domingo, 8 de novembro de 2009

Hiperglicémico

Cirando por um mundo de feira.

Pessoas de massapão, cães de alcaçuz, gatos de caramelo, pássaros de chocolate.

Os bebés são de marshmallow, têm de ser! Toda aquela fofura, e a tonalidade rósea da pele... Os de chocolate também são deliciosos, e mais fáceis de definir: perguntei a um dos putos doces da rua que nome dava aos marshmallows, ele disse que eram "borrachas"...

Borrachas não é o mesmo. De látex serão aquelas bonecas para adultos, curvilíneas, que se passeiam provocantes e desejáveis. Mas a essas chamam-lhes "borrachos", e vou-me perdendo em conceitos, porque me parecem doces também.

Atravesso a faixa de tarte de alfarroba. As viaturas de rebuçado multicolor interrompem a marcha e deixam-me atravessar pelo tracejado de açúcar em pó. À minha volta o pão-de-ló gigante toma a forma de edifícios decorados na base por troncos de chocolate apetitoso encimados por fios de ovos dourados, nestas tardes de Outono.

O mar de granizado azul estende-se a perder de vista, a enorme rodela de laranja parece brilhar intensa e soberana a enfeitar-lhe a orla ao fim da tarde; como num coquetel requintado, onde os montes que sobressaem são pedaços de frutas saborosas embebidos na delícia, serpenteados por traços de licor de ginja. 

Vejo alguns cumes cobertos de creme chantilly delicado, que parece escorrer para os vales polvilhados de polígonos de compota de tomate, atravessados por linhas de gelatina verde prontas a juntar-se ao doce oceano.

Saltito por entre as poças de açúcar em ponto pérola que caiu do algodão-doce espesso que pairou sobre a cidade de manhã.

Chego a casa, abro a porta de morgado de amêndoa, tenho a roupa embebida em melaço. Que bem me vai saber o duche, abro a torneira que jorra a magnífica calda de pêssego. Não há senão doçura no mundo que vejo e que me proponho saborear.

São as atitudes dos diabéticos, que ao deturpar a culinária, adulteram a confeitaria e tolhem os pasteleiros .


© CybeRider - 2009

15 comentários:

Pepita Chocolate disse...

Bom, com tanto doce, nem são precisas pepitas de chocolate ;).
Desculpa lá estragar-te as guloseimas, que cá vou salpicar o teu texto!

A esta hora já não será hora de uma ceia cheia de açúcar...porque dela resultaria muito arrependimento! Não ando a fazer dieta, mas convém manter-me longe de doces destes. Mas lá que fiquei com água na boca, negar seria uma tremenda mentira! Fez-me lembrar um conto qualquer, de uma casa de chocolate, acho eu...

Embora este mundo de doçura que aqui descreves possa ter uma outra conotação, vou deixar-me levar apenas pela doce descrição deste mundo adocicado que na realidade, será mais amargo, ou superado com o uso de hermesetas. Não vão os homens não ter pâncreas, ou insulina suficiente, para tamanho manjar.

(Porque, às vezes, tanta doçura, faz mais mal do que bem.)

Fizeste-me rir com os marshmallows; lembro-me da primeira vez que os provei; achei coisa do outro mundo! Vieram apenas de outro continente, mas eu, rapariguita de 8-9 anos, achei fascinantes as cores e os sabores desse doce.(maravilhei-me aqui com a tua comparação com o tom rosáceo dos bebés.) Agora não é coisa que me seduza; talvez, te seduzam mais a ti os borrachos de que aqui falas, do que os marshmallows a mim.;) [estou a brincar!]

Quanto à tarte de alfarroba,provei-a, e acho-a demasiado doce para o meu paladar. Não sei se do fruto, se do açúcar que teimam em dosear por excesso.

e agora doces à parte... gostei desta tua analogia entre os doces (que nos fascinam em cada vitrine de confeitaria)e esse teu mundo de feira.

Gosto quando chamas ao sol a rodela de laranja e ao mar, granizado azul. gosto dos montes que descreves, mesmo que não goste de licor de ginja.
e gosto da tua chuva, e das linhas do pavimento em açúcar em pó. se o nosso mundo fosse só doçura, certamente viveríamos mais embriagados com felicidade do que azedos e amargos de tristeza. talvez nem sequer soubéssemos que, outros sabores piores existiriam, se nos convencessemos que tudo o que nos rodeia é assim como o que descreves.

