sábado, 1 de maio de 2010

Trabalho... A quanto obrigas!

Há quem passe pela vida a meio gás, sem se aperceber de como tudo poderia ser tanto melhor ou pior que o que se viveu. Sempre em velocidade de cruzeiro. “Velocidade” só se deveria aplicar ao que fosse inebriante e incauto, a velocidade de cruzeiro é na realidade uma pasmaceira que nos atrofia e nos enraíza ao solo sem capacidade de elevação que nos aumente a adrenalina, como se nos encaixasse sempre na história de que já conhecemos o fim.

E houvesse história de que não conhecesse o fim… Mas conheço-os todos. Reduzi tanto os pormenores singelos dignos de nota que qualquer biografia não me mereceria mais que três linhas, como os dias que tem a vida, não fosse um tremendo esforço para me normalizar em tarefas e pormenores.

Até por isso quando ouço falar em excesso de velocidade me parece um contra-senso. Nada do que seja rápido deveria ser considerado excessivo. A velocidade deveria ser justamente avaliada como um bem, a assegurar e desenvolver, em prol do progresso e da eficiência. Esta afirmação não me enobrece. O meu pensamento é carbónico, lento de pasmar. Chego a adormecer a meio de um pensamento, principalmente ao serão depois de deitado, e nem pensar em tentar juntar na ideia duas coisas ao mesmo tempo, em vez de adormecer ficaria para aí comatoso. Os meus diálogos são por isso bastante aborrecidos, não será fácil dialogar com um interlocutor que leva meio dia para recordar um nome ou várias horas para descrever um facto, entrecortando cada ideia com pausas enormes. Tento dar uma certa musicalidade às frases, para não ter de reanimar quem me intercepte. Mas ainda assim a coisa resulta mal.

Quando é absolutamente necessário elaborar algum discurso imediato acabo por me impor um regime ligado no “nível médio de asneira”, tem riscos calculados e tem funcionado até aqui. Mas acabo a pensar nas coisas que disse e sofro bastante ao compreender todo o potencial que poderia ter aplicado, estivesse eu munido de neurónios mais reactivos.

Até coisas de que possuo imensos pormenores não fluem na hora certa, acabo por recordá-los só quando o receptor já desapareceu no horizonte. Um campeão olímpico estaria em vantagem, em poucos passos actualizava a conversa. Eu fico para ali agarrado ao telefone, a recordar o número, a carregar nas teclas ao acaso… Acabo por deixar para o dia seguinte.

Como agora, por exemplo, tenho a certeza de que havia qualquer coisa que queria escrever hoje, tinha de ser hoje, mas sei lá…

Se ao menos me lembrasse de que dia é hoje…

Ou se me lembrasse do que escrevi há um ano…


© CybeRider - 2010

14 comentários:

escarlate.due disse...

creio que não importa muito que dia é hoje ou que foi há uma ano, um ano é muito tempo e a vida são só três dias, afinal acabaste por escrever o que havia para ser escrito.

não gosto deste texto (posso não gostar, não posso?) faz-me pensar um bocado naquela frase do "bota abaixo" que o meu rebento costuma rebater com "eu sou capaz de ser muito bom, só que às vezes entro em standbay mas um homem com bons neurónios precisa descansá-los de vez em quando" :)

CybeRider disse...

Olá Escarlate,

Gostei que não gostasses do meu texto, mas principalmente que o tivesses dito. É a indiferença que me arrepia, nunca a sinceridade.

Mas sempre te dou o meu lado da coisa. Se reparares no título, há uma razão para esse texto, é que do trabalho, essa força que alugamos a alguém e que nos cerceia tantas vezes a individualidade e que acaba por deformar quem somos, "desse" trabalho que nos transforma em máquinas abjectas (e não de qualquer actividade que por mais àrdua nos dê prazer e se ganharmos a vida com isso tanto melhor) só quero de facto esquecer que existe, porque será a forma mais triste que a humanidade arranjou de levar o pão à boca.

É por isso que neste ou em qualquer 1 de Maio não importa tanto o que escreva, mas tudo farei para que não seja sobre trabalho.

Quanto ao mais não te censuro, mas nada há para gostar, pois se é a mais pura das verdades...

:)

Nirvana disse...

Quem não adormecer com a velocidade cruzeiro, por certo terá algum problema. Impossível, digo eu. Andar sempre a meio gás, passar por passar, ir sobrevivendo dia após dia, acrescentando apenas dias à vida.

