Só posso provar que cumpri um encontro.
Foi há muito. Nesse dia longínquo cumpri, estava lá à hora certa no lugar certo. Foi a única vez. Talvez nunca venha a saber quantos encontros terei perdido na eternidade, desses outros também não me lembro, talvez fossem meros desencontros que motivaram que àquele não tenha faltado.
A partir desse dia a minha vida tem sido um somatório de desencontros em que há quem chegue e quem parta. Vemo-nos ocasionalmente, mas uns estão invariavelmente de saída quando chego e outros estão a chegar no momento em que me preparo para partir.
Ainda hoje não consigo combinar um encontro. Se me perguntam a que horas me convém, devolvo sempre a pergunta e, a partir desse momento, sou eu quem tenta ajustar o tempo para conseguir chegar a horas ao combinado. Sempre sem sucesso. Por vezes esperam por mim, para me dizer que estão de partida, outras vezes chego e confesso que afinal não posso ficar. Frequentemente assola-me o desalento de saber que não posso perpetuar o momento. Tudo não passa de uma imensidão de despedidas. O abraço da chegada é já o prenúncio desse momento fatídico. Eles vão e eu fico a vê-los partir, desolado por não ter conseguido cumprir o encontro. Outras vezes são eles que ficam quando eu parto; não olho para trás com receio de que não consiga prosseguir, para o próximo desencontro que marquei, se os vir a acenar.
Há uma zona cinzenta entre cada chegada e cada partida. Ninguém pode partir sem ter onde chegar, nem pode chegar sem ter partido de alguém. A ser sincero teria de confessar que me atrofia e me deprime; o cinzento não me satisfaz, mas o branco e o preto são exacerbos a que não me posso permitir, meras cogitações quantificantes do que será sempre incomensurável. Apesar disso é esse cinzento que se assemelha à simbiose de um encontro, quase perfeita, apesar de ser mera imitação
Aos bons e aos maus encontros acorro com igual desvelo. A curiosidade pelo futuro próximo leva-me a reunir esforços de pontualidade que me surpreendem quando os reconheço. E o desfecho é invariavelmente o mesmo, nada permanece nem se altera de forma tão indelével que me reponha a esperança nas marcações que, algumas a meu pedido, me impõem. Tudo se mantém num infindável marasmo de incertezas vãs onde abunda a futilidade de momentos cuja história é hoje potencialmente forte mas exígua na efectiva exequibilidade, principalmente por tudo o que fica por dizer, por falta de tempo e pelas incertezas próprias de um futuro que não domino.
Há quem afirme que tenho um encontro marcado a que não posso faltar. A ser verdade, não fui eu que o marquei; como sempre, deixei à outra parte a veleidade, desta feita em desafio. Dizem que, quando lá chegar, não poderei partir, assim tempo não me faltará. É um encontro verdadeiro com hora e local certos, embora de momento os desconheça, mas palpita-me que vou lá estar. A concretizar-se será, certamente, o segundo encontro que conseguirei cumprir.
E esse é, de todos, o único a que gostaria de poder chegar bastante atrasado.
© CybeRider - 2011
10 comentários:
O meu coração começa a bater tanto quando penso na hipótese de me atrasar, que chego sempre antes da hora!
... e também não suporto esperar!
É um defeito meu.
E esse é o meu medo! Que o meu bata tanto que faça com que não me atrase para esse derradeiro que tenho de cumprir! Pelo sim pelo não vou andando com a medicação em dia! :)
Olá CybeRider!
(Mais um registo soberbo, não é?)
Eu também não marquei o meu primeiro encontro; nem local nem hora, mas cumpri - foi uma oferta que não pude recusar - depois abri os olhos e nunca mais cumpri!
Ainda miúdo ouvi do meu pai (e não esqueci):
- Sê como a morte; tarda mas não faltes, e chega sem avisares!
Tenho andado a ver se cumpro!
