quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Da liberdade dos outros - 2


E podíamos muito bem ter ficado por ali. Era uma teoria bonita, tranquilizadora; podia muito bem significar que o mundo estava temporariamente invadido por uma teimosia, ou insanidade passageira, e que afinal a solução de tudo isto dependia apenas de alguém encontrar o Gandhi  numa esquina, e tudo entraria nos eixos... Pois... Ora eixos... Berlim-Roma... pois... não... adiante. Ora temos Coreia, Argélia, Eritreia, Vietname, Yom Kipur, Cambodja, Afeganistão, Irão-Iraque, Malvinas, Líbano, Golfo, Chechénia, Kosovo, Etiópia, Afeganistão, já tinha dito?... Iraque... Enfim, loucura pandémica. Parece ser usual de quem detém o poder usar e abusar da liberdade que tem e restringir a dos outros. E causas? Podemos procurá-las por esse trajecto, que nunca faltaram.

Por isso, se não dá para andar para diante, que ficava muito complexo, vamos retroceder pois, serenamente,  a Gandhi e meditemos; pernas cruzadas; braços a tocar os joelhos em pose descontraída, tronco direito, polegares unidos aos indicadores respectivos, e respiremos calmamente... Vejo... vejam lá se não vêem!…  o verde da floresta, muita gente, uma estátua do coiso… e elefantes. Ora elefantes... é, é o Sidarta Gautama, o buda! 

Uma referência histórica aponta para que a mãe de Sidarta Gautama terá visto em sonhos um elefante que lhe oferecia uma flor de lótus, na simbologia lá deles uma coisa muito pura e virtuosa, na véspera do nascimento do puto. Pronto. Imagem idílica, a coisa da maternidade, a maminha na boquita, menos um indu a morrer de fome. O sacana do buda, aquele da visão, é aliás gordo como a merda. Os olhares embevecidos e que se trompique lá a porcaria da liberdade que até para explicar, entender e aplicar é uma chatice e os mártires de Paris e do Boko Haram, e do ISIS, e a Jhiad e as intifadas...

Branco... o elefante era branco.

E as vítimas do onze de Setembro que nunca ninguém diz o raio do ano mas que nunca me hei-de esquecer, como já ninguém se lembra do António nem do Marcelo, hão-de esquecer o raio do ano. O outro Marcelo, pá! E o Tomás, desse também já ninguém se lembrava naquela altura, quanto mais agora! Era a tesoura, a tesoura... Diabo que os carregue. E o Augusto Cid, ham?... ainda bonzito, há dois ou três dias, ali na televisão, todo rijo, ali a evitar chamar uma data de nomes ao outro idiota que sentadito ao lado dele teimava, teimava... O Augusto Cid, o das caricaturas no jornal, no jornal... Que disse sempre que aquilo do Sá Carneiro tinha sido atentado, e se calhar foi; sei lá!...

E sei lá se o onze de Setembro foi assim como contaram... Se foi atentado contra as torres ou contra a inteligência de quem se lembra... E em Paris? Porra! Eu estive na tropa!... conseguia lá dar um tiro com um raio de uma G3 que acertasse num melro só com uma mão?... Uma mão?! E o coice?... Aquilo com munição real até dava uma cambalhota se não lhe agarrasses bem, ali!... com as duas mãos e com força! Quanto mais uma Kalash que até rebenta betão. Sim, que eu bem vi, rebenta betão! Ou que não desfizesse o raio de uma melancia?... E os outros que iam de cara tapada e de metralhadoras em riste mas levavam documentos, pá! Mas está tudo doido?...

O elefante branco passou a ser um símbolo sagrado. Diz quem sabe que era prerrogativa do monarca oferecer um elefante branco como agradecimento por grandes feitos, ou talvez por pequenos feitos, ou mesmo por defeitos; porque quem o recebia ficava inundado de boas venturas e honras e também de mijo e caca que o raio do bicho era grande que se fartava e não consta que fosse ao balde.

Mas essa era efectivamente, olha... efectivamente, não gosto. Palavrota pretensiosa, assim como um elefante branco, pretensioso. Um elefante branco é coisa nunca vista. Tão raro aliás que tinham de o pintar de branco antes de oferecer, daí que se tenham passado a considerar, desde essa época longínqua, todos os elefantes sagrados; apesar de os fazerem carregar até há bem pouco, digamos até mesmo ali antes da Portucel começar a produzir eucaliptos, grandes barrotes e os manterem amarrados a grilhetas, porque a liberdade das coisas sagradas também é muito discutível, basta pensar nos tigres, nos pandas... Mas onde é que eu ia?... Ah sim, aquilo do elefante branco era de facto uma chatice, porque comia que se desunhava, tinha de ser muito bem tratado porque a sua morte ou a recusa da oferta era indigna para o visado, que não tinha liberdade para isso; em suma era morto, ou abatido, se quereis; não por Kalashes, que não havia, mas à catanada que também não deve ser agradável à vista, nem nossa nem dos elefantes que, se vomitassem, então sim, ainda daria maior tragédia. E é aliás uma morte que à vista não engana ninguém. Além de que em terras de escassez como sempre foram as daquelas latitudes e longitudes, até mesmo ali antes de termos começado a dar-lhes aquelas paneleirices pequenitas para fazer telemóveis, e as outras maiores para fazer automóveis, e pormos aquela gente toda a trabalhar, e os putos… os putos… aquela ternura no olhar, imagem idílica, a coisa da maternidade, a maminha na boquita. Canojo! Cruzes credo!...  E tudo porque senão passavam fome, aquilo era uma terra miserável e com doenças.

