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segunda-feira, 1 de março de 2021

M U R R A Ç A

O tema da violência doméstica que tem vindo a ser debatido com frequência nos media quase diariamente traz-me a este raciocínio pelo facto de não conseguir encontrar um paralelismo entre os profundos e fecundos debates, discursos e campanhas, e a necessária execução de medidas preventivas por parte das entidades competentes pela sua tutela. Vivemos há muitos anos numa sociedade que se quer do primeiro mundo, num estado de direito que deve zelar primeiro pelos direitos e garantias fundamentais dos seus cidadãos e só depois por quaisquer outros interesses que se justifiquem de relevo para uma putativa imagem internacional.

As queixas de violência doméstica apresentadas às autoridades nacionais rondam as trinta mil por ano, com um número sempre determinado mas potencialmente imprevisível de vítimas mortais. As sequelas psicológicas e sociais são, muitas vezes, irreversíveis.   

O confinamento, que tem sido apontado como causa de incremento da violência familiar, inclusivamente pela Senhora Ministra da Justiça, recentemente, nos meios de difusão correntes, não justifica a enérgica contemplação nem a violenta ataraxia com que permitimos que este flagelo se mantenha. Algo tem de ser feito e podemos começar por coisas muito elementares.

Não passo de mero espectador neste cenário dantesco, mas recordo a retirada dos anúncios do tabaco e das bebidas brancas dos ecrãs dos canais generalistas, sob o pretexto de que matavam enquanto por outro lado vejo manter os anúncios de várias novelas que, não seguindo, incomodam nos momentos em que, pelo meio de tanta publicidade que chego a esquecer que programa estava a ver, sou confrontado com a gritaria e cenas de pugilato com que se procura recordar mais um episódio de cada uma dessas historietas de faca e alguidar aos seus estimados consumidores.

Repugna a hipocrisia com que se deixa passar este triste circunstancialismo, seja a que horas for e sem respeito nem pelo escalão etário do telespectador, nem pelos princípios fundamentais de civilidade e dos mais elementares valores que deveriam enformar a nossa sociedade. É uma vergonha!

Já nem discuto a natureza dos programas em si mas refiro que, a ser tal que outros exemplos não haja para propagandear a sua difusão que não seja sempre a gritaria, a choradeira, o sopapo ou o estrangulamento e a facada, então estamos muito mal. Não creio que seja um retrato digno da sociedade portuguesa, mas creio que é a imagem que se vai interiorizando nos recantos ínfimos da mente humana, e assim envenenando o que pretendemos preservar, ao ponto de se acreditar que essa é a via de resolução normal de todos e quaisquer problemas. A permissibilidade deste triste espectáculo num dos principais observatórios da realidade social, ainda que de forma pontual, ou talvez até por isso mesmo, é de uma tremenda irresponsabilidade.

De nada servem as mesas redondas e os belos discursos enfatuados, de causar brilharete, quando se permite nas representações do real tudo aquilo que caracteriza as vilezas do mais confrangedor terceiro-mundismo. Antes de vítimas da violência no seio familiar, são-no de quem permite que estas práticas e costumes se exemplifiquem continuadamente no dia-a-dia sem restrições.

Deixo a ideia, à reflexão de quem saiba ou possa actuar. Pelo meio de tanta entidade preocupada não encontrei ainda a forma nem o meio de fazer chegar a quem de direito a minha opinião mas vou continuar, pela minha sanidade mental, a procurar. 


© CybeRider 2021

domingo, 10 de março de 2013

A Fonte da Juventude

Noto que a cada dia acordo mais jovem.

A juventude é um conceito complexo, na minha definição preferida, o período em que as mudanças fisiológicas se aquietam e as sócio-culturais se afirmam. Minto; antes o período que separa a leitura do convite à vida, da diligente circunspecção de que talvez tudo tenha afinal princípio, meio e fim. Sim, esta, confesso. Que erro brutal, o da natureza, em pôr um cérebro imortal num corpo de vida curta, deixando-nos a utópica tarefa de o tentar remediar.

Mais jovem, sem dúvida, apesar das rugas e das cãs; não é como esperava e contudo... Estranho o espelho, a cosmética, a medicina que nos prolongue o bater do coração, o desporto que nos conserve a tonicidade dos vinte anos; tudo recursos que iludem. Nada transporta à juventude, daí a busca incessante por esta fonte milagreira. E que vontade haveria? A liberdade de rir da piada fácil, anedotas pela primeira vez, incontinência pelo imediato, riso que disfarçava lágrimas, audácia do disparate só pensado depois de dito, sem certeza de justificação sustentável, supérflua; a fragilidade escondida na rebeldia de um grito, a incerteza do futuro, a dependência do dá-me sem a promessa do empresta-me, a inocência da confissão pública sempre tacitamente absolvida, a aprendizagem despreocupada sem objectivo definido; a única certeza, a eternidade?

Mais jovem, como no tempo em que me estendia de costas na areia de uma qualquer praia do sul, a vincar um meridiano. Acima o frio polar, longe; à direita oceano e américas; à esquerda, rússias, chinas, orientes médios e longínquos como austrálias; abaixo mais mar e áfricas ricas de poucos ricos e muitos pobres. Em frente o azul infinito, dava-me a certeza de que não haveria melhor lugar do que o meu. E talvez não haja, porque aqui nos tornamos afinal mais jovens, perdidos algures entre essa esquerda e essa direita, para onde me recordo de estender os braços, mas ficando sempre no meio.

