor do que sou! (E terei de questionar a atenção dispensada em mim para tal!)

Delicioso, Cybe ;)))

Um abraço.

Gemini disse...

Um P.S. para o fato novo;

5 Estrelas!

;)

Nirvana disse...

Olá, Cybe!

Já houve tempos em que a reputação era tudo. Muito mais do que agora, eu acho. As pessoas debatiam-se por ela, pelo seu bom nome, pela sua honra. Talvez por as "sociedades" serem menores e desse nome depender a inclusão ou não em determinados círculos sociais.

O juízo que fazem de nós. Muitas vezes, não só imperfeito como altamente mutável. Conforme as nossas atitudes agradam ou não. Num instante podes passar de bestial a besta, sem teres mudado um milímetro a tua maneira de ser ou de agir. Apenas por ires ou não ao encontro daquilo que é "esperado" de ti, ou conforme serve ou não os interesses de quem de ti faz juízos.

Não vou dizer que nunca me importei com o que pensam de mim. Estaria a mentir. Importo-me menos hoje em dia. Aprendi a não valorizar as opiniões que sei que vêm de quem não me conhece, mas ainda me sinto triste com algumas delas. Não que me façam mudar a minha maneira de estar, porque não fazem, mas não gosto que façam juízos de valores do que não sabem, não conhecem ou simplesmente distorcem.
Ainda não consigo ficar completamente indiferente, embora jã não me afecte tanto.

Essa situação de que falas, em parecer ser para ser aceite, depressa se tornará num fardo, não? Ter de manter uma postura que não é a nossa, falar de coisas que não são as "nossas", ser o que não é nosso... ao fim de algum tempo já nem sabemos o que somos e o que parecemos, digo eu. Tal como dizes, seja o que for, mas que seja eu.

Beijinhos Cybe

Pepita Chocolate disse...

Já cá tinha deixado comentário , mas parece que se escapuliu, que não ficou gravado.
Vou ser mais breve agora. Aponto-te que reparei nesta subtil mudança, embora ainda tivesse duvidado da minha observação, por não ter a certeza se já cá estava antes. )Começo já a duvidar das minhas capacidades de boa observadora...)Depois o Gemini, mais acima, confirmou que sempre tinha havido mudança.

Quanto à reputação, digo somente, que criar uma boa reputação - que passa por mostrar quem somos, não escondendo os defeitos,mas evidenciando qualidades, sem querer ser vaidoso/a- demora anos a conseguir. A confiança conquista-se, mas também se alimenta, mostrando o que e quem realmente somos, comuns humanos, mas com coisas boas para dar.E se a nossa reputação é criada em torno do que somos e não do que parecemos- não será um boato que nos porá abaixo. Haverá os mais cépticos que nos poderão pôr de lado.

Direi portanto, que uma boa reputação demora anos a construir e um segundo a destruir. Somos criaturas de julgamentos fáceis, de sentenças liminares.
Mas quem nos conhecerm com os defeitos e as qualidades, saberá separar o trigo do joio.(assim o espero!) E são esses que ficarão connosco. E nós também perceberemos,com quem realmente podemos contar.

É certo que quando um boato surge sobre alguém, tento não julgar. É mais fácil recriminar-me a mim, por não ser boa observadora. Acho que as pessoas dizem sempre o que são, mesmo que não o expressem por palavras. Basta um pouco da nossa atenção.

Cada um é como cada qual, e por vezes, criar uma má reputação serve para criar um (estranho) escudo de protecção.

(Afinal, alonguei-me mais do que pensava.)

;)

uminuto disse...

e é com os nossos princípios que temos de viver e não com aquilo que os outros julgam que somos
um beijo

Milu disse...

Penso que a má reputação de alguém pode não corresponder à verdade, assim como uma boa reputação, poderá não traduzir que uma determinada pessoa que dela usufrua seja, na verdade, digna dela. O mais seguro é ser genuíno e coerente com as suas convicções, ao menos assim, correrá menos riscos de dar um passo em falso e ser-lhe descoberta a careca.

Eis pois:

"Podeis enganar toda a gente durante um certo tempo; podeis mesmo enganar algumas pessoas todo o tempo; mas não vos será possível enganar sempre toda a gente."

Abraham Lincoln

Impressiona-me a veracidade que parece haver nesta afirmação de Lincoln.

Não são poucas as vezes que dou por mim a descobrir uma ou outra falsidade em pessoas das quais jamais o esperaria, situação que me inspira a necessidade de prestar uma atenta e apurada atenção nessas pessoas. Não demoro muito a chegar a uma deprimente e triste conclusão.

Usar de desonestidade com vista a granjear uma reputação susceptível de criar oportunidades desejadas, compensa e muito. Por isso tantos são aqueles que se dispõem a vender a alma de qualquer maneira e a qualquer preço.

O que interessa hoje ao mundo, se fulano é uma boa pessoa? Nada, não interessa nada. O que interessa é o que essa pessoa vale pela reputação que detém. Daí os pactos com o diabo!...

the dear hunter disse...

