terça-feira, 31 de março de 2009

O elogio dos pássaros

Pareces-me muito pequeno.

Deste galho diria que és para aí do meu tamanho. Mas sei que não.

Já te vi de perto. Quando do cimo dos teus catorze anos apontaste um cano de ferro ao meu irmão e o trespassaste de lado a lado.

Vi como pegaste no pequeno corpo que não te enchia a mão e lhe sentiste o calor que se desvanecia. Vi-te olhá-lo nos olhos, a tentares compreender toda a mágoa que a natureza te mostrou naquele último brilho. Vi como te entristeceste, mas não te consigo perdoar... Nem hoje, nem talvez amanhã.

Ainda assim tento.

Mas também não percebo porque me deitas abaixo a casa que construo paredes meias com a tua, e não me deixas ser feliz com uma família, assim, como tu.


Não percebo porque teimas em dizimar os jovens que brincam frente ao caixote de ferro com que percorres o mundo, sem me veres.

E não entendo também porque me enches o céu de poeira.

O meu Sol está tão quente...

Solto-me ao céu ainda azul. Rémiges ao vento, tento esquecer que existes. Mas volto, para dormir nas árvores da tua rua, a tentar perceber porque me tratas assim. Estou contigo no bosque a avisar-te que o teu passeio é seguro. Estou contigo nas manhãs mais belas a animar-te para a vida. E tu não me vês! Como posso perdoar-te?...

Canto para ti, o melhor que sei, melodias para te recordar da Primavera.


Espreito à tua janela.

Porque não aqueces os teus filhos na tua cama? Porque os acordas tão cedo e os levas para outro ninho? És muito estranho...

E tentas imitar as minhas cores, que mudas todos os dias. Mas também não compreendo os teus chilreios de amor, nem a agressividade com que demarcas o teu território, nem porque tens de fechar o ninho que deixas vazio.

Daqui do meu ramo volto a olhar para ti. E amanhã vou voltar a pousar na tua varanda.



Porque não me segues, quando me arrisco a desafiar-te do beiral da tua janela?






© CybeRider - 2009

sábado, 28 de março de 2009

Rigor jornalístico

Ainda não há um serviço de notícias na blogosfera.

Por um lado ainda mal. Caso contrário o mundo poderia ler o que aconteceu ontem num blogue da nossa praça, e compreender como coisas que podem parecer fúteis, como a colocação e comentário de ideias num blogue, podem assumir derradeiras importâncias e eventualmente deixar marcas indeléveis nos seus intervenientes.

Como um amigo me referiu, aquilo afinal é apenas html.

Não vou hiperligar o caso concreto, porque sei que os meus leitores têm a nobreza de não vir para aqui à procura do reality show, e além disso o que aconteceu não foi em minha casa, mas antes numa que respeito.

Para quem nunca ouviu falar de netiqueta isto pode até parecer uma parvoíce. Pelo meu lado que já ando nisto desde o Mirc inicial (com um pc com Win3.11 - se é que isto ainda diz alguma coisa a alguém), cedo me habituei a respeitar a casa dos outros. Tive desavenças e encontros fantásticos que me deram o prazer de viver aventuras memoráveis, no ICQ, no MSN, e quejandos .

Descubro com grato prazer que a blogosfera pode ir mais longe.

Dá-nos a possibilidade de deixar a nossa alma exposta por tempo indefinido. Se por um lado isso nos pode conduzir desde a almejada imortalidade (o que quer que isso seja porque não compreendo o Infinito) ao mero convívio informal, deixa-nos por outro expostos de formas absolutamente imprevisíveis, o que pode gerar sentimentos incontroláveis.

Posso depois disto adiantar que o caso concreto aconteceu em virtude de uma forma muito própria dos membros do grupo partilharem os "bons dias".

Imagine-se por isso o leitor a entrar num estabelecimento onde toma o pequeno-almoço diário e que saúda os presentes, que correspondem com sorrisos e retribuições, e que alguém decide à revelia congratular-nos com a sua opinião pessoal de que aquela forma de saudar é incómoda e que lhe chega a fazer correr mal o dia.

Provavelmente, se for o dono do estabelecimento, arrisca-se a ficar sem clientela. Se for um mero conviva nos seus primeiros dias de frequência, arriscar-se-á à excomunhão.

Imagino com facilidade os impropérios, a que a persistência do estranho dará como consequência decerto algumas cadeiras pelo ar, e o consequente afastamento do causador dos distúrbios.

Em bom rigor jornalístico foi o que aconteceu.

A maravilha que daqui resulta é o facto de nos encontrarmos perante mero html.