É com um aperto de levar às lágrimas que vejo pais, avós, filhos e netos a lutar pelos mesmos lugares na fila da sobrevivência que engrossa a cada dia que passa. Extorquidos, os mais velhos, do pouco que já tinham amealhado para quando as forças lhes fossem faltando, que lhes foi tirado como se fossem doces das mãos de crianças, competem entre si pela dignidade que reste; vejo-os tentar agarrar-se à réstia de liberdade que se esfuma porque estava esquecida, reagir com mais agilidade ao imediato, como se tivessem reconquistado a destreza de antigamente, vejo-os disfarçar com riso o pranto, surpreendo-me com a súbita coragem em soltar o que a garganta já não consegue conter, talvez o pensem depois, sem certezas de encontrar a justificação que o sustente, que seria agora mais necessária. De novo o regresso à fragilidade antiga, aos gritos de rebeldia; o futuro de novo incerto, a submissão à dependência do dá-me sem a promessa implícita no empresta-me. A confissão pública já não carece de absolvição, porque também não é inocente, e a aprendizagem passou a ter um objectivo concreto. O regresso à juventude tem um preço pago nestas ténues diferenças; a maior porém, é que perderam definitivamente a certeza de que seriam eternos, essa nunca se recupera a partir de certa idade, e as anedotas são todas antigas.

Estou mais jovem a cada dia que passa. Compreendo finalmente que juventude e idade não têm rigorosamente nada que ver uma com a outra, e para o provar até posso quase afirmar que nem me faltam as borbulhas; se bem que vistas de perto, não são de acne; são de sarna, apanhada nesta fonte, para me coçar.

© CybeRider - 2013

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Carta a um filho

Meu filho,

Tenho a dizer-te que pertences a uma estirpe antiga. A mesma a que pertencia o primeiro homem que traçou no chão um limite e usurpou um pouco do que era de todos e lhe chamou seu. Nesse dia determinou também a forma mais antiga de exclusão, aquela que ficámos fadados a esquecer, a exclusão pela propriedade.

Só pelo amor que te tenho, e por seres meu filho, te posso confessar este segredo que nós, os crescidos, guardamos arrependidos e do qual ninguém fala. Este foi de facto o pecado capital. Não importa o que te digam, hão-de mesmo tentar convencer-te, como fizeram comigo, de que é um deus que te condena por amor. Nunca deus algum terá por ti este sentimento que eu tenho e que é precioso, e por isso te digo a verdade.

Também nasci livre, como tu. Só no dia seguinte constatei que afinal os braços da tua avó me protegiam de algo horrendo. Por razão estranha o mundo não me pertencia como pensei quando o vi. Havia outros, com poder para me derrubar, subjugar e me dizer que eu não pertencia ali, e que também chamavam seu ao meu mundo. Durante anos a nossa família acolheu-me, como se acolhe um filho, alimentou-me, vestiu-me e deixou-me ter sonhos; mais até do que os que eles pudessem ter tido um dia. E sei também que sonharam contigo, ainda que não mo dissessem. Dirás que tive sorte, e é verdade. Tentaram a seu modo ensinar-me a obedecer, a tornar-me um escravo dócil de outros, para que a vida me fosse menos dura. Ocultaram-me esse segredo, que tão bem conheciam, e que te conto,  por terem sido também eles escravos vitalícios. Estudei quanto quis, muito mais do que eles alguma vez puderam, às suas custas. Chamaram a isso educação. O mesmo nome que dou aos ensinamentos que tive de te infligir, por saber que esses princípios te ajudariam a conviver com os outros com menos dor. Sei que chamas trabalho ao esforço em que te empenhas para seres "alguém", mas para mim, que sei o que é trabalhar para os ideais de outrem, aquilo que fazes serve principalmente a minha consciência, por compreender o teu sonho que torno meu, enquanto luto a cada dia por conquistar o meu quinhão de justiça que me permita deixar-te um mundo onde possas singrar por ti. Bem sei que as ferramentas que te dê te serão úteis, e sei também que precisarás de todas elas.

A tua geração já nasceu no resultado de um sonho que partilhei. Sonhei que o teu mundo seria diferente, ainda que não pudesse mudar o fundamental da realidade instituída, achei que deveríamos ter o direito de exigir a quem usufrui do resultado da minha força de trabalho, a nossa sociedade, que te pagasse os estudos, a saúde, e o acesso à cultura. Nunca soubeste a amargura de ser excluído destas facetas da vida por falta de dinheiro. Não te posso adiantar muito acerca da justiça, porque essa já nasce inquinada pelo pressuposto de que a natureza que te colocou no mundo tem dono. Sei que a tentarás encontrar, que a aplicarás com saber, e que sofrerás pela falta dela. Precisarás sempre desse bem, como do pão para a boca.

A vida ditou aos teus avós que eu seria português. Ouço-te dizer que este país não te interessa, a amigos teus ouço dizer que os envergonha. Dizes que és um cidadão do mundo. Esse outro mundo que também rejeita os seus, o mesmo que me chama turista, onde sou por vezes demasiado branco, noutras demasiado preto, por ocasiões demasiado pobre e pontualmente demasiado rico. Talvez não saiba fazer em Roma como fazem os romanos, mas sei que aqui posso fazer como fazem os portugueses, ainda acredito até que sou capaz de os levar a fazer coisas por mim, ainda que a minha esperança, como a tua, vá esmorecendo. Há uma diferença, a tua deveria estar viçosa como tu, enquanto a minha vai acompanhando a invernia que começo a ver chegar.