Olha meu, achas que me posso inscrever, que teria algumas hipóteses?

Abraço

CybeRider disse...

Olá Gemini!

Não sei se será tua a responsabilidade por não te fazeres entender, por vezes o esforço é grande mas o interesse dos outros é fraco. Vão pelo facilitismo da "reputação" que carregues, baseando-se num conhecimento tantas vezes apriorístico e falível, em vez de fazerem o trabalhinho de casa. A fama do que fomos não é garantia do que seremos, é uma mera referência. Compreendo a dificuldade de singrar num mundo competitivo sem que nos façamos acompanhar de um portfólio - mas este deverá ser constituído por provas dadas, não por meras presunções.

Devemos saber exactamente qual é o nosso valor, e é este que deverá (mediante compromisso de honra) mediar os nossos acessos, apenas assim podemos alimentar expectativas. A reputação, será na melhor das hipóteses um historial que se pretende de referência por simbologia social, mas que na realidade de pouco vale.

Mas sei que nos entendemos neste assunto Gemini, desde há muito que trocamos por aqui opiniões independentemente das reputações recíprocas. :)


Grande abraço! (E obrigado pela opinião sobre a imagem do tasco!)

CybeRider disse...

Olá Nirvana!

(Epá, por pouco passava por ti e nem te conhecia. Bem giro o ícone novo!)

Que belo seria o mundo se a honra ainda valesse alguma coisa. Talvez seja isso que mancha a fiabilidade da reputação. Antigamente, éramos mais confiáveis, porque não havia tanto pecador a fazer pagar o justo. As coisas entretanto complicaram-se. Numa sociedade em que a palavra individual nada vale, acreditar em alguém pelo que dizem que é parece-me tão absurdo como acreditar que um desconhecido se vai honrar com algum compromisso que me assuma.

No entanto as linhas-guia estão contidas na fama que se traz, tantas vezes como beneficiários de uma acção casual fortuita, outras vezes vítimas de um mau momento.

O que escrevi, fi-lo porém numa perspectiva da análise individual que fazemos relativamente ao valor que pensamos carregar, mais do que na perspectiva de terceiros que sem outros meios tenham de se basear em opiniões alheias, que esta até compreendo.

Troco em miúdos, abertamente critico o facto de alguém me dizer que não pode pactuar comigo num projecto legítimo com a desculpa de que terá uma reputação a defender... É este clubismo que me deveria magoar mas que apenas me esclarece, pelo valor intrínseco que me sustenta e pelo estatuto que alcancei sem precisar de fama que o defenda.

Beijinhos Nirvana

mfc disse...

Ele tinha que se ligar a alguém, não seria?!

CybeRider disse...

Olá Pepita,

Lamento isso do comentário que se escapuliu, é estranho que nem tenha passado pela caixa de email, para onde vão todos em simultâneo à sua publicação. (Mais uma reclamação para o blogger...)

A reputação que criamos pode ser útil de parte a parte, mas será falível, podemos gorar expectativas ou simplesmente causar decepções. Nos tempos que correm nada como provas dadas e um contrato assinado (e verificar bem se a assinatura coincide com documento legítimo de identificação, e mesmo assim...)

Podia contar-te a história de um funcionário de alguém que rubricou um contrato de trabalho de tal maneira que quando a entidade patronal decidiu terminar o contrato a prazo ele disse que nunca tinha assinado nada, e ganhou! O contrato foi declarado nulo e a empresa, sem meios de o despedir, teve de lhe pagar uma indemnização choruda e convencê-lo a bem a rescindir o contrato (de mãos bem untadas aceitou). Do curriculum imaculado que exibiu na admissão ainda constavam cartas de recomendação (reputadas, claro)!

Sinceramente já vou perdendo a confiança. Se por um lado as primeiras impressões... Por outro lado as opiniões de terceiros... Venha o diabo e escolha.

Nada como ver para crer. O pior é que muitas vezes o tempo tarda em nos mostrar a verdade.

(Ainda bem que não te ficaste pela crítica ao sistema de comentários)

;)

CybeRider disse...

Olá Milu,

Agradeço a concordância. Longe vai o tempo em que nos honrávamos pela palavra.

Boa lembrança a da frase de Abraham Lincoln, como se em pleno século XIX já se vivessem os problemas de falta de escrúpulos a que assistimos nos dias de hoje. Que talvez os houvesse. Tem várias frases que revelam grande saber, haverá decerto uma razão para a devida memória cravada no Monte Rushmore...

A questão com a reputação é que se tratará da forma mais barata de publicidade que existe. Sendo também prova inequívoca da afirmação segundo a qual a qualidade não acompanhará o baixo preço. Por outro lado o preço a pagar pelo crédito que lhe damos é normalmente elevado.

Coitado do diabo Milu, penso que nem ele será tão malévolo como certos laços que se estabelecem socialmente à conta da fama. Mas isso levava-nos longe, até porque julgo que o diabo só atrai para junto de si os bons, em desafio a um deus.