A tal falta de netiqueta, muitas vezes causada pela necessidade rápida de nos fazermos notar num ambiente que apreciamos e onde gostaríamos que se lembrassem de nós, leva-nos a criar clivagens que temos de habilmente conseguir não quebrar, enquanto tentamos a custo afirmar o nosso carácter e em simultâneo tentamos atrair os outros para nossa individualidade.

A criação destes laços é um processo complexo, mesmo na realidade quanto mais no mundo virtual!

Devemos lembrar-nos que quem já lá está não está disposto a aturar infantilidades nem muitas vezes a fazer cedências. Somo nós os intrusos (sempre) e como tal é conveniente evitar antagonismos. Se por vezes simples desacordos são bem vindos, a tentativa de quebrar tradições pode ser letal.

Recordo porém que a peixeirada foi toda resolvida sem recurso ao vernáculo corriqueiro, o que acaba por abonar em favor dos contendores e não deixa por avaliar o bom nome da casa.

Estou certo que todos passaram, consequentemente, uma noite descansada.


© CybeRider - 2009

quarta-feira, 25 de março de 2009

Crise? Qual crise?

Não é com particular desagrado que recebo a visita de associações de caridade no meu local de trabalho. Chego mesmo a reservar para algumas um módico cheque anual, porque até acredito que possa ser por uma boa causa e sinceramente nunca me ocorre algo de mais construtivo a indicar. Afinal de contas, a finalidade da sua presença são eles que ma indicam: mais um peditório...

Alguns são caras já conhecidas, cumprimentamo-nos como amigos, que afinal ainda não somos, e sento-os sempre diante da minha secretária (aquela coisa de madeira com papéis em cima, entenda-se).

Depois de uma amena cavaqueira, a que os nossos sorrisos dão melhor entendimento que o próprio teor da conversa, e a escrituração do pequeno papel, acabam por me deixar prosseguir as introspecções e partem sempre com um até breve que a cada vez desejo mais longínquo.

Não foi o que aconteceu hoje.

Mantivemos os sorrisos, a disposição das cadeiras, e expliquei-lhe que afinal andamos todos ao mesmo, variando a indumentária pouco nos distingue, ele como eu com família para alimentar, e no entanto com uma diferença fundamental: para ele não existe saldo negativo: Ou há..., ou não há! Já no meu caso... Cada dia que passa projecta um abismo do qual poderei não saber sair. São os compromissos bancários, o fisco, rendas, taxas camarárias, combustíveis, fornecedores, enfim aquele rol do costume. Falei-lhe da situação internacional que me priva de clientes. Mostrei-lhe as desvantagens de um mercado altamente competitivo, e aí traçámos ainda algumas queixas. O olhar entristeceu-se-nos, cabisbaixos partilhámos mesmo um curto silêncio...

E garanto, que lhe antevi um pequeno trejeito da mão em direcção à carteira. Não fosse o telefone ter tocado...

Despedimo-nos, com um novo "até breve" mais magro que o habitual para ele, menos doloroso para mim. E pensei com os meus botões: "Estás a ficar bom nisto, rapaz! Um dia destes... "


Não há dúvida. A necessidade aguça-nos o engenho!



© CybeRider - 2009

terça-feira, 24 de março de 2009

Derradeira agnose

Espanta-me a astrologia, e a facilidade com que se acredita mais em magnetismos que na existência de Deus.

Num blog por onde passei encontrei um nome feminino charmoso, um colorido ameno, textos com alma. No perfil uma referência: "Touro"...

Imaginei-me a entrar no Labirinto de Dédalo para me enfrentar com a versão sáfica do Touro de Minos. Imaginei-lhe os fartos seios matriarcais, as coxas grossas, o úbere massivo (sim, seios e úbere que tinha de ser um monstro). Qual Teseu, aventurei-me a medo e deixei um comentário tímido a um lugar comum.

Afinal tudo não passava de gigantismos do meu imaginário. Revelou-me um belíssimo gesto humano, ao retribuir-me a visita.

E pensei... Por que raio será tão difícil de ver que as ubíquas ondas de rádio, de televisão, de GPS, têm decerto mais efeito sobre nós que as emergências de Urano? E que afinal as radiações do micro-ondas, do leitor de CD, ou do motor do aspirador, nos constringem mais que os anéis de Saturno?

Por mais voltas que dê, não encontro explicação para esta incongruência fundamental.

Menos ainda para o enriquecimento dos clérigos desta doutrina, nem para as crenças que suplantam relativamente à adoração tradicional do divino. Hoje é mais fácil o exorcismo pelo lançamento dos búzios ou por um jogo de cartas que pelo enfrentar do crucifixo.