Ouço-te dizer que és parvo, e isso dói-me. A injustiça que te confunde é algo por que não lutei. Dás nomes tristes à tua geração, surpreendes-me. Eu pertenço a uma geração sem nome que viu surgir uma revolução de onde havia submissão sem ter havido revolta, para a maioria não passou de uma libertação de um cárcere que se sentia sem se ver, onde a minoria esclarecida estava arredada à força, incomunicável com a populaça que temia represálias. Os mentores da liberdade reuniram-se e aceitaram o poder da mão de um punhado de militares que, mal armados, se impuseram mais pela lógica que pela força. Até que nascesses vi mudanças que deram esperança a um povo amansado por décadas de ignorância e exclusão social. Vi-o em festa erguer os braços e gritar palavras de ordem e cantar canções de liberdade. Diziam então que “o povo unido jamais será vencido”, e pelo que vi avaliei que para mim e para ti o futuro seria promissor.

Como queres então que te ensine essa força de rebeldia que nunca soube conduzir? Os livros vermelhos estão algures esquecidos, as bandeiras que incentivassem a glória estão carcomidas e esfarrapadas nalgum caixote em parte incerta. Nunca pensei que voltasse a precisar deles.

Quando ouço agora as tuas canções de intervenção sinto a mesma desilusão que senti quando ouvi apelidar de “rasca” a geração que me procedeu, por sublimar a irresponsabilidade latente dos que não tencionaram honrar o corolário de um estado social onde todos pudessem ser iguais. Vi o poder alucinar os homens e compreendi que a democracia que acarinho ia sendo substituída por um sucedâneo de muito má qualidade onde impera a pouca-vergonha dos que singram com facilidade através de clubismos e artimanhas, regalias desmesuradas, corrupção, compadrios obscuros e vilezas sem que haja forma de os confrontar com a qualidade do desempenho nos cargos que ocupam, normalmente contrastante com as benesses que auferem, ou de puni-los pela forma predatória como se refastelam indevidamente.

Não, meu filho! O estigma que carregas não é o de seres parvo! É o de pertenceres a um povo humilde e ingénuo que se deixa enganar, que é chantageado para ter os seus poucos direitos e que sofre por ver frustradas as expectativas onde investiu toda a esperança. São qualidades e defeitos que abundam nos bons, sempre reprimíveis com facilidade.

Mas disso nunca terás de te envergonhar. Vergonha será sempre dever e não pagar. Cumpre sempre com os teus deveres, mas isso já te tinha dito.

Falta agora ensinar-te a que não te vendas por pouco, lição que não aprendi. Não esqueças o segredo que te contei. Pega num pau afiado, e traça com coragem uma linha à volta deste país, chama-lhe teu, e expulsa os que usurpam aos teus velhos pais aquilo que te pertence por direito.

Que parvo, tu não és.


© CybeRider - 2011

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Conto de Natal

Havia uma altura do ano em que tantos tinham o mote para o que havia de ser a redacção mais emotiva do ano, a habitual exposição dos momentos mais ou menos mágicos, das suas consoadas de meninos, aos olhos coscuvilheiros de colegas e mestres.

Uns, sem imaginar que o barrigudo de vermelho provinha da publicidade americana a uma bebida proibida pelo regime, outros que acreditavam também num Jesus, Menino, que trazia prendas, e aqueles que já saberiam por esses dias que teriam de inventar tudo outra vez.

Para mim, ainda acreditava na magia das bugigangas que o céu haveria de trazer e que seriam pedaços de paraíso que espalharia pela cama naquela das noites mais bonitas do ano, se me portasse bem. Nessa altura nunca teci juízos acerca da importância que poderia ter, para a Dª. Graciete, a tal redacção natalícia, nem para ela nem para o tal regime que nos privava do tal refrigerante e de outras coisas mais prementes que eu, ainda sem teima, desconhecia por inexperiência, mais que desatenção. Ainda não tinha ouvido que o Natal seria quando um homem quisesse, por isso aquele relato escrito me parecia um dever, talvez mesmo cívico, mais que uma fonte estatística para o mestre e um sensor económico-social do regime que refiro, aqui já em exacerbo do meu espírito crítico, talvez. Há muitos anos que deixei de saber se ainda se faz a redacção por essa altura. Este ano porém a coisa já me seria mais fácil.

Ainda a tentar recompor a minha fé nos homens, ainda a tentar remendar a compreensão para com os marginais à força ou por falta de tino, ainda a tentar repor, com similares raros e sem história, objectos que me acompanharam uma vida, e cujas memórias que encerraram constituíam uma fonte de inspiração, alarvemente subtraídos por quem apenas viu objectos e o único valor que para mim não tinham, fui abordado por um homem com fome.

A fome é pungente, principalmente quando o sistema que acreditamos que a poderia combater é tão subvertido como vamos tendo a noção de que o é. Pactue-se ou não com a caridadezinha inútil mas exorcizante, perante o facto há sempre a alternativa mais fácil, mas que deixa sempre uma farpa, e a mais complexa que pode não encher barriga nem aquietar as almas mas que difere de cruzar os braços em forma de manguito. Num dia em que optei por esta, saiu-me em sorte este estrangeiro que não vi até que se tornou impossível não ver, ao lado do meu almoço extinto, de chinelos apesar da chuva e meias ensopadas, e com o olhar de quem já perdeu a esperança no apelo automático a que a repetição já vai levando também a contundência.