Mas há quem fique inebriado, e caramelize facilmente, se em seu redor for só doçura. Vejamos se um dia, não se torna insulino-dependente. E deixe de conseguir controlar o que sempre conseguiu controlar.Por mecanismo de fead-back.
Até a mais doce das criaturas sabe ser amarga.por isso, o mundo da doçura é uma quimera!

E depois de tanto doce, vou regressar ao meu Queque de Chocolate, que sai daqui enxovalhado, com tanto coisa boa por aqui descrita.

[Caramba, ia mesmo bem agora, um pedacinho de pão de ló (o de Ovar é fantástico e o de Alfeizerão não se fica atrás) com esta chávena de chá, que sorvo enquanto aqui escrevo. Sem açúcar. Porque com o açúcar que aqui tens, sou eu que corro o risco de ficar hiperglicémica, só de imaginar!]

Beijoca!

Pepita Chocolate disse...

E lá vim eu tirar a primeira colherada... ou pôr a colher.

E não, não sou gulosa! Mas resisto mais aos doces que às tuas palavras, com analogias muito engraçadas.E gostei deste teu texto cheio delas...
e não resisto a uma piadita (fraquinha)a condizer com o teu texto:

Amanhã, quando pegar no carro quero ver se não sou multada, por um caramelo qualquer, que me diz que eu pisei a linha de açúcar em pó. Não me está a apetecer tirar uns rebuçados do bolso...

Beijoca e cuidado com as doçuras com que te cruzas. às vezes metemo-nos noutros caldo, bem mais amargos que calda de pêssego!

E pronto, em lugar de uma colherada apenas, já vou na segunda.
Há coisa irresistíveis, não há? ;)

Nirvana disse...

Uma verdadeira overdose de doçura, este texto. Imprópria para diabéticos, isso é certo! Como, pelo menos para já, não padeço desse problema, deliciei-me nesta feira. Ficaria um bom tempo nos marshmallows, que adoro, e levaria alguns para a viagem.

Com esta descrição tão, tão docinha, fizeste-me lembrar uma ocasião, era pequenita, em que fui menina das alianças no casamento de uma prima da minha mãe. Nunca tinha visto tantos doces juntos!! Passado um bocado, em que decidi tirar um bocadinho de cada bolo (com os dedos, claro está), apanhei um valente puxão de orelhas da minha mãe porque o meu lindo vestido branco estava castanho e amarelo. Nem ela imaginava o que eu tinha andado a fazer. Claro que a seguir me escudei muito bem no colo do meu pai porque quando ela descobrisse os estragos (que não eram assim tantos, porque só tinha feito um buraquinho em cada um) muito provavelmente não se ficaria pelas orelhas!

Voltando ao que interessa, porque lá estou eu a divagar, que mundo doce o teu! Os diabéticos, ao não poderem dele usufruir terão, a meu ver, duas opções: ou adulteram a confecção, usando substitutos que, embora sirvam o propósito, não são exactamente a mesma coisa, deixando sempre um sentimento de insatisfação. Ou são capazes de apreciar a doçura, chegando até a preparar os doces, e ficando contentes por partilharem os seus doces, mesmo que tenham de fazer deles um uso parcimonioso.

E, agora, um beijinho doce :)

Gemini disse...

Quem procura, sempre alcança! Andava perdido noutras ruas, de outras cores e sabores, quando vi a "placa". E agora que cheguei a esta terra, onde os habitantes não necessitam de ser gulosos(!), apetece-me ficar! Portanto, CybeRider, se me permites, e adivinhando-te o presidente deste município, vais contar contar com mais um morador... Vou procurar casa por aqui. Tenho "bons" motivos para me mudar, e já me vejo "derreter" de felicidade!

CybeRider... Literalmente DELICIOSO!

Um abraço! ;))

Mário Rodrigues disse...

Diabetes mellitus - Glibenclamida - DAONIL

As melhoras ;-)))

CybeRider disse...