Não que me seja mais fácil aceitar a supremacia de uma divindade todopoderosa; afinal se existisse, o termo heresia não faria sentido enquanto causa para a punição dos descrentes (prefiro "incautos"). Mas é toda uma (mais outra) tradição que definha.

Pode parecer desilusor que no meu ajuste de contas passe de agnóstico a isto. Atento ao facto de ter compreendido que este lindo planeta azul é afinal um pequeno grão de areia, em comparação com outros corpos celestes, sou levado a crer - sem urgência de olhar às vítimas do Tsunami ou de massacres africanos - que isso nos deixa numa dimensão invisível mesmo aos olhos minuciosos de um Deus.

E se por um lado a atoarda de que o tamanho não interessa, possa funcionar como catarse para algumas psicoses, neste caso concreto não me ajuda.

Por outro lado, a imagem desse Deus sempre ofuscou as criações verdadeiramente divinas do Homem, acabando por não nos tornar melhores ao afirmar a nossa própria inexistência, que tantas vezes recordamos uns aos outros com reforços do olhar para o etéreo.

Sei por isso que vou ter uma dificuldade. Na hora do julgamento final, terei que Lhe mostrar também a Ele, que não existe. Penso que vou ter sucesso. Apesar dos milénios que Ele me leva de avanço...

Levo anos e anos de prática sofrida daqui.

© CybeRider - 2009

domingo, 22 de março de 2009

Auto-biografia 2 (de 2)

Agradeço às mulheres:

Uma mama na boca;
Uns pares de cuecas à mostra;
Outros tantos em baixo;
Um sorriso à janela;
A descoberta da diferença fundamental;
O prazer dos dias de greve.
Um pontapé no cu;
Um estalo que dei;
Um excerto do Jesus Christ Superstar;
Brincadeiras num corrimão;
Uns estalos que levei;
Livros que li;
Filmes que vi;
Quadros que admirei;
Música que ouvi;
A pornografia;
Os passes de dança;
Uns "não quero";
O primeiro beijo;
Uns "está bem";
Amizades que fiz;
Dias e noites memoráveis;
Lisboa à noite;
Uma Festa do Avante;
A maioria das virtudes;
Um autocarro perdido;
Amizades que desfiz;
Alguns conselhos;
Outros estalos que levei;
Algumas das minhas lágrimas;
Algumas das suas lágrimas;
Outra mama na boca;
Areia no sexo;
O "Não faz mal...", pouco sincero;
O "Mais depressa!";
O "Mais devagar!";
O "Espera. Espera..."
O "Meu Deus!";
A aprovação, com sinceridade;
Outras lágrimas.
A felicidade de amigos;
Um filho;
Os melhores manjares;
O divórcio de alguém próximo;
A minha auto-confiança.




© CybeRider - 2009

Auto-biografia 1 (de 2)

Agradeço aos homens:

O berlinde e o pião;
Pontapés no cu;
A colecção de palavrões;
Os murros que levei;
Alguns murros que dei;
O 25 de Abril de 1974.
A minha primeira greve.
Umas férias no Algarve;
Amizades que fiz;
Os desafios de xadrez;
As minhas brigas filosóficas;
A primeira viola;
Um curso de fotografia;
Poucas qualidades;
Os desportos que pratiquei;
Um passeio a cavalo;
O êxito de Norma Jean Baker;
O livro emprestado;
Outros livros que li;
Filmes que vi;
Quadros que admirei;
Música que ouvi;
O CH3 CH2OH;
O tabaco;
A mala que me roubaram;
A "Introdução à Política Partidária";
Dias e noites memoráveis;
Lisboa à noite;
Mulheres que me tiraram;
Mulheres que conquistei;
A maioria dos defeitos;
Copos que me aturaram;
Um concerto de piano;
O filme que realizei;
Um fim de ano no Bairro Alto;
Conselhos que recebi;
Uma tarde em Belas Artes;
O dia em que andei na pesca ao polvo;
A noite que passei numa traineira;
Os mergulhos no Atlântico;
O acampamento em que participei;
O meu primeiro automóvel;
Um passeio de carro em Leiria;
Todos os meus acidentes de viação;
Amizades que desfiz;
O meu serviço militar;
Um passeio de barco à vela;
Algumas desilusões;
O meu primeiro emprego;
Um passeio de mota no Algarve;
O divórcio de alguém próximo;
Todos os meus insucessos;
O Medo.




© CybeRider - 2009

sexta-feira, 20 de março de 2009

Uma coisa que o dinheiro não compra

INSPIRAÇÃO

Lago que te penso
Prenhe,
Não de torrentes mortas
Mas de segredos
E corres nas minhas veias
Rios de sangue
Onde se afogam mágoas de rebelde
E revoltas ébrias de esperança.

