terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Maravilhosa estupidez

Recomendação:A reflexão que se segue é profundamente iconoclástica, pelo que se recomenda a presença de um adulto avisado para a sua leitura, caso o ilustre leitor o não seja.

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Todo o acto humano é estúpido.

Já me arrependo de iniciar esta análise pela estupidez inerente à sua criação bem como às suas estúpidas conclusões, que deveriam ser de uma evidência lapaliciana, e é uma estupidez também que este adjectivo não esteja dicionarizado para a caracterizar.

A inteligência de qualquer feito só o é mediante valorização e aceitação individual ou colectiva da estupidez que lhe deu origem, e só após apreciação dos seus efeitos que se querem estupidamente benéficos. Daí que qualquer projecto seja à partida uma idiotice, e seja necessário um esforço estúpido e muita boa-vontade para colocar toda a estupidez possível na sua execução, até que se torne em algo de aceitável e concreto.

Genial, é toda a estupidez que perdura no tempo até que seja refutada por outra estupidez mais visionária. Olho para as pirâmides de Gizé, geniais, e tremo com a dimensão de tamanha estupidez. Imagino o sofrimento inerente à grandiosidade da obra e o sangue suor e lágrimas que tal enormidade terá gerado. Não contente, recordo a Grande Muralha da China, vinte mil quilómetros teria, de pedras cuidadosamente alinhadas ao longo de séculos. Pequeníssimos nadas, quando afinal pensamos no planeta recém dobado a alcatrão e fio de cobre.

O conceito de inteligência é apenas isso, um conceito, uma utopia que serve de medida de aferição a toda e qualquer estupidez que nos ocorra. Só assim se pode justificar que tudo o que criamos seja sempre defensável por maior ou menor grupo de adeptos. O bem e o mal são conceitos estúpidos, porque para tudo existe causa, para tudo existe perdão. O bem de alguém causará sempre o mal de outrém, como o mal de alguém terá sempre contrapartidas benéficas avaliáveis na circunstância, normalmente com frutos pretendidos estupidamente por uma minoria insana, digo eu, na minha mesquinha parvoíce.

Que nada é objectivamente bom ou mau, a não ser para uma maior ou menor parte, a quem o acto ou intenção afecte, mas nunca em termos universais, como tão bem se provou na Europa há meia dúzia de décadas, e se verifica pelo mundo em cada dia que passa. A  beneficência, por outro lado, cria a injustiça de uma falsa esperança aos que, independentemente do seu potencial, acabarão na mesma por morrer de fome, maleita ou intenção de outrém, por exclusão ou falta de tempo; e ainda assim as religiões, e ainda assim Cristo milagreiro. 

Toda a pesporrência é estúpida, consequentemente toda a sociedade, o mundo inteiro, porque governado e apropriado, está inquinado de uma estupidez implícita e indelével. Não poderíamos viver de outra forma, dizem, que o homem é um bicho social. Outra prova da estupidez que afloro. A aglutinação é um disparate,  não  teríamos nem um terço dos problemas se não  tivéssemos   insistido neste modelo. Deixemos os totalitarismos que, pelo que acabo de dizer, de imediato não convêm, para pensarmos nos modelos que colhem aparentemente a vontade da maioria dos interessados, as democracias, assentes na vontade de maiorias, fundam-se num princípio bastante básico que, resultando noutras espécies, parece ser  estupidamente desadequado para os humanos, o de que a "união faz a força", o mesmo princípio que enforma qualquer acção de mobilização. Acontece que a força será o mais rudimentar e irracional mecanismo que deveria mover qualquer ser pensante. Por outro lado, a lógica, fruto do intelecto, qual celestial ambrósia, que se ambiciona mais como troféu que alimento, não tem qualquer força anímica.

Perante uma maioria contumaz que espera sempre o apoio, num qualquer patético testa-de-ferro, para aparar  qualquer contrariedade previsível, imposta à força do número mais que pelo pensamento, não pode surpreender que o desfecho não seja senão a catástrofe.

Esquecemo-nos que a liberdade derradeira é individual, impossível de aplicar num grupo heterogéneo, para o qual insistimos em tentá-la sempre sem sucesso. Defensores de todas as emancipações e críticos de todas as bitolas, não acatamos que os excessos de uns são o sofrimento de outros, que em sua defesa alegam uma pretensa etiqueta como barreira intransponível mas impossível de  impor a uma turba insurrecta e egoísta, contra a qual não haverá razão que se imponha.     

Embarcamos na estupidez de criarmos só para nós, como se não houvesse mais mundo, e acreditamos, religiosa e devotamente, que o nosso é o mundo verdadeiro, o único que existe, e é só nosso, sem nos inquietarmos com o facto de não existirem normas universais que nos conformem, normas que repudiaríamos, decerto, por acharmos que somos todos diferentes, ao mesmo tempo que achamos também que somos todos iguais.

