Cortei-lhe o pescoço.
O olhar de piedade não me tolheu os movimentos. Era ele ou eu.
Lavei a faca, depois as mãos. O sangue uniu-se à água numa dança pelo ralo e fugiram-me para sempre, cúmplices do meu acto.
Milénios de apuramento e evolução ali, a escassos momentos de se confundir com o eterno.
Despi-o. Desmembrei-o. Separei-lhe a carne dos ossos numa fervura.
Tinham sido dias e dias a ver as plantas crescer.
Entretanto ordenhara as vacas. Carregara as rações. Limpara os estábulos. Amassara o requeijão. Fizera o queijo e a manteiga. Tratara as galinhas. Afugentara as raposas dos galinheiros. Esmurrara o vizinho que me queria a terra. Matara o porco e fizera-lhe os chouriços. Andara com o mar pelos joelhos e extraíra-lhe os cristais. Pisara as uvas que carregara aos cestos. Suara ao Sol escaldante do meio-dia.
Colhi o arroz.
Pela primeira vez, desde há muitos anos, olhei e vi: o prato de porcelana pura, das minhas mãos de artista.
Estava lá tudo! O arroz, o pato, o sal, o ovo, a manteiga, o chouriço. Ao lado o vinho, no copo que trouxe da Marinha Grande, quando o soprei por um tubo junto ao forno rubro.
Quantos sacrifícios mal pagos para saborear este petisco.
Crise? Qual crise? Não faço tudo sozinho?
Sirva-se quentinho.
© CybeRider - 2009
2 comentários:
Fogo meu, gastas as palavras todas. E depois, o que é que a gente diz?!
Asneirada? Dá vontade!
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