Sacio-me em cada raio de luz
Que te reflecte a cor
Tecida a aguarelas mil
Que não posso prever.

E desejo estar nas tuas águas calmas,
Afogar-me de ti,
Com vontade de morrer nenhuma vez
Serena mansidão,
Latente,
Doce,
Que te não quero saber o fim.
Sinto-te o calor
Do corpo que encerras imerso
E a terna concupiscência
De perseguir-te o leito.




© CybeRider - 2009

quinta-feira, 19 de março de 2009

O meu acto mágico

Ao meu filho

Acreditei um dia que podia mudar o Mundo.

Tive a força das palavras, a compleição física, a espontaneidade contida por uma formação adequada, os contactos sociais, e a vontade indómita de vencer mais pela razão que pela espada.

Os anos foram passando e a razão não foi tão clara, os contactos sociais foram-se gorando pelo decurso natural das coisas, a força das palavras transformou-se em fraquezas injustas, a formação afinal era insuficiente, e a compleição física, bem...

Sou culpado, por isso, de não vos ter dado um mundo melhor. Mas fiz um acto mágico. E ele nasceu.

Encontro-lhe as forças que não tive. Mostra-me novas definições para incomensurabilidade. Redefine-me a palavra amor. Devolve-me a fé que perdi, renascida nos valores que tenho sobre a vida. Faz-me acreditar que o amanhã vale a pena.

Hoje, sei o verdadeiro valor da minha vida; porque ele mo mostrou quando apareceu: vale bem menos que a dele.

Quando o olho nos olhos vejo aquele brilho que entretanto perdi, e sei que sim: Fiz algo de muito importante pelo vosso Mundo.


Foi o meu único acto mágico.



© CybeRider - 2009

quarta-feira, 18 de março de 2009

Cantiga de amigo

Dedicado a todos os que sabem que sei que eles sabem que sou e que são


Na lírica medieval do norte da Península Ibérica, surgiu uma moda poética cantada por jograis em que os temas, escritos por homens como se saíssem das bocas de mulheres, tinham como tema o erotismo feminino isento de amor físico.

Ora se a Rita Lee estiver certa, e o amor sem sexo for de facto amizade, nada nos impede nos dias de hoje de cantarmos nós próprios as nossas cantigas, sem que soe muito abichanado colocar as nossas palavras na nossa própria boca, que é afinal onde elas pertencem.

Exercitando o que disse, vou declarar sem medo que todos os meus amigos têm um dom.

Para além da notabilidade implícita ao facto, nos tempos que correm em que sagra a mediocridade humana, poderá causar estranheza esta súbita destrinça de super-heróis, porque disso se trata.

Podíamos imaginar que fossem saídos de uma mesma família, com a mesma tipologia de poderes sobrenaturais, mas não... Cada um tem um dom particular que o identifica imediatamente dos outros, o que torna tudo ainda mais assustadoramente singular.

Por isso, quando estou com os meus amigos, acho-me sempre bastante modesto. Não fui bafejado pela sorte de ter um dom como eles; deveria por isso ser mais tenaz e persistente com algumas qualidades mais mundanas. Mas, também não...

Desencantadoramente, fico tomado de uma inexplicável languidez e bem-estar que parece tolher-me os movimentos e deixar-me sempre tropegamente sentado na cadeira. Mesmo quando o ambiente é de festa e todos participam na elaboração de um manjar de reis... Ali fico, com um sorriso aparvalhado, a vê-los deslizar com elegância à minha volta.

Chega a ser irritante!

Daí que não perceba o que acaba por fomentar a nossa amizade. Mas claro que a resposta é óbvia: é a grande qualidade que lhes é inerente que acaba por dar o mote à sua enorme tolerância.

Isto torna-os a todos ainda mais magníficos. E a mim ainda mais espantado.

Homens e mulheres de palavra, ainda somam a todas essas uma qualidade: é que eles próprios não fazem cantigas de amigo.

Falo sobretudo daquela que começa por "Emprestas-me 100 paus?..."

Sou mesmo um tipo cheio de sorte!




© CybeRider - 2009

segunda-feira, 16 de março de 2009

Direitos de autor

Cheguei atrasado. Estava tudo feito.


Se tenho uma boa ideia já nem me enalteço a julgar que é minha. Puxo pela memória, para descobrir onde a fui buscar. Puxo, puxo...


O pior é que a memória é fraca.


Passam dias, semanas... Se não encontro o autor da minha boa ideia, acabo provavelmente por me esquecer do que idealizei, porque não pus em prática. Mas casos há em que encontro aquela ideia excelente descrita por outras palavras num panfleto qualquer. Aí regozijo-me do bom ser humano que sou: "Vês?... Ainda bem que..."