Pepitas de Chocolate fazem sempre falta! :)

E quando o chocolate é de boa qualidade melhor ainda! Confesso que estava apreensivo por desconhecer a opinião dos especialistas. Afinal, foste a primeira e acrescentaste muito paladar, como já é teu apanágio.

Ainda acerca dos marshmallows, também admito que passo melhor sem eles que passaria sem a possibilidade de me espantar com as coisas belas do mundo, isso é uma necessidade universal, repudio a ideia que alguém defenda de que não se possa apreciar a beleza por lealdade a certos princípios... Aliás, no texto refiro que o mundo é doce mas não descrevi que tenha degustado alguma coisa. :)

Mas lá está, há quem coma demasiados doces, e estrague o apetite e a saúde. Verás que são os que se empanturram que dão cabo dele. Quem pouco petisca do mundo e tenta preservá-lo com dignidade e responsabilidade, não entra normalmente em conflitos.

Hummm... Pão-de-ló e chá... Isso soa muito bem para aquecer uma noite fria. :)

E espero que não tenhas tido encontros desagradáveis com esses "caramelos" que referiste. Têm um raio de uma profissão que respeito, mas que não compreendo quando arranjam esses pequenos pretextos para nos levar os "rebuçados".

E também te agradeço o conselho. Já não tenho idade para perder a cabeça por doces, qualquer dia "caldos" serão mais os de galinha... :)

Beijoca, Pepita!

CybeRider disse...

Olá Nirvana,

Essa história do casamento também é uma delícia. E fizeste-me recordar uma história com uns pires de presunto "Pata Negra", que disfarçadamente fomos aviando, já lá vai muito tempo... E, como não estava lá ninguém para nos impedir, aquilo foi mesmo à descarada, o que vale é que os casamentos raramente se repetem com os mesmos convivas. Assim, os anos passaram e felizmente nunca mais encontrei quem se lembrasse da coisa no mau sentido.

Do texto, parece que há quem nasça sem capacidade para ver o lado doce das coisas. São esses os que estão sempre dispostos a alterar as receitas, e a produzir só coisas amargas.

Quantas vezes recordo que acreditas "ainda que este mundo tem solução". :)



Beijinho doce Nirvana

CybeRider disse...

Olá Gemini,

Ainda bem que andas atento às placas, que os caminhos por aqui têm andado tortuosos e de difícil acesso. Deve ser das noites compridas e dos dias curtos...

Tu fica à vontade por este mundo, mas às tantas vêm os dias de chuva e lá se derrete a maravilha. :)

Um abraço!

;)

CybeRider disse...

Olá Mário!

Sempre atento e com a panaceia à mão!

Bem sabes que o excesso de doces revela uma escassez de mimos... Nem sempre conseguirei exorcizar-me com estas mézinhas. Mas não padeço de mal que não se cure com uma pitada de esperança e bom senso. Não deixa de ser um bom exercício, quando se quer escrever o amargo, tentar dar a volta pelo doce.

Força! ;)))

the dear Zé disse...

É pá, eu até ia fazer um comentário grande e culto e isso, mas estou a salivar de tal maneira que, já não aguento mais, tenho...

Mário Rodrigues disse...

Encharca-te homem!
Se é isso o que precisas para dar a volta à coisa.
Vai disto!
Principalmente nos vícios temos de ter bom senso...

Abraço

CybeRider disse...

Ó Caçador, e eu estaria lá à altura de uma coisa elaborada dessas que tinhas em mente? Ainda bem que te ficaste pelo reflexo condicionado!

:))))

CybeRider disse...

Nos vícios... Tal como nos desejos, Mário. Já me vou convencendo...

Abraço

Milu disse...

O que me vale é que não sou gulosa. A invocação de tanta doçura não me fez perder a cabeça ao ponto de me fazer sair de casa até à próxima pastelaria! Gosto mais de salgados: Uns pastelinhos de bacalhau, folhados de carne estaladiços, croquetes e até mesmo uns douradinhos!

CybeRider disse...

Ai Milu, que agora quem ia saindo de casa até ao expositor de salgados era eu! É que também resisto melhor aos doces, por isso a escrita não me foi catastrófica. Já esta leitura... Vale o adiantado da hora para me prevenir esse pecado! Por sublimação acabará por pagar, apesar de tudo, a tablete de chocolate.