Um grande abraço, Cybe ;))
Se há encontro que necessito chegar muito atrasada é esse teu segundo encontro de que falas. O problema será pensar demasiado nele. Pode ver-me conduzida a ele mais depressa do que imagino. Porque o encontro é feito com novos, velhos, mulheres, crianças, brancos, amarelos ou negros. É um encontro sem distinção ou discriminação. E esse eu bfujo em ir, mas de tanto tentar fugir não sei se não estou a seguir o caminho mais curto para lá chegar.
Este é um encontro que me faz muita confusão, talvez porque ainda tenho encontros programados na vida que gostaria de ter antes desses. Nem sempre concretizáveis. O que ainda me faz mais medo.
Sei que não é perceptível pela maioria das pessoas o meu medo por esse encontro, mas cada um saberá o porquê de se querer evitar.
foi preciso estar de férias para ter tempo para comentar; mas garanto-te que não deixei de cá vir; em vez de letras, deixo silêncio)
Olá Gemini!
Cada vez que percorro a barra ali ao lado penso nos desencontros que evidencia, que por aqui também têm ocorrido, é verdade. Mas dos deste lado sei o motivo, já dos outros nunca sei se são meros atrasos ou vaticínios. É essa natureza assustadora de incerteza sobre o que não se domina que torna os atrasos tão enervantes, porque nunca se sabe se o impedimento é fortuito ou fundamental, se é descuido ou intenção, se é desafio ou frivolidade. Mas só enquanto mantivermos a esperança. Aquilo a que normalmente chamamos encontros são meras condescendências da vida em nos tolerar algum aparente domínio na nossa existência. A verdade é que, como qualquer outra coisa que nos é permitida, pode ser-nos súbita e inexplicavelmente retirada. Daí que tenha de reconhecer que o teu pai é um sábio. A importância que damos à pontualidade é de uma petulância extrema, como se de facto tivéssemos algum controlo sobre as nossas vidas, mera ilusão. No entanto no mundo do faz-de-conta em que encaixamos esses corolários, os atrasos têm um preço, mas as antecipações também. É bom podermos ir brincado aos seres que controlam o mundo, mas é só até um dia. Ainda que possas temer que não cumpras, outros haverá que cumprirás, não desanimes!
Olha, Gemini, um grande abraço também.
Olá, Pepita!
Se o encontro inicial foi bom, nada nos garante que o derradeiro o não seja. A opção que houvesse não seria agradável. Por outro lado já me vou convencendo que não é problema meu, alguém terá de lidar com ele, de nada adianta continuar a pensar no que não marquei. A acontecer, não posso senão tentar declinar qualquer responsabilidade. Que me hão-de culpar, também sei, mas não a hei-de assumir, poderá ser uma colateralidade de algo que faça, mas a intencionalidade será difícil de provar e a pena difícil de cumprir.
Também tenho partilhado silêncios, demasiados para a minha intenção, desencontros afinal, resultantes do gorar de tantos encontros a que tencionava chegar, sem sucesso. :)
olha pois (lá estou eu a chegar aqui atrasado uma data de dias)já experimentaste atrasar o relógio? assim um fuso horário ou dois, pode ser que...
e quanto ao resto, a gente vê-se por aí um dia destes...
abraço moço
Tu vens sempre a horas, meu amigo Zé!
Pois, pois... Mais uma vez em que hás-de partir ou em que eu não poderei ficar! Assim nos permitam!
Abraço rapaz
Olá, caro António!
Fizeste-me lembrar um autor que venero, o Shopenhauer e o seu livrinho do Livre-Arbítrio! Um espectáculo! Quanto ao segundo encontro... se nascemos a chorar, temos o direito de morrer a rir!
Um grande abraço com toda a amizade,
Jorge
Olá, ilustre Jorge!
Que belíssimos poetas dariam os filósofos se não se preocupassem em geometrizar os sentimentos. Tenho pensado no direito que referes, mas principalmente no facto de o ver pouco exercido. Pelo sim pelo não já comprei um bom compêndio de anedotas!
Um grande abraço, meu amigo!
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