Depois, a blogosfera não ajuda.


Basta ler na diagonal meia dúzia de páginas para descobrir que houve tantos prémios Nobel mal atribuídos. Quantas vezes não encontro por aqui palavras que me elevam muito mais que as do Saramago?


Foi a sociedade que nos habituou mal. As matérias-primas não pagam direitos: o abecedário, as notas de música... Faz-se uma pequena transformação e zás! "Isto é meu!". Então e MEU? Não há nada?


Devia ter nascido há 500 anos. Nessa altura não havia direitos de autor. Uns andavam a descobrir, outros procuravam sobreviver. Tem de ter sido o paraíso dos idealistas!

Havia até uma coisa fantástica! Que era a possibilidade de melhorar a invenção de alguém. E podia-se melhorar quantas vezes quantos os inventores... As possibilidades eram deveras ilimitadas.

Hoje não! Quem se atreve a tocar numa invenção doutrem e a dar-lhe outro sentido? Em proveito próprio? Nem pensar nisso! Próprio?... E se for colectivo? Vou preso!

Depois vêm falar-me de empreendedorismo. Que palavrão!... Asneira! Pensarão alguns. Mas a ideia também não é deles, é outro "empréstimo".


Por isso até me lembrar de coisa tão disparatada como colocar não sei quantos biliões de transístores a funcionar numa folha de papel, vou ficar sossegadinho.

Olha!... Aí está!... E esta? Duvido que alguém alguma vez se possa ter lembrado disto... Pelo sim pelo não... Espero até amanhã... Só um dia... Também, um disparate destes... Quem é que se lembrava agora de semelhante coisa.

Além do mais...

A mesa está posta, a cama está feita...

Vou ficar a aguardar que me apareçam a pedir direitos de autor por comer de faca e garfo.



© CybeRider - 2009

sábado, 14 de março de 2009

A ler nas entrelinhas

Houve uma altura em que se falava muito de publicidade subliminar.


Aparecia, dizia-se, embutida nas metragens cinematográficas e tinha a assaz bizarria de conduzir multidões ao bar, no intervalo, para pedirem por exemplo a sua Coca-Cola.


Que nessa altura a sala de cinema era adequada até a cinéfilos; não havia cá esta coisa de comes-e-bebes-quando-quiseres-porque-foste-de-alforge-carregado-para-o-cadeirão. Não! Tal disparate não passaria pela cabeça do mais incomum dos mortais. Nem passa hoje pela minha e sou, acredite-se, bastante vulgar.


Mas também havia naquela altura muito de subliminar no nosso dia-a-dia, que entretanto desapareceu com as mudanças políticas.


Havia, por exemplo, um conceito subliminar de democracia que por algum factor sobrenatural tendia a manifestar-se com mais frequência nos estudos universitários. Daí que houvesse uma tendência -também ela subliminar, mas generalizada- de terminar os estudos antes dessa fase.


Por outro lado desde a mais tenra idade eram-nos mostrados, subliminarmente entenda-se, todos os vícios e parafilias que pudéssemos imaginar. Essas pequenas e imperceptíveis mensagens chegavam-nos mais exactamente pelos contos que os nossos pais nos relatavam para adormecermos, ou que começávamos a ler logo que decifrássemos as primeiras letras.


Haverá conto mais sangrento que o do Capuchinho Vermelho, em que o lobo chacina a avó? Haverá coisa mais horrível que a situação das comatosas Bela Adormecida e Branca de Neve? Aquela num transe alucinatório profundo depois de picar o dedo na roca -nem que aquilo fosse uma seringa de morfina! E a outra, ainda por cima vítima clara de estupro por parte do Príncipe Encantado, que a beija numa situação de clara incapacidade; sem chegarmos nunca a tirar a limpo qual a real natureza do estranho mas duradouro relacionamento com os laboriosos anões?

O masoquismo de Cinderela, que nem depois de se saber favorita queria deixar a madrasta e as irmãs sádicas? Lá está! Sempre a mensagem subliminar, eternamente imperativa e inquestionável.


Qual era mesmo a outra que tinha de beijar um sapo? Então isso não é bestialismo? Alguém imagina nos nossos dias uma garota simpática a beijar um cão, um cavalo, ou um porco? Claro que não!


Que mensagens se pretendia passar com estes contos? Obviamente a clara intenção de nos tornar nos cruéis e embrutecidos lutadores da guerra de África e adjuntos familiares e amigos.


Daí que às pessoas da minha geração devesse ter sido administrado um curso de viabilização social, para nos integrarmos com mais facilidade nos tempos modernos. Uma pensão de invalidez automática também não seria má ideia.