E isto dos elefantes brancos para falar… ah, é verdade, da liberdade dos outros. É que estranhamente, aquilo que se passou em França, aquela coisa desagradável do Charlie Hebdo, que agora toda a gente sabe o que é mas que nunca para cá da Taprobana, a nossa, que pelo GPS é ali desde Badajoz, se tinha ouvido falar; acaba por ser um enorme elefante branco que o Maomé entregou pela mão dos fanáticos religiosos, para quem ache que foram os fanáticos religiosos, ou pela mão de deus para quem ache que foi um acto tresloucado de dois, vá três, malucos que queriam protagonismo e cegaram, mas que não queriam realmente ser encontrados, e que dizem as más-línguas e “que se fodam as más-línguas”, obrigado César Monteiro, que já não assististe a isto, que foram colocados naquela situação por um complexo ardil, pela secreta liberdade do poder político instituído, mas atenção que isto não fui eu que disse! E se disserem que fui, eu digo logo que é mentira e palavra-de-honra que o digo;  oferecido às democracias ocidentais. E que entretanto o Obama; o Putin; o  Xi Jinping; o Naruhito, que na terra dele nunca é referido pelo nome mas apenas por sua majestade o imperador, que não tem grande liberdade afinal porque quem diz alguma coisa é o outro, se estão pouco lixando e ainda acabam ao estalo mas lá na guerra deles; enquanto estes e os ditadores petrolinos acabam por se encontrar agora a braços com a necessidade de aconchegar com toneladas de feno e muito amor e carinho esta besta enorme de conceitos neo-revolucionários, sem saberem ao certo se come trigo, milho ou aveia; víveres esses que alguém que eles embalam para dormir...  aquela ternura no olhar, imagem idílica, a coisa da maternidade, a maminha na boquita...  o mexilhão! dizem os roedores de orelhas grandes, terá de pagar por incomportáveis só para uns, e que por isso já se convidaram aqueles que costumamos vulgarmente incluir na outra lista dos libertinos, vocês sabem quem eles são, para a festa diante do grande espanto de todos os espectadores face à grandiosidade da enorme besta alva e virtuosa toda enfeitada.

E é isto.

Charlie?... Está bem, podem chamar-lhe Charlie, é um nome bonito, lembra o outro dos pés tortos, aquele… que era palhaço.



© CybeRider 2015

2 comentários:

Mário Rodrigues disse...

Meu bom amigo António. Se tu matas, eu profetizo...

"Empalados em arenas.

...Segui pelo corredor até ao fim. O corredor era bastante largo e longo. No chão uma alcatifa vermelha, as paredes forradas a nogueira eram relativamente baixas. Ao longo do corredor, junto das paredes estavam figuras de dezenas de pessoas. Todas eram conhecidas. Cantores, pintores, escritores, cientistas, filósofos, etc... Como se fosse estatuas de cera... No final do corredor depois de descer dois suaves degraus encontro duas enormes portas de madeira muito clara parecia abeto ou faia...

Quando empurrei as portas vejo uma espécie de arena toda forrada de veludos e acolchoados, conferindo um ambiente de absoluto e luxuoso conforto.
Por todo o lado existiam varas de madeira com pontas afiadas espetadas no chão com os bicos para cima... Em todas elas estavam pessoas empaladas que sorriam e conversavam alegremente entre elas. Alguns discutiam negócios, taxas de juro, a beleza de senhoras ali ao lado... Tudo completamente indiferente ao insignificante facto de estarem todos empalados...
Reparei que todas as varas tinham uma inscrição, "sapere - tenere - potere"!

Havia oradores, que também empalados, diziam palavras extraordinárias de ordem, de incentivo, de glória, honra e até mesmo esperança... No entanto ninguém lhes parecia dar grande atenção com excepção dos que aguardavam que eles terminassem para eles próprios começarem as orações deles...

Bastante assustado ia passando entre eles observando aquele espectáculo dantesco. De dentro do ventre de uma mulher um feto coloca a cabeça para fora gritando muito zangado e indignado!... Morde-me voraz. Da ferida causada pelas dentadas no meu braço escorreu... Incompreensão, admiração e um pouco de escárnio...

Reparo também que ali andam alguns animais, também eles um pouco assustados. No entanto não estão empalados. Têm um comportamento normal com excepção do facto de morrerem muitos e sem razão aparente. Passado algum tempo de eu por ali andar ouço uma voz nos altifalantes que dia:

"Informamos o senhor, que terá de escolher o local onde pretende fixar a sua existência. Não poderá manter-se mais tempo a por em risco a ordem."

Estranho, vejo que já todos me olhavam identificando-me como sendo o "senhor" de que se falava no altifalante!

Reparo então, que eu próprio me encontrava trespassado por uma daquelas lanças... "


© Mário Rodrigues - 2010

CybeRider disse...

Grande Mário, os elefantes banham-se nas lágrimas que ainda nos falta beber.

A renovação do mundo é um mistério difícil de decifrar.