Aos filhos fazemos muitas vontades, por ele levantámo-nos da mesa, naquela casa onde o outro era um indesejado, e fomos. Três homens à chuva; afinal quatro, a contar com o velho de muleta que tinha ficado a aguardar do lado de fora pelo dinheiro que os únicos clientes daquela sala teimaram em não lhe dar. Pelo caminho recebi votos de “bom natal” por cada impropério que me ocorria a maldizer o dia em que aqueles dois tinham saído de uma terra longínqua para outra onde tantos meus conterrâneos na mesma circunstância saberiam pelo menos compreender o que lhes dizia, contra o adequado português de iniciante que aqueles tinham aprendido. Por momentos cheguei a imaginar que mau teria sido o meu começo se a Dª. Graciete me tivesse iniciado pelas palavras que aqueles dois repetiam na perfeição.

Pior foi o confronto com as febras e arroz, o melhor prato do snack-bar onde entrámos, à parte da tarte de vegetais que também não lhes agradava. Aí, compreendi o pedido de frango que eles repetiam, mas que era mais longe e com mais chuva. Todos os outros pratos quentes tinham carne de porco. “Somes muçulmano”… Búlgaros do raio que os partisse! Lá se decidiram pelas febras. O funcionário, mais simpático que a senhora que veio da cozinha a dizer que não os queria ali, mas a quem as minhas duas, vá três, palavras sibilinas acalmaram, ainda perguntou se eu queria que ele juntasse esparregado, mas eu disse-lhe que não, já que era para deitar fora, que fosse só assim; sei lá o que é que os “muçulmano” iam achar daquela coisa verde peganhenta.

Repetiram o “bom natal” que eu recusei por na religião deles aquilo ter significado nulo. Mas aprendi que eles deveriam ter a minha religião, porque a deles ainda lhes enche menos a barriga que a minha.

Ah! E também que Maomé e Salazar tinham mais em comum do que eu pensava.

© CybeRider - 2010

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Cá-ca-rá-cá-cá-cá... cá-cá...

Até nem me importarei de pagar mais impostos.

Pago-os porque a lei o impõe e a consciência me dita que o devo fazer para beneficiar do meu estatuto de cidadão. Cidadania compreendo.

Este estatuto deveria assegurar-me a tutela que considero fundamental para a manutenção da sociedade em que estou inserido. É para isso que pago impostos, que sou sugado pelo colectivo que sinto alimentar numa percentagem bastante injusta, principalmente porque sagra a precariedade. A justiça é precária; a educação é precária; o trabalho é precário; a saúde é precária obrigando-me a preteri-la sempre que possível pelos serviços de privados autónomos, como eu, que também não tenho tempo para aguardar sem ela nem a cura, meses a fio, o que protelaria o meu bom desempenho fiscal, e sem ressarcimento que me reconheça o esforço; a assistência social não foge à regra; agora a economia é precária também. Só a contribuição dos cidadãos parece evadir-se a esse modelo.

Se para além dos contributos que me exigem, sou ainda vítima da acção de grupos de meliantes que me roubam o que resta, e de onde como, e que coloca em perigo a minha integridade física e psíquica, ou a dos meus, a minha função social começa a parecer-me principalmente uma obra de caridade pela qual não estou a ser suficientemente agraciado.

Já quero saber pouco de que partido ocupe a cadeira do poder. Mas parece-me que, seja qual for, desde que viva da caridade alheia para assegurar o comando das operações, deveria abandonar a arrogância e a prepotência, sob pena de nos estar a tornar a todos em meros servos revoltosos.

Algo estará profundamente errado se diariamente nos sentirmos inseguros, ao executarmos as tarefas normais do dia-a-dia, sempre a olhar para o lado à espera da próxima extorsão ou da próxima violência.

Não sei bem como, mas há grupos de ladroagem a agir no metropolitano de Lisboa. Nas ruas também me levaram quatro rodas, que me trocaram por tijolos de que não precisava. Atacam diariamente. Não creio que a sociedade devesse consentir que quem quer que fosse pudesse ser assaltado ou roubado em locais de utilidade pública, no decurso da sua vidinha normal e contributiva, sem contrapartida. Principalmente quando eu tenho de pagar quando falho.

Antes de gastar, investir, orientar em processos mais ou menos duvidosos que envolvem riscos típicos da acção dos privados em busca de mais-valias de seu exclusivo risco e responsabilidade, como eu faço, entendo que o Estado assim pseudocapitalista, que não me suporta financeiramente, deveria cuidar das suas galinhas-dos-ovos-de-ouro; nós os contribuintes, caso não tenham reparado.

Se temos de encarar esta realidade como normal, pelo menos que conste na declaração de imposto uma dedução específica, mais que justa, onde figure a totalidade do património lesado porque, pela fatia que me toca, sem indemnização ou amortização equitativas estou a ser diferenciado. 


Até esse dia, em que haja um pouco mais de justiça social, cá fico a aguardar pouco pacientemente a próxima punhalada, de mãos e pés bem atados, que também nisso este tutor é inexorável, concedendo o direito de defesa apenas a quem nada tiver a perder.

Já estou quase lá.



© CybeRider - 2010

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Terra de todas as virgens

O sonho comanda a vida. No dia seguinte já não nos lembramos.

Saberá quem tomou a mão de um sonho, quando caminharam despidos sobre a areia da praia.

Quando havia praias para dois... Ou mais...

A procura do amor de uma vida leva a que se mereça o Inferno. Em boa justiça, quem encontra o Céu na Terra não deverá ambicionar para além disso. É de um pretensiosismo atroz que se tencione o prolongamento dessa felicidade para além de uma vida. 

