terça-feira, 9 de junho de 2009

Meninos e meninas - Epílogo

Apanhei as hormonas com a revolução.

Como uma virose peçonhenta agarrou-se-me às entranhas e nunca mais voltei a ser o mesmo.

Ainda hoje confundo por isso a sensação de me revoltar contra factos políticos com a rebelião geracional descontrolada. Quando penso em política fico dividido, entre os juízos que faço serem à luz de ensinamentos pós-revolucionarios ou meras retrospectivas saudosistas da minha adolescência. Talvez até por isso o antagonismo político em geral me pareça, cada vez mais, bastante infantil.

A minha revolução interna, e suas consequências, compactuaram com mudanças sociais profundas. Se por um lado combati com fervor a minha timidez, em obediência a uma líbido exacerbada, fi-lo em paralelo com a aceitação implícita da destruição de valores românticos que a sociedade de então debelava, em prol da emancipação feminina e do eliminar progressivo, que ainda presenciamos, do conceito do bonus pater familias, ou a sua ampliação para um contexto mais vasto e justo do reconhecimento desejável de uma bona mater familias. O solavanco que o poder masculino levou no seio familiar, permite que surja a aplicação de todo um conjunto de direitos exercidos pelas mulheres em desprestígio do que foi considerado senso comum.

A moda acompanhou estas alterações pouco subtís. A maneira feminina de vestir, que definia na cabeça do homem uma multiplicidade de conceitos sexistas acerca de qualquer visada, abandonou arquétipos, confundindo subitamente a forma como o macho desta espécie passou a olhar para o sexo oposto. Posteriormente, durante alguns anos, a toilette mais arrojada definiu, para uma camada mediana pouco esclarecida, algumas pessoas do sexo feminino como autênticas almas levianas aos olhos da sociedade, apenas pela forma como exibiam de forma mais liberal os seus melhores ou piores dotes físicos, conforme partilhavam costumes até então típicamente masculinos, ou como se sentavam a uma mesa de café para uma amena cavaqueira com elementos do sexo oposto.

A mulher portuguesa deixou também, aos poucos, de ser vista socialmente como um desejável modelo de todas as vitudes, para se determinar; vindo a partilhar com o homem o protagonismo das vilezas mais mundanas e dos prazeres mais proibidos. Esta profunda reforma social, que recordo se iniciou a par com uma fase crucial do meu desenvolvimento enquanto indivíduo sexuado, não deixou porém que a minha grande admiração pelo sexo oposto esmorecesse, trazendo no meu caso novos desafios que penso que superei.

As turmas escolares passaram a ser mistas, o que contribuiu significativamente para desenvolver capacidades de comunicação, e apreciação entre ambos os sexos, desde cedo. A breve trecho assistiu-se a uma mudança relativa na forma como pessoas de sexos opostos, com diferente grau de instrução, conviviam e partilhavam uns com outros os valores típicamente femininos ou masculinos, havendo uma clara tendência de homogenização nos mais instruídos.

Estas diferenças são ainda residuais na sociedade hodierna. E é nesse contexto que aceito que possa haver quem discuta uma eventual "Guerra dos Sexos" que na realidade não revelará mais que um tremendo equívoco, e eventual falta de poder de análise, face aos valores partilhados por homens e mulheres no quotidiano.

Os jogos de sedução alteraram-se e os sinais que antes eram explícitos para aproximar pessoas que viviam numa sociedade aparentemente pudenta, hoje servem para ridicularizar os menos atentos. As formas de aproximação são outras, e os valores podem parecer confusos para quem não se actualizou ou não se sentiu no dever de alterar formas pessoais de abordagem, vendo-se estes actualmente em situações que denotam, para desencanto da estirpe masculina, uma total desarticulação.

A novidade do comportamento de uma facção, que se encontrava subjugada, para um clima de liberdade relativamente recente, levam a que se questionem capacidades, se comparem desempenhos se analizem comportamentos, face à realidade anterior. Por seu lado as escolhas passaram a ser ainda mais ambivalentes, e hoje as mulheres decidem-nas activa e directamente, de forma por vezes menos monogâmica e por isso mais equitativa, substituindo o poder de mera recusa de que apenas beneficiavam anteriormente, sem que se vejam repudiadas socialmente por isso.