E já agora aquele Batman e o Robin? Nunca me enganaram!





© CybeRider - 2009

quinta-feira, 12 de março de 2009

Receita à minha moda

Cortei-lhe o pescoço.

O olhar de piedade não me tolheu os movimentos. Era ele ou eu.

Lavei a faca, depois as mãos. O sangue uniu-se à água numa dança pelo ralo e fugiram-me para sempre, cúmplices do meu acto.

Milénios de apuramento e evolução ali, a escassos momentos de se confundir com o eterno.

Despi-o. Desmembrei-o. Separei-lhe a carne dos ossos numa fervura.


Tinham sido dias e dias a ver as plantas crescer.

Entretanto ordenhara as vacas. Carregara as rações. Limpara os estábulos. Amassara o requeijão. Fizera o queijo e a manteiga. Tratara as galinhas. Afugentara as raposas dos galinheiros. Esmurrara o vizinho que me queria a terra. Matara o porco e fizera-lhe os chouriços. Andara com o mar pelos joelhos e extraíra-lhe os cristais. Pisara as uvas que carregara aos cestos. Suara ao Sol escaldante do meio-dia.

Colhi o arroz.


Pela primeira vez, desde há muitos anos, olhei e vi: o prato de porcelana pura, das minhas mãos de artista.


Estava lá tudo! O arroz, o pato, o sal, o ovo, a manteiga, o chouriço. Ao lado o vinho, no copo que trouxe da Marinha Grande, quando o soprei por um tubo junto ao forno rubro.

Quantos sacrifícios mal pagos para saborear este petisco.


Crise? Qual crise? Não faço tudo sozinho?


Sirva-se quentinho.



© CybeRider - 2009

quarta-feira, 11 de março de 2009

Do calão ao erudito

AS PALAVRAS


Quando era miúdo
Dizia asneiras em vez de palavras
E, sobretudo, dizia palavras
No lugar de asneiras...

Agora, digo palavras que não são asneiras
E asneiras que nem palavras são...

E se tenho motivos para dizer
As asneiras que sei,
Troco-as muitas vezes
Por palavras que não conheço.

Momentos há até
Em que as asneiras que digo
Soam a palavras vazias
E palavras que digo
Soam a asneiras
Que nunca soube dizer.

Quando fios da seda mais branca
Me amortalharem,
Direi decerto muitas asneiras
Em vez de palavras
E muitas palavras
Que nem asneiras chegarão a ser.

Mas hão-de sempre haver
Tantas asneiras demais ditas
E tantas palavras lindas
Que a censura do tempo
Não deixará nascer...







© CybeRider - 2009

sábado, 7 de março de 2009

Já sei porque é que aquilo foi ao chão!

Já me tinha proposto a não escrever sobre política.

Hoje soube que o célebre Magalhães está errado. Não é o Fernão, esse era de boa cepa. É mesmo o computador dos assessores do nosso 1º... Tem erros de português...

Ora se aquilo foi apresentado ao Hugo Chavez em Setembro de 2008 e estamos em Março de 2009. Pelo menos duas coisas se podem inferir: ou anda tudo a dormir, ou lemos muito devagarinho (o que pode justificar alguns atrasos burocráticos mas não explica decerto a aprovação do Freeport).

O Hugo Chavez, pelo meu lado está desculpado. Como pode ser muitas coisas, mas parvo não é de certeza, abriu, leu, percebeu o conceito e a linguagem bera - melhor do que nós, entenda-se! - e largou aquela (DEPOIS DE ALGUMAS OPINIÕES ESTA PALAVRA FOI CENSURADA PELO AUTOR POR NÃO SE ENQUADRAR NO ESPÍRITO GERAL DESTE BLOG, PELO FACTO PEÇO AS DESCULPAS DO LEITOR E DIGAMOS QUE "COISA" SERVIRÁ OS DEVIDOS PROPÓSITOS) da mão. Depois diplomaticamente apresentou a conclusão do teste de resistência. (A famigerada encomenda será pelo facto dos dele irem em castelhano?)

Estou de acordo. Serve para nivelar os pés da mesa.

"Ah... e tal que foi um senhor emigrante que fez a tradução..."???

Que vem lá a ser isto? Então é assim que tratamos a educação das crianças deste país? E o tal "senhor" foi pago por isso? É que se foi, onde está o concurso público?

Aquela porcaria passou pelas mãos de tanta gente com responsabilidades e ninguém teve a hombridade sequer de ver o que lá vinha dentro?

Não acredito!