Ao contrário de certas religiões que contrapõem a infelicidade terrena ao júbilo celeste, e que prometem virgens sem conta para além do bater do coração, a modalidade reinante na sociedade ocidental guia-nos à prossecução de um objectivo sentimental direccionado à monogamia, o que traz vantagens, convenhamos.

Pelo sim pelo não, podemos aproveitar milhões de virgens à nossa volta sem que tenhamos de estragar o Paraíso maculando alguma. Em boa missão cristã alguém deveria explicar, aos que ambicionam a sandice extrema de aguardar pelas suas virgens às mãos de uma divindade de existência duvidosa, que as mesmas serão sempre intocáveis; nunca podendo vir a enformar um possível harém que cruze o imaginário desses pobres crentes. É a subversão de princípios criada no imaginário de tais infelizes que lhes permitirá o idealismo utópico de se virem a rodear de virgens que pudessem usufruir, sem que compreendam que o usufruto de apenas uma estragaria o equilíbrio divino do que deveria ser imutável. Haveria muito menos deles a fazer-se explodir.

A falha sistémica do cristianismo reside, porém, no facto de se prometer o Céu a quem já o pôde viver na Terra. Haja quem reflicta sobre este desequilíbrio para renegar esse fundamentalismo.

Por outro lado a monogamia enforma uma realidade estranha. Ao satisfazer a necessidade fundamental, cercam-se os nubentes de todas as potenciais virgens do mundo, em vida. Pudesse isso ser o Céu, acaba em boa verdade por se tornar num Inferno em que o desejo se reprime em benefício de princípios que, não deixando de ser religiosos, ainda que não assumidos desta forma, se cumprem à risca; reforçados com a justificação de premissas éticas e morais, que tantas vezes acabam por não se conseguir explicar. 

Nesta mesma sociedade, que rejubila de sexualidade exuberante, temos de sujeitar a libido natural ao constrangimento do ditame "que se veja mas não se toque", a menos que não existam compromissos assumidos, o que não é natural que aconteça com a maioria dos que já se libertaram dos condicionalismos, ou frivolidades, da juventude.  

A alguns bastará a aliança contratual com um só amante. Pequeno retalho de Céu, simples sonho para quem pensar ter encontrado a sua alma gémea, que por respeito e lealdade não se deverá atraiçoar. E os que têm essa alma repartida por tantos seres tão belos que os rodeiam?...

Reclamo o meu direito à indignação. Trata-se a poligamia como assunto tabu, ainda. Intelectuais pseudo-vanguardistas, plenos de justificações perenes para viabilizar todas as libertinagens individuais de teor positivo como necessárias à realização do conceito "ser-humano", não se debruçam sobre este assunto, tolhidos ainda por uma mentalidade esconsa.

Então e eu? Se for poligâmico, serei um anormal? Por que razão não poderei beneficiar do mesmo estatuto que qualquer outra preferência sexual confira à generalidade da população?

Mais facilmente aceitaria a abolição da instituição casamento, eventualmente retrógrada, do que me conformo com a marginalidade a que me votam. 

E vejo-as que me olham com desejo... Pretenderão eventualmente tomar-me para sempre, mas não posso... É esta sociedade tacanha e mesquinha que não mo permite. Que argumento existe que conceda aos "hetero" e aos "homo" monogâmicos aquilo que ambiciono? Eles podem! E eu, não?...

Gostaria de assumir esses compromissos legalmente, para sempre, e andar de mão dada com todas elas na praia, como no meu sonho, mas esta minha escolha, embora me seja fundamental, ainda parece ser, por motivos que ignoro e não concebo, demasiado arrojada.

Por quanto tempo mais me obrigarão a permanecer no armário?...

Para quando uma lei em que eu possa ter uma vida como a das outras pessoas?

Até lá não vejo como poderei consolar todas as virgens cujos olhares concupiscentes me devoram, e que amo do mais profundo do meu ser. Só peço um pouco mais de justiça para ser feliz.

Assim, vejo-me a pairar no Paraíso dos infiéis. Que Inferno!...


© CybeRider - 2010

sábado, 19 de dezembro de 2009

Uma cadela em Copenhaga

Levaram-me a bicha para o estrangeiro.

Maganões... Que ali sim, a iam exibir num concurso da especialidade. Iam-lhe medir os quadris, a altura ao garrote, a beleza do pêlo; em suma aferir-lhe o estalão. Cá fiquei inquieto, eu que a trato tão bem, nem me convidaram. A mim disseram que não, que lhe dava maus tratos, que não a livrava das pulgas e que a admoestava à paulada. Mentiras!

Fiquei a seguir o evento pela televisão. Sentado, felizmente, de manta sobre os joelhos, que faz frio. Começaram por escová-la a preceito, depois analisaram-lhe o sangue, e concluíram que estava em mau estado. Precisava de uma dose cavalar de vitaminas. De início ainda acreditei que iam tratá-la, mas começou a chegar-me aos ouvidos o relato acerca das condições miseráveis em que a mantinham no canil, rodeada de excrementos, à mercê das intempéries.

Ah, vil malandragem, então foi para isso que ma levaram?... Melhor fora que ma tivessem deixado, pelo menos sempre poderia acreditar que afinal não soubera eu tratar dela.