A meu ver nada permite concluir que algum dos lados possa ganhar uma pretensa guerra, porque não existe, a não ser como forma de masturbação mental. Até que isso acontecesse de novo haveria que desequilibrar direitos, deveres e competências, para um ou outro lado, mas ao ponto em que estiveram no antigamente.




© CybeRider - 2009

12 comentários:

Pepita Chocolate disse...

Parece que mais uma vez, volto a inaugurar aqui esta caixinha! :)

Como dizia o poeta, "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades", mudam-se os hábitos, os comportamentos, a modas que vêm e vão. Os vícios, as dependências também saltam mais à vista.

Falas em particular da revolução feminina que saltou aos olhos de todos. Para uns, bem vista porque permitiu nenos esforço da imaginação e regalar a vista com inimagináveis pedaços outrora escondidos.
Para uma sociedade ostracizada, a revolução veio só para o panorama político, porque existiam cérebros pouco revolucionáveis ou passíveis disso! Porque as mentes não andam todas ao mesmo ritmo e os seres eruditos seriam coisa rara neste país à beira mar plantado!

As mulheres que nas Sagradas Escrituras - só obedecidas pelos homens no que lhes convinha- seriam um ser servil,serviçal, de cérebro pouco dotado a pensar, passaram a ser de ideias próprias e dispostas a avançar com elas.

Esta emancipação da mulher terá sido um pulo muito rápido para os homens de vistas estreitas.Mas um grande passo para que o mundo evoluisse para a igualdade de direitos e deveres!

A guerra dos sexos não existe. Foi criadas por homens com complexos de inferioridade e mulheres com complexos de superioridade.
Não devemos seguir em lados opostos, mas seguir em frente, lado a lado!

Anónimo disse...

Muito bom texto da série toda!

Nirvana disse...

Mais uma vez, um texto fantástico.

Hormonas e revolução. Mas que grande confusão! :)

A emancipação ou "despertar" feminino foi, sem dúvida, uma autêntica revolução social. A mulher deixa de lado o seu aspecto considerado "feminino", decorativo, para assumir um papel importante na sociedade. Importante não será a melhor palavra, uma vez que esse papel sempre o teve. Afinal, os homens eram criados pelas mulheres, enquanto mães, e ao longo da história estas sempre influenciaram as suas decisões, embora de forma velada. Passa a ter um papel activo, uma voz, direito a expressar a sua opinião, a ser dona da sua vida. A economia familiar já não depende unicamente do homem e já não se espera que a mulher fique em casa a tratar do lar. As prioridades mudam e arranjar um bom casamento deixa de ser a maior prioridade. Começam a ganhar terreno, a progredir profissionalmente... Pelo meio disto, julgo que houve muita confusão, havendo a ideia de que se assistia a uma inversão completa de valores. Cometeram-se exageros, como se continuam a cometer hoje em dia.
Eu acho que o termo "guerra dos sexos" é um perfeito disparate. Acho que os homens e as mulheres são diferentes. Nem piores, nem melhores, apenas diferentes. A diferença não é o oposto de igualdade. A igualdade significa que homens e mulheres devem ser iguais no que diz respeito aos seus direitos e possibilidade de poderem expressar e concretizar os seus objectivos e potencialidades. A diferença reside no facto de sermos efectivamente diferentes, com características inatas a cada um, maneiras de pensar e de agir diferentes. Se pensarmos que toda a nossa informação genética está contida nos cromossomas, e que o cromossoma y e x são diferentes, como poderíamos ser iguais? Eu prefiro o termo complementares.
Penso que o real problema entre homens e mulheres hoje em dia não tem a ver com o género masculino/feminino, a dita "guerra", mas sim com as pessoas em si, com a perda de alguns valores, de menor tolerância, de maior egocentrismo.

E lá estou eu a exagerar no tamanho do texto outra vez. Sim, característica tipicamente feminina...

Beijos e parabéns pelo texto!

CybeRider disse...

Olá Pepita,
Tenho muito prazer nas tuas inaugurações. Por vezes parece difícil quebrar o gelo. É um defeito que ainda tenho que corrigir. Muitas vezes falta-me aquele "click" e depois constato, arrependido, que alguém acabou por me tirar as palavras (da boca) dos dedos. :)

Concordo com a ampliação das vistas, que apesar de tudo não deixa de ser uma fonte de frustrações.