Não que seja sempre muito rápida, nos pensamentos e acções. Há situações a que só reajo depois, e só então me lembro de tudo que poderia ter dito, e até queria dizer, mas não me ocorreu na altura. Uma dessas situações são as discussões. Não sei discutir, coisa que me entristece, por vezes. Mas sou fã da velocidade. A próxima vez que os meus amigos da polícia me disserem que vou com excesso de velocidae, eu digo-lhes "nada do que seja rápido deveria ser considerado excessivo".
Ficar a meio de um pensamento ao adormecer não é mau, na minha óptica, pois é um elo de ligação para o dia seguinte.
Se não conhecesse já o autor deste texto, até acreditaria que não soubesse que dia era, mas como conheço, sei que ele sabe perfeitamente o dia e o que queria escrever.
Beijinhos, Cybe
(Eu não me lembro do que escrevi há um ano. Será muito grave? Acho que não, porque escrevesse o que escrevesse, as linhas que me orientavam então são as mesmas de agora.)

CybeRider disse...

Olá Nirvana!

Disse-me um amigo, "com informação privilegiada sobre este pobre mortal" nas suas palavras, relativamente a este texto outras três: "amar sem pressa", foi "Noutro Carnaval", ontem; e seria um título realmente bom para este texto não fosse ter sido ontem o dia que foi, e mais uma vez me sentir oprimido pela velocidade "em prol do progresso e da eficiência", excelências estereotipadas e consequentemente medíocres. Gosto de quando o pensamento me retarda e me deixa a matutar num pequeno detalhe por muito tempo, é esse amor que dá sentido à vida, nestes três diminutos e vertiginosos dias.

Invejo por isso quem possa passar pela vida a "meio gás". Será bom gozar da tranquilidade desse sono que referes, era bom gozar cada minuto dessa pasmaceira e ganhar raízes nas nossas histórias, prevendo como acabassem. A vida manda porém que as esqueçamos e que nos lancemos nessa vertigem que nos consome, e pede-nos ainda que enalteçamos esse delírio.


Claro que não é grave não te recordares do que escreveste há tanto tempo, principalmente porque tens essa segurança de saberes que não mudaste o padrão que te regula. E eu sou testemunha dessa boa verdade! :)

Beijinhos, Nirvana

Mário Rodrigues disse...

Mas que ânsia em redor das lembranças!...

Tens a oportunidade de viver o êxtase da aventura imprevista, e andas a lamentar as lembranças... Se não recordas, perscruta...

Um abraço

CybeRider disse...

Não serão as lembranças o testemunho da vida, Mário?

Se me esquecer não me desumanizo?

Garantes-me humanidade no futuro? Mas ainda que garantas, o futuro não garanto eu.

Perscruto, de facto, mas no que espreito vejo cada vez mais oblívio e desencanto. Nem sem valores na algibeira nos valemos dos valores da alma.

"Recordar é viver", contra todas as perspectivas. Poderemos voltar-nos à selva, e ficar selvagens para sempre, aí podemos abandonar todas as recordações, e às vezes que bem sabia...

Um abraço

Mário Rodrigues disse...

Eu, meu bom amigo, não te garanto nada! Nem passado nem futuro.
Apenas e somente acho, que é outra coisa a que não tenho direito, não tenho nada que achar, mas ainda assim e por uma questão de insistência em me esforçar por ver os que me rodeiam com vontade de viver e de lutarem por uma vida onde não caibam as lamurias mas antes as irreverências (tenho de escrever isto num painel grande como o ..., para por à frente dos olhos nuns certos dias) por dias mais bonitos, que exijo, sim exijo porque a isto tenho direito, que te recomponhas e que deixes de te privar a ti e aos outros, da luz e da energia que um homem pode irradiar.
Sabes uma coisa? Não terás uma segunda oportunidade para montares o puzzle com as peças que se foram perdendo ao longo dos anos. Mesmo porque não tens garantia de que esse fosse o puzzle que não irias amaldiçoar e mal dizer por te tão pouco satisfazer...

Possivelmente também não tinha o direito de escrever isto, mas isto faz-me caminhar e como sou egoísta...

Três abraços

the dear Zé disse...

Pois. Dá-me(nos) música.

Abraço moço.

Milu disse...

Olá CiyberRider!