Tenho aqui condições. Não sou um industrial, aliás já pouco produzo. Os europeus levaram-me os barcos, pagaram-me para derrubar as laranjeiras que lhes impediam as vistas para o mercado, enfim pouco mais faço que alguns serviços. Chamam-me agora europeu também, a mim que mal os entendo. E querem que fale com eles de igual para igual, mas cerceiam-me os direitos e impõem-me deveres, que para cumprir tenho de forrar em capas de plástico, daquele que eles produzem. Não posso usar os meus métodos tradicionais que lhes chamam bárbaros, acabo por me ver grego...

- Anda cá, Terra!

Chamo-a, mas não me ouve. Está longe a minha cadela, a alimentar uma ninhada de cachorros gordos. As pulgas bem cravadas na pele já em crosta sugam-na até ao tutano. Foi para isso que me afastaram, que não quiseram que me aproximasse, para não poder ver. E ainda dizem que sou eu o culpado. Culpado de quê? Acaso serei eu que a sufoco com o fumo da minha lambreta? Sou eu que a asfixio, que não lhe deixo espaço, se a minha casa fica cada vez mais vazia? Certo é que já quase não tenho com que a alimentar, talvez por isso me foi mais fácil vê-la partir.

Mandaram cicerones a acompanhá-la, mas os coitados não se apercebem de como são pequenos, eles também, como o país de onde partiram. Confundem-nos com as pulgas que infestam o pêlo da minha cadela, e eles fazem-se importantes e crescem para aquelas feras malditas, mas estas sabem que eles, assim como a cadela, mesmo que ladrem também não mordem. E os coitados lá vão andando, ridículos, de rabito entre as pernas.

Não pode a cadela com tanto cachorro...

Ai Terra, Terra... Vejo-te de língua de fora. Infelizmente hei-de, por este andar, ver-te a deitar os bofes pela boca...


© CybeRider - 2009

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Drive-In

O carro é uma coisa maravilhosa.

Lembro-me da estima com que um primo, afastado no tempo e no espaço, nem tanto no sangue, escovava o pêlo sedoso da mula que atrelava à carroça para o tal passeio à vila. De férias por lá, na planura tórrida do Alto Alentejo profundo, ainda recordo a primeira vez que me sentei na tábua que servia de poltrona à simples carruagem. E lá fomos...

A trepideira e o ruído dos aros metálicos das rodas gigantescas a arrepiar o empedrado é quase inimaginável. Dir-se-ia que os meus dentes de leite iam a arar o granito empedernido e invulnerável que as suportava. A compasso com o matraquear do galope, a quatro cascos bem ferrados, no pavimento.

O meu primo, homem possante de braços espessos atiçava a besta que avançava sem custo pela rua quase deserta. Recordo o movimento pendular da cabeça do animal, para cima e para baixo, a afirmar a certeza de chegarmos ao destino. Os guizos do malim a soar com brio, a rédea a fustigá-lo para passarmos da velocidade-de-cruzeiro a mata-cavalos, por ali fora. As minhas pernitas de franganote e os dedinhos ainda frágeis a agarrarem-se a cada trave, para não desaparecer com a nuvem de poeira que se libertava do restolho sobrante das cargas brutas vencidas.

Lembro-me do sorriso dele, a embrulhar-me puto naquele delírio. Lembro-me da confiança que aquele sorriso franco e quente, na tez encortiçada, me punha na alma; e que me fazia gritar por mais, sem perigo que me assomasse.


Rodei o volante. Entrei naquela produtora de alimentos a metro, logo a seguir à placa que indicava "drive-in", como num cinema à americana. Nunca tinha lá estado. Parei no primeiro guichet e reparei que vinha outra viatura atrás. Olhei para o rapazola de boné vermelho, à americana, e disse-lhe à antiga portuguesa que como tinha "outro" atrás talvez fosse melhor parar no guichet seguinte. Ele olhou-me com aquele olhar com que eu costumava olhar para o meu avô, quando me dizia aquelas coisas à antiga portuguesa. Disse-me que estava ali bem e anotou o meu pedido. Depois percebi... Percebi que estava atrasado, que os anos tinham passado por mim sem delicadeza, a mata cavalos.

O outro guichet era apenas para levantar o pedido. Não havia espaço a gentilezas, a coisa já estava pensada assim. Se tivesse sido gentil, teria estragado a mecânica do espaço. O rapazola, de boné à americana, também pensou nisso mas era tão complicado tentar traduzi-lo para o meu vocabulário à antiga portuguesa, que se limitou a olhar-me com aquele olhar com que olhei tantas vezes o meu avô e limitou-se a balbuciar: "Deixe-se estar. O senhor está bem aí..."

E de facto acho que sim. Agora que penso nisso, acho que estou bem melhor aqui do que com um boné à americana a cobrir-me o cabelo grisalho.

Mas estaria ainda melhor sentado sobre a tábua rachada, que servia de poltrona no carro do meu primo.



© CybeRider - 2009

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

A bronca da broncocoisa...

Tinóni... Tinóni...

Os faróis a piscar, o veículo amarelo surge. Encostam, deixam passar.

O Jacinto também deixou passar, em branco, a mãe que lhe faleceu no hospital com broncopneumonia. Já se lhe fora um tio e uma prima afastada.

Afastados… Todos, por esse anátema ceifeiro.

Ou é andaço, ou uma terrível coincidência, mas ultimamente parece que não há velho que morra de outra coisa. Vítimas de cancro, de SIDA, de uma perna partida, ou de simples senilidade; desde que haja internamento, é quase certo. Se não foi acidente, foi broncopneumonia. Penso eu, não o Jacinto.