As mudanças socias são lentas, requerem interiorização de ideias, pode decorrer o espaço de gerações até que determinados conceitos possam ser aceites na sua plenitude.

Lamento que formas de pensar que se verificam na nossa sociedade, principalmente a igualdade que referes, esteja por aplicar numa imensa extensão de mundo. Nem tudo é mau neste cantinho à beira mar plantado.

Interessante o teu último parágrafo... Tentei inverter as permissas, não funciona ao contrário... O que mostra que de facto deve haver muitos a pensar como nós. Para a frente é que é caminho!

:)

CybeRider disse...

Eduardo P.L,

Antes de mais agradeço o interesse que demonstra por este modesto cantinho, tendo em conta que sou um principiante em comparação com a sua vasta experiência. :)

Estimo a sua apreciação particular ao texto. Como compreenderá, não tenho preferência especial por nenhum dos três. Penso que será um pouco como o que um pai sentirá em relação a três filhos... Todos diferentes, quero-lhes o mesmo.

Reconheço que este é mais analítico, conclusivo por natureza.

Aos outros reconheço-lhes porém um pouco mais de rebeldia, que muitas vezes suscita menos consensos; o que não deixa de me agradar também, por motivar mais juízos, e consequentemente, talvez mais diversão.

Sinta-se em sua casa.

Um grande bem-haja!

the dear Zé disse...

É pá, agora deixaste-me aflito, fiquei com a sensação que preciso urgentemente de fazer um upgrade a isso dos jogos de sedução. Por isso isto tem estado tão... ineficaz.
E agora a sério, isso da "guerra" é, como o dizes, um grande treta. Só que há gente, homes sobretudo, uns filhos da puta de homens, que pensam que estão mesmo em guerra e que por isso -e este é que é o problema- produzem vítimas, mesmo mortais. É ver as estatísticas que, para nossa vergonha, não descem nada, pelo contrário. Nessas cabeças de me## (ia dizer outro palavrão e não quero abusar aqui na rua casa) não hove nem revolução nem qualquer tipo de evolução e são ainda, tristemente, um retrato ainda muito nítido deste país. País que navega a muitas velocudaes paralelas e, como tal, esquizofrénicas.

Bom, vou-me embora senão não me calo. Fica o abraço.

CybeRider disse...

Olá Nirvana,

Foi como dizes, um dos aspectos que mais se sentiu na sociedade. Um dos problemas maiores desta adptação ainda persiste. A estrutura familiar mudou e o poder político não teve ainda capacidade de resposta para muitos problemas que surgiram com essa alteração. Havia anteriormente um conceito de família que permitia aos mais carenciados uma maior protecção domiciliária do que existe hoje. Com horários sobrecarregados, estão por resolver muitos dos problemas decorrentes da necessidade das famílias modernas fazerem face às novas conjunturas da economia familar que referes.

Há diferenças que não nego, e ainda bem que as há. A complementaridade é fundamental e não apenas a nível biológico... Mas este caminho é algo pantanoso, sendo que muitas vezes temos que aceitar situações abaixo das ideiais, que se mostram melhores que muitas das pretensamente ideiais existentes, que acabam por se revelar desastrosas. Isso extravasa porém o âmbito dos textos para limites que desconheço e me dividem na sua avaliação, nomeadamente em relação à liberdade de escolha individual... Assunto controverso...

Não creio de facto que exageres no tamanho do texto. Assustas-me quando dizes que essa característica é típicamante feminina. Estás a comentar isso ao tipo que já descobriu qual é o limite de caracteres de um comentário. Não te vou dizer qual é, mas garanto-te que ficaste muito longe... E lá me fazes ir emborcar um bagaço para me sentir mais macho. :)))

Beijos, obrigado!

CybeRider disse...

Caçador, não te preocupes, que às vezes o software mais antigo ainda é o que está menos sujeito a contaminações, além disso temos que ter em conta se o harware estará à altura dos upgades mais actuais. Mais vale aguentar as coisas a funcionar do que dar cabo da máquina.

É como dizes, mas muitas vezes é a falta de diálogo, e o tempo que se perde a falar de outros assuntos que nos afastam do que é deveras importante, que levam a que a sociedade não evolua no sentido desejado.