Só peço agora que tenham a coragem de dizer a verdade à frente das câmaras e dos jornais: que o Magalhães só tem servido aos senhores da educação, ao senhor primeiro ministro e seus assessores para duas coisas:

FAZER DOWNOLADS ILEGAIS E VER GAJAS NUAS!!!

É por estas e outras que não escrevo sobre política. Agora vou vomitar, de seguida vou-me aos Valiums.

E já sei que não tenho apelo à merecida indemnização. Continuo a pagar impostos como toda a gente.


© CybeRider - 2009

sexta-feira, 6 de março de 2009

Uma coisa que devia ser imutável

Acabei de aprovar o meu acordo ortográfico.

Doravante vou passar a excluir do meu vocabulário os "se" e os "mas". Sem ses nem mas tudo o que disser será cristalino, puro e honesto.

Claro que terei que eliminar também os disfarces: as restantes conjunções subordinativas condicionais, em relação ao primeiro; e as restantes conjunções coordenativas adversativas, relativamente ao segundo. Todas as outras formas de ses me são inócuas.

Penso ter chegado assim ao âmago de tudo o que é trafulhice e incongruência no nosso percurso discursivo, que se traduz nas ténues subtilezas que transformam um lindo dia numa noite de pesadelos, um homem de palavra num vigarista, em suma uma boa intenção num pomo de discórdia.

Assim, se (e este, como se verá até ao fim da oração, não é dos proscritos mas apenas um atavio) o tal Murphy inventou uma lei que garante que o que pode correr mal irá de facto correr mal; de que serve dizermos que determinada acção que nos propomos executar estará dependente de uma condicionante que já sabemos que não vai acontecer?

Por exemplo, quando ouço alguém dizer: "- Vou-te pagar se..." já sei que posso puxar uma cadeirita e esperar sentadinho.

Outro exemplo: "- Ia pagar-te mas..." nem preciso de ouvir o resto para saber que se não estava sentado mais valia que estivesse.

Há ainda outras belezas destas formas conjuntivas. A mais gritante talvez seja quando as vemos aplicadas às promessas: "- Prometo que haverá mais emprego se..."; "- Construirei mais hospitais se..."; "- Disse que baixava os impostos mas..."; "- Os números eram definitivos mas..."

O uso e abuso destas expressões tem levado a que se venham perdendo imensos valores, descredibilizando o povo português (sim, porque é da língua portuguesa que estamos a falar), e permitindo que coisas simples e bonitas, em que acreditávamos antigamente, sejam hoje puras patranhas, como por exemplo a tão vangloriada "palavra de honra" que é hoje uma espécie quase extinta, talvez haja alguma ainda nalgum cerro do interior, temos dúvidas é que sem parceiro se consiga reproduzir.

O defeito não está nas pessoas, está na língua.

Os ses encerram ainda outra beleza pictórica que é o mérito de nos deixar presos a sonhos que nunca realizámos mas (este é o último, prometo) que teríamos realizado não fora a tal lei do senhor estrangeiro. Claro que nessas imersões nos esquecemos de tudo o que poderia ter corrido ainda pior e também daquela outra vez em que podíamos ter ficado debaixo de um eléctrico.

Bem sei que prometi não voltar a usar ses nem mas. Vendo bem...

Mudei de ideias...



© CybeRider - 2009

quarta-feira, 4 de março de 2009

2ª Escolha

Nunca compro produtos de segunda escolha.

Se me esfolo para ter uma moeda para trocar por qualquer coisa, ao menos que seja de qualidade.

Não que saiba muito de qualidade... Na verdade sei lá qual é a qualidade até chegar a casa, abrir o que comprei, e concluir por fim que o meu produto de Primeira Qualidade é afinal uma trampa.

Mas a publicidade tem essa magia. Diz que é bom e a gente compra.

Compra... Desde que não seja de segunda escolha. Até as coisas em segunda mão nos são preferíveis aquelas.

Um produto em segunda mão nasceu imaculado. Teve um percurso de utilização, e estará possivelmente capaz de ser ainda bastante usado. Pode até estar gasto, ter adquirido algumas mazelas, mas nasceu perfeito e são.

Já o de segunda escolha... A definição denota logo à partida que nasceu inquinado. Tem um defeito qualquer que o diferencia dos outros. Mesmo para os progenitores que o fabricaram é um enjeitadito.

Este erro de génese leva ao estigma do seu destino. Ou se transforma em algo diverso ou nunca poderá ocupar o lugar da estante ao lado dos portentosos irmãos, nem atingir o mesmo preço.

Tem um erro. Mesmo que os produtos idênticos, entenda-se, possam continuar a ser uma trampa.