Não lastimou que se fale de gripe XPTO, quando a porcaria que nos leva os velhotes mata muito mais que qualquer outra maleita, e sobre ela nada. Desta ninguém fala, saiba-se lá porquê. Os velhotes vão assim, muitas vezes para melhor, por broncopneumonia. Liberta-se a cama que os desgraçados ocupariam a perder de vista no tempo, e uma data de gente livra-se de uma série de encargos e chatices. Assim como o Jacinto, que sem saber trocar as fraldas à mãe, sem proventos dignos de um desafogo, a lavava à mangueirada no quintal da casota modesta da aldeia. Já o tinham debaixo de olho, a Segurança Social… Assim foi melhor… Que a velha estava a sofrer. O pior foi a reforma. Faz também falta aos outros, para jogarem à carta no banco de jardim até que a vida lhes doa, e precisem de internamento, como necessitam da tal cama no hospital.

E no ciclo do Jacinto, conformado com a forma como a mãe lhe partiu, sem mistério, vive-se, envelhece-se, apanha-se a broncopneumonia e, saberá Deus.

Alguns resistem, ainda pecou o Jacinto em pensamento. O AVC não os deita abaixo tanto quanto se esperaria, e o raio da broncopneumonia ainda se cura, mas estes são de facto poucos. Talvez a medicina tenha evoluído em dois sentidos diferenciados; dum lado os que recupera para ficarem inválidos por uma série de anos, do outro os que despede rapidamente com a tal broncopneumonia.

O Jacinto, não gostaria de ver o assunto estudado, os números apresentados, as estimativas e estatísticas realizadas. Isso dar-lhe-ia uma intranquilidade desnecessária. Não o incomoda o dia em que apanhe uma broncopneumonia, não terá violado nenhum cânone sagrado de uma máfia oculta, inominável, que se queira então ver livre dele, que nem sequer questionou.

A mim sim. Preocupa-me. Daí que comece a ver nisto uma dúvida existencial.

Por isso, se amanhã estiver hospitalizado com uma conveniente broncopneumonia, já sabem...





© CybeRider - 2009

domingo, 9 de agosto de 2009

Manta Beach - Consumo deturpado

O Algarve reserva a magia de atrair vários milhares de pessoas às regiões do seu litoral por esta altura do ano. Para além das praias fabulosas que proporcionam o almejado descanso e divertimento aos que possam usufruir de umas férias merecidas por terras de Portugal, tem também uma vida nocturna cheia de animação, sons e cores.

Novos espaços renascem a cada ano para uma época alta que se espera sustente a aridez económica e social do Inverno. Esta sazonalidade, tão ansiada pelos profissionais do sector turístico e pela restauração, prevista milimetricamente, por quem sabe estar ali a dependência do sustento de famílias e localidades, pode ser desvirtuada por investimentos absolutamente surpreendentes.

Tive ocasião de ser convidado a um desses sugadouros da economia local. O "Manta Beach", na Manta Rota, localidade da freguesia de Vila Nova de Cacela, do Concelho de Vila Real de Santo António. O facto de ser convidado, e consequentemente agradecido, não me pode tornar num sequaz cego à realidade de que um local de culto como aquele, implantado por uma fabulosa máquina de marketing, poderá efectivamente ter um impacte significativo nas expectativas dos prestadores de serviços similares da região, que recordo se enquadra entre Tavira e Monte Gordo; principalmente num ano de crise que já ninguém nega, em que as coisas já seriam difíceis por si. A controvérsia lança-se porém ao apreciarmos o facto pelo lado da ocupação hoteleira, em que este tipo de estabelecimento, com inegável pendor mediático, terá por outro lado um impacte positivo, a avaliar.

À entrada colocaram-me um bracelete amarelo de distinção de classe que não sinto, e presentearam-me com um cartão de consumo e umas lembranças patrocinadas. O ambiente, de casa cheia, estava muito bem frequentado, a noite amena, a música ao agrado mesmo de alguém da minha faixa etária.


Confesso que não me alarguei para além das fronteiras do Vip Lounge e do espaço exterior. Estava lá para me divertir, com amigos, e o teor deste blogue não me permite análise jornalística, daí que não vos possa descrever a roupa da Maya, simpática e omnipresente, nem nomear algumas das outras caras famosas que por lá circularam nesta noite de festa. Para isso existirão os tablóides do costume.

A única extravagância acabou por ser o "Consumo Mínimo" referido no cartão. Nem que seja exagerado. 15 euros, parece-me bastante acessível a qualquer bolsa de veraneio. No meu cartão constava a oferta de uma bebida. Imaginei que teria direito a essa bebida e que poderia escolher bebidas até ao valor de 15 euros antes de ter que pagar mais que esta quantia pelos meus eventuais excessos.

Não é assim.

Na caixa fui presenteado com uma conta que ultrapassava em muito o dobro daquele valor. Ora eu tinha consumido três bebidas que totalizariam 27 euros. Sendo uma de oferta, seria legítimo que eu liquidasse os 15 euros, e o eventual excedente até perfazer aquele montante. Foi-me explicado porém que os 15 euros incluem de facto uma bebida "grátis", mas que todas as outras são pagas à parte. Paguei sem atrito, à laia dos meus bons costumes.

Consultado o meu séquito, verifiquei que a todos tinha acontecido o mesmo facto estranho. Não se tratou, por isso, de um mero engano de um funcionário.

Ora bem, não é pelo valor que me continua a parecer irrisório, mas é pelo conceito moderno e vanguardista de "consumo mínimo"...

Um estabelecimento daquela magnitude não deveria ter de recorrer a estes subterfúgios.

Digo eu...


© CybeRider - 2009

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Quanto custa pagar?