Também a mim já me aconteceu bastas vezes, reconhecer que não estive à altura de responder à letra a determinado interlocutor. As melhores deixas ou os melhores argumentos ocorrem-me só mais tarde, facto que muito me deixa enraivecida, ao ponto de sentir ganas de me esbofetear. Por vezes, e dependendo das circunstâncias, ainda busco algum consolo ao prometer a mim mesma a desforra numa próxima oportunidade. Contudo, a minha experiência diz-me que esta situação acontece com toda a gente, até com os mais jovens, possuidores de fresco e ágil cérebro, tanto assim é, que ainda guardo na memória as súplicas de uma adolescente, que me pedia para lhe dar uma ajuda nos argumentos com os quais pretendia confrontar o pai. E a mim, lábia e ligeireza no falar era reconhecidamente uma coisa que não me faltava. O que se passa comigo actualmente, é que inconscientemente, faço destrinça entre os diversos tipos de interlocutor, ou seja, de que me vale argumentar forte e inteligentemente, se a pessoa a quem me dirijo, nem sequer perceberá o que lhe pretendo transmitir? Penso, francamente, que me adaptei a viver em vários meios sociais, assim sendo, a minha capacidade de intervenção ou o tipo de mensagem é seleccionada de acordo com as circunstâncias. Pode parecer muito forte, ou mesmo brutal, o que terminei de dizer, mas que culpa tenho se continuamente tropeço com gente incapaz de pensar pela sua própria cabeça e que por isso andam neste mundo por ver andar os outros?!
Um beijinho!

CybeRider disse...

Olá Mário,

A sociedade empurra-nos para um ramerame em que o trabalho já não é apenas para assegurar uma plataforma de base à nossa felicidade, o sustento. Cada vez mais nos cinge a dependências de clubites e artimanhas manhosas e hipocrisias desvalidas. Para muitos isso é já "a vida", acabando por confundir aquilo que são com aquilo que fazem, talvez por nem se darem conta de como são chantageados pelos jogos de interesses e pela ambição. Não são lamurias as chamadas de atenção à desumanização a que nos sujeitamos na nossa subserviência pintada de profissionalismo. Recordo-me dos nossos velhotes agrícolas a quem os males não chegavam, com menos globalidade o mundo era-lhes um local pacífico e belo, e sabiam sempre o final de todas as histórias, mesmo das suas, porque eram puros. Hoje, para nós, não há previsões. Podes até achar que isso é bom; eu suportarei isso por anos, talvez, mas recuso-me a não olhar pela janela para ver que a paisagem está de facto a passar. Se haveria outra forma? Não sei. Mas esse conhecimento não me cabe, basta-me saber que também eu estou metido na máquina e que é esse desconhecimento o que me impede de sair dela. E ainda assim dou graças... Pois dou, principalmente porque sei que não sou "isso" e ainda assim sou relativamente aceite, enquanto for útil, como uma ferramenta. Falta-me a rapidez neuronal para saltar do caldeirão sem cair na fogueira, e ainda assim ser bem sucedido.

Abraço, Mário!

CybeRider disse...

Olá Caçador!

Sabes quando estás no meio do bando de pássaros, carregas no gatilho ao acaso e cai qualquer coisa?

Pois... É isso, dá para a despesa, só.

Abraço,

Mário Rodrigues disse...

Assim fico menos preocupado...

CybeRider disse...

Olá Milu!

Por vezes o silêncio, que pode ser difícil também de executar, poderá ser a melhor resposta a provocações gratuitas. Numa amena cavaqueira é que cai sempre mal, deixa aqueles espaços vazios que propiciam confusões e incertezas. A normalidade que referes acentua-me a dúvida acerca da avaliação de desempenho pela velocidade. Este aspecto leva-me ao outro, o da escolha do interlocutor que sabiamente fazes. Ciente de que não poderei com rapidez atingir o cúmulo da minha capacidade argumentativa, e de que o nível para ser rápido terá de ser médio, já me vou escusando a argumentos. Mas aqui deparo-me com outro aspecto curioso, é que estou piamente convencido de que a capacidade de análise do interlocutor, por ser rápida também, não será plena, e assim por mais que me empenhe, é natural que a minha argumentação caia em saco roto, porque além da inteligibilidade terei de ultrapassar o seu individualismo. Duas barreiras de peso à minha tenacidade. :)

Um beijinho!

CybeRider disse...

Longe da minha ideia atazanar-te com preocupações, Mário! :))))