Pensai no direito à vida; e onde consta o direito à morte? Não será este um activo que nos é humanamente sonegado?...  No entanto inventámos também o dever de morrer, por causas ditas nobres, sem que nos inquiete não existir um dever inverso paralelo. E tudo nos parece legítimo.

Maldita natureza que nos concede a capacidade de julgar sem prévia autocrítica. Maldita humanidade que premeia mais a coscuvilhice e o fútil estrelato decadente que o mérito do artífice incógnito. Não admira que os outros animais nos olhem por vezes com surpreendente estupefacção.

Estupidamente simples de perceber será o facto de não termos caminho. Embrenhados na estupidez de conceitos labirínticos perdemo-nos em voltas que nos trazem sempre aos locais de partida, continuamos a querer inventar a roda, continuamos a pasmar-nos com os Ovos de Colombo e parvoíces quejandas. No saber singelo, "de boas intenções está o Inferno cheio"; máquinas de flatulenta parvoíce, não ambicionemos o céu pois que não nos compete.

Não surpreende, por isto, que de tudo se possa fazer humor. Sempre que evidenciamos as características objectivas de qualquer acto humano, é bastante fácil que tudo se torne risível e desadequado.

A justificação para todas as derrotas resulta da recusa em aceitarmos a nossa solidão interínseca e a derradeira realidade, talvez a única coisa inteligente que nos enforma, o facto de nascermos e morrermos sempre sós e estúpidos.





© CybeRider - 2014

4 comentários:

Mário Rodrigues disse...

A estupidez não é arte única no desenrolar do nosso existir!
Pena é, até ao seis meses de idade, perdermos toda a sensatez lógica de um existir franco. Ao passarmos pelo canal vulvar das vaginas de nossas mães, incluindo metaforicamente os nascidos de cesariana, condenamo-nos à estupidez até que a morte nos separe. De imediato iniciamos o defecar da quase totalidade de um cérebro repleto de sensatez e eficácia milenar. Com o que sobra, treinamos e aperfeiçoamos círculos que posteriormente dissecamos em busca dos ângulos e dos vértices. A necessidade de sobreviver em ambiente de constante mudança leva a que se desenvolva uma de aprendizagem assente na imitação vinculada que privilegia a dor pedagógica. Assim de modo algum estamos predestinados à sabedoria mas antes à existência. Os que pretensiosamente ambicionam mais têm a maravilhosa e redundante estupidez como cereja no topo do bolo.
Mas de resto deixa que te diga, somos o único bicho de usa um órgão como ferramenta que inicialmente era boa mas que agora é a escória dos estímulos, para estudar estudar o próprio órgão!... Os resultados nunca poderia ser grande coisa...

Um abraço do tamanho do mundo.

the dear Zé disse...

e agora tive a estúpida ideia de partilhar isto, vê lá tu

CybeRider disse...

Olá Mário,

Obrigado por teres vindo. Grande reflexão, porque profunda.

Inquieta-me que os seres de inteligência rudimentar sobrevivam apenas e nós não. Hoje olhava para um caracol e pensei como deve ser tão mais fácil, e contudo inexplicável e igualmente inútil, sem derrotas, sem vexames, sem calúnias. Que disparate é este a que chamamos vida, em que para uns basta existir e que outros, tão supremos, tenham de dar provas disso sempre em competição constante contra si próprios e os outros. Com tanta pompa e circunstância temo que qualquer forma de vida possa eventualmente não valer um caracol.

Mas os nossos ensinamentos não são milenares. Ao contrário do caracol, que tudo o que parece fazer lhe é transmitido pela sua evolução milenar sem intervenção alheia, os nossos, embora fruto de uma actividade colectiva milenar, são-nos transmitidos totalmente em vida, com a consequente deturpação que decorre de cada vez que o processo se aplica. Assim, um eventual pequeno erro na génese acaba por se ampliar na interpretação do instruendo em cada nova aprendizagem, acabando a actividade lógica por lhe dar algum sentido que, a ser aceite pelo colectivo, acaba por transmutar a ideia inicial numa coisa nova e inédita. Não será por acaso que artes antigas nos sejam actualmente desconhecidas. Nem um caracol terá tal tragédia no seu passado.

Um grande abraço, Mário.

CybeRider disse...

Olá Zé,

Os nomes que damos às coisas não evitam que a nossa acção tenha de existir dependente da nossa vontade ou reactiva à vontade alheia. Não podemos negar a nossa natureza. É por isso que te fico estupidamente grato, vê lá tu.