Nesse sentido:

http://outranaferradura.blogspot.com/2009/04/o-pacto.html

CybeRider disse...

Ó the dear hunter, desde quando é que um deus precisa de reputação para que se lhe abra alguma porta?...

Abraço!

CybeRider disse...

Pois mfc, esse é o problema, dá muito trabalho encontrar a essência do ser. Mas o fim não pode justificar o meio.

Soraia Silva disse...

a reputaçao tem muito a ver com o que fazemos, com o que somos...

a verdade é que muitas vezes somos mal interpretados, e essa reputaçao que tanto querem provar que é a nossa, muitas vezes nao é a correcta.

mas infelizmente e felizmente, hoje em dia nao se dá muito valor a isso...

e desculpa lá a expressao, mas hoje, muita gente caga, para o que os outros possam (ou nao)pensar deles...

a mim muito sinceramente, pouco me importa, desde que nao digam aquilo que nao sou e nao faço...

caso contrario, quem inventa, ta f0did0... quanto mais nao seja por palavras :D :D


beijinho Cybe :)

Mário Rodrigues disse...

Olá caríssimo Cybe

Em relação a Maria Madalena...

Reputação! Tenho a impressão que há a que nós, voluntaria ou involuntariamente, criamos e alimentamos, e há uma outra que em nada contribuímos para ela. No entanto, a segunda, quantas vezes nos condiciona a abate bem mais que a primeira. Se bem que, poderemos ter muitas culpas na sua criação...

Em relação à não adesão a ideias... Fazes-me reflectir um pouco e a achar que isso se encaixa numa coisa que eu digo às vezes; "depois do circo montado, tem de seguir a palhaçada...". No entanto sabe muito a..."despessoalidade", e deveríamos evitar essas traições intelectuais...

Nesse clube de que falas, pode passar-se que se todos fizerem que são o que não são, e como um clube, junta pessoal com as mesmas características, esse clube não interesse mesmo; porque afinal trata-se de um clube de hipócritas para não dizer cínicos...Mas enfim!

E quando dizes:
"Não pretendo contribuir para a elaboração de algum tipo de reputação digna. Ainda que seja um perfeito canalha, sê-lo-ei seguindo os meus próprios princípios."

Só te posso dizer que, concordo completamente contigo.

Um grande abraço Cybe

P.S. - Desculpa-me o atraso. Tenho andado a-braços...

the dear Zé disse...

??????!!!

CybeRider disse...

Olá uminuto,

Agradeço-te a concordância. Tenho de gerir melhor o tempo e colocar algumas visitas em dia, para que também não julgues que sou...

Um beijo!

:)

CybeRider disse...

Olá Soraia,

Espero que já estejas melhor da gripe (ou coisa).

Acho bem que reajas contra as injustiças que façam na apreciação de quem és.

Com tanta falsidade que se transmite nas relações sociais é difícil destrinçar o trigo do joio.

Beijinho Soraia

:)

CybeRider disse...

Ilustre Mário,

O que me choca é que não nos escusemos a provocar alguma desilusão num amigo sob pretexto de termos uma reputação a defender. Por voltas que dê à tola não encontro uma explicação plausível para isso.

Se compreendo e aceito que a reputação que nos constroem não podemos controlar, já a outra -que se defende contra outros princípios- não passa de um arquétipo para um pretenso estatuto, a que nem sempre teremos direito mas que pretendemos alcançar.

Se eu não aderir a determinado projecto que me propõem por achar que é mau, não vou dizer que o recuso por reputação que defenda, porque isso me colocaria num pedestal a que talvez nem tivesse direito, mas justificarei as minhas razões pessoais para a recusa. Se eu procurar vender determinada ideia que me seja recusada sob a desculpa de ferir reputações, provavelmente pensarei que há algo mais de errado para além do meu projecto, e tenderei a encarar as coisas de forma mais pessoal, poderá ser a minha própria ideologia que não se adequa, ou poderei estar de facto a subestimar e a ofender aquele a quem apresente a ideia.

Mas se calhar sou eu que sou esquisito.

Grande abraço Mário

P.S.: Deixa-te de coisas. Atrasos... A quem o dizes!

CybeRider disse...

Então Caçador? Falsas modéstias?

:)))))

Mário Rodrigues disse...

Caro Cybe

Entendo bem o que me dizes! E concordo!
Mas, não seria possível que esse amigo desiludido, tenha criado falsas expectativas em relação a uma possível reputação? Ou será, que nos queremos manter numa camada da sociedade à parte ao criar essa falsa reputação?

...Se calhar, sou eu que também sou esquisito...

Abraço Cybe

CybeRider disse...

Pois que reste aos desiludidos a margem de duvidar que exista uma confusão de conceitos por parte dos desilusores.

Haverá que apurar outras vertentes para determinar o afastamento ideológico que nos divida.

Não sou de julgamentos apriorísticos, talvez tudo não passe de uma confusão de retórica.

Abraço Mário