O texto anterior ao aditamento foi publicado no dia 28/7/2009 pelas 13H10

Esqueci-me.

Tinha de pagar uma factura da EDP... Esqueci-me...

Sei que já há essas modernices do débito em conta... E eles querem. Mexer-me na continha, a seu bel-prazer... Sei que querem. Não deixo! Uma empresa milionária, a mexer-me nos trocos... À vontade. Até me dá calafrios...

Então vou ao multibanco... (Assim, em itálico, então não?...) Vou, quando não me esqueço. Desta vez esqueci-me. É fácil, é moderno, é tecnológico. Mas esqueci-me!...

Instalou-se-me o pânico... E agora? Lá fui, à procura do edifício onde se encontravam, por tradição, as dignas instalações da suprema entidade.

Já não. Agora tinham mudado, dizia o papel afixado no vidro: "Loja do Cidadão". Para o espaço comercial, recém-remodelado no centro da cidade. Olhei o relógio, do telemóvel... Ainda tinha tempo de parquímetro. Andei. Entrei no tal espaço, aberto ao público há... anos. A minha primeira vez, ali. Ora "Loja do Cidadão"... Não estava assinalada nas placas. Cá em baixo rodeava-me o mercado municipal, uma panóplia de lojas em riste, em suma, nada do que eu queria. Rodeei o espaço, cheirei o peixe, as hortaliças, a fruta. Olhei para o tecto, lá acima, como que a pedir a um deus que não conheço. Lá estava... Todo o andar de cima era a tal "Loja do...". E pensei que se calhar uma cunha do tal a quem não pedi, mas que me deu, talvez acabasse por dar jeito.

Ora escada rolante... Vá... Já sabes que não cais... Lá fui! Não era do lado direito. Fui para a esquerda, do outro lado do prédio imenso. Está bem, afinal temos de ter alguma paciência para lidar com as instituições. Um sorriso feminino aconselhou-me a tirar uma senha e dirigir-me para o corredor à direita, ao final, que era lá... Pois sim, é fácil. Algumas cadeiras ocupadas. Um lugar livre... No quadro o número 39 estaria lá sentado. Olhei para a minha senha... 40.

A jovem perguntou-me se eu era o número 39. Não... Sou o CybeRider, a minha senha é o número 40. Esperei alguns minutos... Pareceram quase uma hora, sossegadito, em silêncio. Subitamente o número mudou para 40 no tal visor, aquele ali bem ao cantinho. Pulei da cadeira onde me tinha acabado de sentar.

"- Venho liquidar a factura. Mas está fora de prazo." Afinal que não. Ainda perguntei, mas isto é a EDP, não é? Que sim. Mas que a factura tinha de ser paga num agente, porque nas payshop (o que quer que isso fosse) só dentro do prazo, mas que para minha felicidade estava um quiosque verde ali mesmo, logo ali, ao descer da escada e à saída da porta principal por onde eu entrara, que ela vira por onde eu entrara, claro que vira, a mim e à minha aura brilhante e resplendorosa.

Fui escada abaixo! O quiosque... Mais não era que o quiosque de jornais, centenário, agora com revistas da moda, e de moda, menos de lavores, mais de tecnologia e coscuvilhices, jornais carregados de desastres e política. E a fila, uma fila, como a que não havia na "Loja do...", mas ali era para o totobola. Talvez para o euromilhões, pois acho que agora é mais isso. Uma senhora baixinha entrou e atirou com o dinheiro para algures no espaço, tirou um Correio da Manhã e partiu esvoaçante apregoando que tinha de tirar um bilhete para a identidade, às vezes também procuro...

Foram só mais 15 minutos. Olhei para o relógio, pensei no parquímetro. E na Emparque.

Ainda recordei com satisfação a menina do guichet da EDP, na "Loja do...", ali pela fresca, a olhar para a cadeirita vazia à sua frente e a fazer saltar os utentes da cadeira da sala de espera, à medida que lhe aprazia carregar no tal botão, naquele intervalo, em que se cansasse de sentir a frescura e de olhar para o vazio. Que rica vida!

"-Fáiche fávô sinhô?..."
"-Para pagar isto."
"-Djinheir ú chequi?"
"-Dinheiro."

Foi fácil. Foi assim como antigamente. Chegava à EDP e estava 20 minutos na fila. Não havia ninguém perdido. A fila não era para o totobola, nem para o tabaco. Todos sabiam que para pagar a EDP, em primeira e última instância, seria na EDP.

Agora, fiquei a saber, para pagar a EDP. É como comprar a lotaria.



© CybeRider - 2009

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Aditamento: Em 29/7/2009 pelas 14H00 recebi uma carta da EDP, a informar que, caso o pagamento da minha factura ainda não tenha sido efectuado, poderei utilizar os meios comuns de pagamento, enviam-me um novo código para pagamento pelo multibanco...

Gastaram recursos deles, dos correios, do quiosque, quase uma hora - talvez mais, ainda não avaliei as consequências por inteiro - de um dia do meu trabalho, porque o código inicial não funcionava ao fim de quatro dias, e agora mandam-me outro código para pagar o mesmo valor.

Os códigos da PT permitem pagamento após alguns dias... Os da EDP não, eles repetem o envio, outra carta (no meu caso inútil), com novo código.

Paguei ontem... Escusava de me ter chateado. Para a próxima, não me vou chatear, não vou pagar até que me mandem novo código. Aprendo a cada dia. E assim o país avança... devagar... devagarinho...


© CybeRider - 2009