O tema da violência doméstica que tem vindo a ser debatido
com frequência nos media quase diariamente traz-me a este raciocínio pelo facto
de não conseguir encontrar um paralelismo entre os profundos e fecundos debates, discursos e campanhas, e a necessária execução de medidas preventivas por parte das
entidades competentes pela sua tutela. Vivemos há muitos anos numa sociedade
que se quer do primeiro mundo, num estado de direito que deve zelar primeiro
pelos direitos e garantias fundamentais dos seus cidadãos e só depois por
quaisquer outros interesses que se justifiquem de relevo para uma putativa
imagem internacional.
As queixas de violência doméstica apresentadas às
autoridades nacionais rondam as trinta mil por ano, com um número sempre
determinado mas potencialmente imprevisível de vítimas mortais. As sequelas psicológicas e sociais são, muitas vezes, irreversíveis.
O confinamento, que tem sido apontado como causa de
incremento da violência familiar, inclusivamente pela Senhora Ministra da
Justiça, recentemente, nos meios de difusão correntes, não justifica a enérgica
contemplação nem a violenta ataraxia com que permitimos que este flagelo se
mantenha. Algo tem de ser feito e podemos começar por coisas muito elementares.
Não passo de mero espectador neste cenário dantesco, mas
recordo a retirada dos anúncios do tabaco e das bebidas brancas dos ecrãs dos
canais generalistas, sob o pretexto de que matavam enquanto por outro lado vejo
manter os anúncios de várias novelas que, não seguindo, incomodam nos momentos em
que, pelo meio de tanta publicidade que chego a esquecer que programa estava a
ver, sou confrontado com a gritaria e cenas de pugilato com que se procura
recordar mais um episódio de cada uma dessas historietas de faca e alguidar aos
seus estimados consumidores.
Repugna a hipocrisia com que se deixa passar este triste
circunstancialismo, seja a que horas for e sem respeito nem pelo escalão etário
do telespectador, nem pelos princípios fundamentais de civilidade e dos mais
elementares valores que deveriam enformar a nossa sociedade. É uma vergonha!
Já nem discuto a natureza dos programas em si mas refiro que,
a ser tal que outros exemplos não haja para propagandear a sua difusão que não
seja sempre a gritaria, a choradeira, o sopapo ou o estrangulamento e a facada,
então estamos muito mal. Não creio que seja um retrato digno da sociedade
portuguesa, mas creio que é a imagem que se vai interiorizando nos recantos
ínfimos da mente humana, e assim envenenando o que pretendemos preservar, ao
ponto de se acreditar que essa é a via de resolução normal de todos e quaisquer
problemas. A permissibilidade deste triste espectáculo num dos principais
observatórios da realidade social, ainda que de forma pontual, ou talvez até
por isso mesmo, é de uma tremenda irresponsabilidade.
De nada servem as mesas redondas e os belos discursos
enfatuados, de causar brilharete, quando se permite nas representações do real
tudo aquilo que caracteriza as vilezas do mais confrangedor terceiro-mundismo.
Antes de vítimas da violência no seio familiar, são-no de quem permite que
estas práticas e costumes se exemplifiquem continuadamente no dia-a-dia sem
restrições.
Deixo a ideia, à reflexão de quem saiba ou possa actuar.
Pelo meio de tanta entidade preocupada não encontrei ainda a forma nem o meio
de fazer chegar a quem de direito a minha opinião mas vou continuar, pela
minha sanidade mental, a procurar.
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