segunda-feira, 4 de abril de 2011

O elogio do erro

Não me apetecia, não me tem apetecido.

Sei o que me apetecia, talvez por isso: escrever tudo cheio de erros. Escrever num código só meu. Desculpa triste, escrevo sempre num código só meu. Tudo cheio de erros. Gosto dos meus erros, são sintoma de liberdade quando não tenho medo deles. Depois refinam-se e passam despercebidos. Como quem acha uma nota no chão e lhe põe um pé em cima. "Devolve-se a quem provar pertencer-lhe". Olha-se para um lado e para o outro, a medir a humidade, a ver aquela nuvem mais escura e a criar a ideia de que vem aí chuva, passageira.

Depois deixa-se cair a chave. Plim. Arrebanha-se tudo, a fazer valer o dobrar da espinha. O gesto refinado, a não admitir o erro. Do outro lado o Sol, as caras cinzentas, incapazes de ouvir um plim. "Afinal pertence-me a mim". Os olhos vagueiam para a noite, a desejar o sonho ímpio dos inocentes, todos errados. A inocência perde-se quando se eliminam os erros. Passa-se a ser um sequaz do justiceiro, cheio de certezas e dedos espetados. Perde-se a misericórdia. Perde-se a noção do belo.

O belo em si é um erro, perfeito, como é qualquer erro, capaz de nos fazer virar a cabeça e perder a noção da realidade, essa coisa que não se compadece com erros, que nos impele sempre para a imperfeição da posição irrefutável, mas sempre à mercê da imensidão do que não dominamos, a excepção fundamental que confirma a regra, esse erro abrupto que nos oprime qualquer certeza. O belo é imerecido porque é um erro supremo que ninguém merece, por ter sempre alguma certeza, até isso justifica a sua essência errada e errática.

O erro não é intencional, ao contrário do mal que nunca é um erro. O mal é uma escolha, mais ou menos reflectida, mas nunca um erro. No entanto, erradamente, condenamos o erro quando deveríamos condenar o mal. O verdadeiro erro pode ser fruto de incompetência, distracção, incontinência, desmesura. Quando toleramos a génese, admitimos que fundamente a causa, mas apesar disso continuamos a condenar aquilo que inicialmente admitímos, sem querermos ver que deveria ser a verdadeira causa a perseguida. Assim, andamos com medo de errar, tentando fazer tudo certo ainda que mal.

Tememos a revelação dos nossos erros, pela injustiça do seu julgamento. Só poderemos ser livres quando nos exprimirmos por erros sinceros, pleonasmo; num código individual, imperceptível até que se refine, nessa altura compreendemo-lo, e passa a ser linguagem comum, alimento de debate e de inovação. Uma linguagem bela, profundamente errada é certo, mas universal.

A constatação de que errar é humano, faz-me acreditar que tudo o que fazemos é belo, tanto mais quanto mais errado for, desde que o não façamos por mal. É divina a nossa acção no mundo. Compraz-me que este exercício possa ser o erro que me tolha, porém palpita-me que errei, e acertei assim na impureza do hediondo, imperfeito, maléfico, intencional, desumano.

As certezas são sempre terríveis, ímpias, como os sonhos dos inocentes.      

© CybeRider - 2011

15 comentários:

IRIS disse...

a tua crença na humanidade é muito bela, inspiradora, como tal.
agradecida :-)

mfc disse...

Sabes?! Tens aqui um texto que toca qualquer um que goste de sorrir!
Fizeste -me sorrir muito... até porque estás carregado de razão, de bom senso e de um entendimento que cada vez é mais raro de se encontrar!
Parabéns Amigo, por seres assim tão porreiro!

Pepita Chocolate disse...

Como sempre um texto fantástico.

Gostei particularmente desta frase:"O erro não é intencional, ao contrário do mal que nunca é um erro. O mal é uma escolha, mais ou menos reflectida, mas nunca um erro."

Há muito que não dizia nada. O que deixo é pouco, mas acredita que leio sempre. Há é mais silêncio. E poucas palavras. E não é com medo de errar...

CybeRider disse...

Olá IRIS!
Obrigado pela tua visita! Fico a pensar se precisamos de acreditar naquilo que vemos que existe ou se não bastará sujeitarmo-nos à sua inspiradora presença. :)

CybeRider disse...