Ora, errar é o que nos torna humanos. Logo, cartesianamente, se não tivermos o factor erro, somos decerto outra coisa que não humanos. Ou somos inquinados para nos indiferenciarmos ou por outro lado seremos diferenciados se não tivermos o tal erro. Logo a perfeição é-nos vedada.

Tenho andado enganado. Descubro hoje, afinal, que somos produtos de segunda escolha.

Lastimo, em consequência, que exijamos constantemente dos nossos pares uma conduta sem erros.

Procuramos o impossível!

A partir de hoje, nunca mais critico ninguém. E dou aqui início à busca do alguidar de onde me separaram, onde estarão os de qualidade que quero conhecer.

ONDE É QUE ESTÃO "OS OUTROS"?




© CybeRider - 2009

segunda-feira, 2 de março de 2009

Humor negro

JARDIM DE DEUS


Ter um jardim não fosse Deus
E hoje os pássaros seriam sem flores nem galhos;
Minhas mãos vazias de dedos, que tocassem folhas
De veludo, e sede de água, de sangue.

No meu jardim os ossos brotam entre as pedras.
A carne fresca é o estrume: a escória...
E areia (muita), que grita tão alto!
Que já não me sinto tão forte:
Tenho medo,
Medo... MEDO!

Medo das letras...
Que não se apaguem aquelas que, por ingenuidade,
Escrevemos na areia da praia.

Talvez um dia junto ao mar.
Talvez um dia junto ao peito.
Talvez um dia à distância de um beijo.
'
'
© CybeRider - 2009

domingo, 1 de março de 2009

Um segredo para o sucesso

De todos os fanatismos, que podemos ou não aceitar, para alcançar o sucesso de uma empresa há um que me parece merecedor do prémio Nobel.

Pela sua simplicidade e êxito garantidos, é a pedra basilar para a sólida criação de um império.

Compreendo que nem todos queiramos regular um império, por isso há que aplicar este princípio na medida certa do poder que pretendemos alcançar.

Uma ressalva: Não me vou debruçar sobre a aplicação desta fonte de êxito à função pública. Não porque não resulte, ou porque não encontre falhas naquele sector, mas porque nada parece entrar nas cabeças autónomas dos detentores dos poderes públicos, sendo por isso inútil aconselhar com o que sei ser despiciendo.

Estou a falar, como decerto os mais sagazes já depreenderam, da gestão de clipes.


Em todo o sector administrativo da área empresarial nos deparamos, no decurso do processo, com a acumulação de expediente. Seja pela aplicação do articulado duma área particular do Código do Trabalho - Férias, Feriados e Faltas - seja por acréscimos pontuais da actividade da empresa.

Existe uma efectiva e comprovável afectação de recursos preciosos nesta tragédia que contamina cobranças; pagamentos; encomendas; e toda uma miríade de situações mais ou menos prementes que se traduzem, directa ou indirectamente, em quebras de lucro ou (porque não dizê-lo?) prejuízos descarados.

Independentemente de situações mais ou menos generalizadas de eventuais crises e decorrentes soluções, tão discutidas por economistas, financeiros, empresários e outros entendidos em panoramas macroeconómicos, é sobre cada uma das entidades empresariais que este flagelo se faz sentir e, como tal, deve ser atacado.

Assim, é um acto primordial de boa gestão que cada colaborador com responsabilidade no sector administrativo de cada empresa tenha ao seu dispor apenas uma caixa -ou eventualmente, em empresas em vias de desenvolvimento, duas - de clipes. Estes não serão renovados, devendo durar a vida da empresa ou até que a ferrugem os devore, sendo reaproveitados à medida que os papéis unidos por eles deixem de estar pendentes.

O rigor desta medida deverá ser cumprido à exaustão, defendo sem receio que a exclusão de um colaborador da empresa seja a única via em caso do seu incumprimento, a menos que se verifique algum impedimento devidamente comprovado por documento oficial, como atestado médico por doença, ou certidão de óbito de parente próximo.

As empresas nacionais (perdão... Portuguesas) não podem continuar nesta imagem terceiro-mundista do expediente em atraso. Olhem para os tribunais; para as conservatórias; é essa imagem que queremos no seio das nossas empresas? Avento que não!

Papéis em dia não estão unidos com clipes. Estão anexados com sólidos agrafos, ou devidamente arrumados em pastas decentes e organizadas.

Este conselho gratuito deve ser levado muito a sério. Recomendo a troca de noites de sono por meditação séria e honesta de quem responsável sobre esta medida, de simples execução, que libertará muitos de muitas dores de cabeça.



Noutro momento falarei da liberdade de acesso à caixa registadora, que se me afigura porém de menos importância.




© CybeRider - 2009