Olá mfc!
Isso explicará a razão de ultimamente dar por mim a sorrir no meio do trânsito nas horas de ponta. Às vezes faz bem desabafar. Porreiros são os amigos que me deixam comentários assim!

CybeRider disse...

Olá Pepita!
Bem sabes que não precisas... As tuas palavras, que tenho lido, são explicativas. O silêncio apodera-se de nós por aqui em certas alturas, principalmente porque o dia-a-dia nos chama e temos de lhe responder.

E como poderei eu pedir alguma coisa dos amigos?... :)

Nilredloh disse...

Olá, CybeRider!,:)

À primeira vez que li o texto pus-me a pensar... e só não deixei um comentário... por medo de errar! heeheh:)

Um texto muito filosófico.

Aquele abraço,

Jorge

the dear Zé disse...

Meo caro sinhor, fiquei de tal modo embaralhadu com a espozição da sua teze filozofica que nem sei o que eide para aqui cumentar. De facto não vou diser nada significativu para não errar nem dizer para aqui alguma axeneira. Não é por mal, é sópur mudestia.

Atenciozamente

eu

Nilredloh disse...

Caro CybeRider,

O ser humano é imperfeito e erróneo. Mas o que dirias tu se na mesa de operações, antes da anestesia, te lembrasse disso o teu cirurgião cardio-toráxico? heheeh:)

Um grande abraço,

com toda a amizade,

Jorge

CybeRider disse...

Olá the dear Zé!

Não podemos querer o que não exista. Temos de tentar errar para fazer o caminho. As certezas imobilizam-nos no tempo e no espaço. Não há evolução sem humanidade e uma das suas características fundamentais é exactamente o erro. O certo nunca existirá como realidade universal porque é limitativo e desumano.
Direi que estou farto de tantas certezas que nos empurram para as incertezas que nunca quis. Está na hora de errar à bruta, sem maldade, meu amigo. Faz-nos falta o profano que os nossos sonhos nos revelam, talvez seguir instintos, desbravar novos caminhos sem medo.

Esse teu código é um mimo! :)))

Abraço

CybeRider disse...

Olá, Jorge!

Vais logo buscar um paradigma da competência. Se se exigissem a todos os funcionantes o mesmo desempenho que se exige de um cirurgião, meu amigo... No entanto as falhas acontecem talvez mais vezes do que imaginamos, não te sei dizer. Mas garanto-te que se não pensasse nisso não temeria nunca o momento em que me deitasse numa mesa de operações, ainda que o cirurgião não necessite de me recordar dessa realidade.

Já agora, sabes o que se diz por vezes quando o erro é coisa grave?

"Bonito serviço!"... :)

Abraço

taio disse...

genial

CybeRider disse...

Gracias, Taio! Bienvenido!

luisM disse...

Cuidado meu senhor, que ainda o contratam para escrever os discursos do Sócrates. Com a vantagem de poderem ser testados através da direta apreciação do público, permitindo enfocar as ideias chave.

Prevejo uma campanha eleitoral muito rica: as promessas são desgraçadas, mas imagino toda a gente, que pode saltar para o poleiro, com ar humilde recitando o credo.

CybeRider, quem sou eu para dar conselhos, mas por estes tempos não daria oportunidade à rapinagem das ideias. Deixemos que os bravos rapazes do poder trabalhem por si, que suem um pouco. Afinal o trabalho enrija as carnes e liberta o espírito. E hoje em dia o que começa a ficar desmaterializado é o vencimento. O resto são juros da dívida pública.

CybeRider disse...

Olá, luisM!

Se ao menos os discursos do Sócrates fossem belos... Que só belos lhos escreveria, ciente de que teriam erros inocentes, sem maldade. Assim, que nem isso, palpita-me que vamos escolher mal para continuarmos na acção inglória de apontar erros. E o pior é que as escolhas de quem não conheço determinarão o destino que me impõem. Sujeito ao mal terei de continuar a sonhar e a reparar os meus erros que resultam da minha incompetência em me ajustar à imposição do que estranho, ainda que tente um sorriso tímido e pateta, porque "as tristezas não pagam" esses também.