Em relação ao resto, abusa sempre que tenhas vontade, esta casa, como sabes, é tua.

Um abraço!

Soraia Silva disse...

(um à parte)
Quando penso na politica,
Acho tudo uma MERDA (desculpa lá o termo),
Acho tudo uma fachada,
Acho que são bocas de falsidade,
Acho que não passam todos de uns interesseiros a pensar só no seu umbigo,
Acho que foi por tudo isso e por mais qualquer coisa que não votei em ninguém,
Acho (acima de tudo) que neste aspecto gostava de ser criança, para ainda não perceber tais coisas neste "mundinho"...

Agora...
Muito sinceramente, ainda bem que – por um lado – os hábitos mudaram.

Hoje uma pessoa é muito mais liberta, tem outras maneiras de pensar, tem um poder autónomo (ambos os sexos), pode-se ter as suas escolhas (seja roupa ou outras coisas quaisquer) sem sentir um mau olhar do outros (afinal já são coisas muito comuns de se ver), pode atrever-se a arriscar, mesmo errando, porque já não será mal vista (é apenas mais uma)...

Embora hoje em dia, AINDA se vê pessoas com muitos preconceitos, do género:
" O X, olha aquele rapariga, olha para a saia dela, olha-me só aquele cabelo", "por amor de DEUS, mas que decote, parece uma oferecida" etc etc

A mentalidade de hoje em dia já não é assim, porque tudo isso passou a ser comum, o dia a dia de muita gente, e principalmente porque quando é a mulher a agir, já não passa apenas de uma decisão do homem ou de um dever do homem...

Mas infelizmente há quem use o "comum" (por exemplo, falando de roupa), para outras ideias mais "levianas", para uma mente perversa...
Hoje já qualquer coisa serve, já não se precisa de ter algum valor "o que vem à rede é peixe".
Hoje já se pode trocar as coisas (namorados por ex), como se estivessem a trocar de cuecas...
PORQUE HOJE, TUDO PASSA A SER COMUM, E O QUE DANTES ERA VISTO COM MAUS OLHOS, HOJE É INDIFERENTE...

Eu apesar de gostar mais desta “modalidade”, por vezes julgo que nalgumas coisas preferia viver aquilo que não vivi (o tempo antigo).


beijinho :)

CybeRider disse...

Olá Soraia!

O teu "à parte" condiz com o que a maioria dos portugueses estará provavelmente a pensar. É pena, mas é verdade.

Não deixa porém de ser curioso que as mudanças sociais que ocorreram e que nos dão o direito a esta liberdade que temos que saber manter, e que nos permite discutir uma grande parte dos assuntos que vemos a correr livremente pela blogosfera, tenham tido origem nas mudanças políticas que ocorreram no país depois de 1974.

É preciso que os portugueses não se zanguem com a política para que a política não se zangue com os portugueses. Votar é por isso necessário. É a única forma que nos resta de manter a democracia. Esta por sua vez é a única forma de podermos afirmar que não somos perseguidos pelas nossas opiniões e pelos nossos costumes e ideias.

É a tranquilidade de sabermos que existem mecanismos de garantia destes direitos que assumimos automáticos, que nos leva a pensar que as eleições são inúteis.

Todos os sistemas terão, eventualmente, coisas más e coisas boas, os sistemas políticos antigos terão tido as suas virtudes. Muitas das coisas erradas, de hoje, que nos fazem querer ter vivido no passado, são contrabalançadas por muitas outras muito boas, que temos hoje, e nos farão daqui a anos agradecer termos podido viver neste tempo. Temos que ter esperança e lutar contra o que achamos errado.

Beijinho :)

Soraia Silva disse...

Nao posso lutar por aquilo que é contra a minha natureza, o meu ser...
lutar por isso, ou apoiar faz de mim igual a essas pessoas, aquelas a quem critico.
e se um dia eu preferir ter vivido estes tempos, nao deixarei de ser a mesma, e farei as coisas à minha maneira, mesmo sem apoios ou contra as leis...

sou assim...

beijo :)

CybeRider disse...

De diferentes pontos de vista se faz a democracia. Ir contra as leis é sempre possível, costumo dizer que ninguém é obrigado a nada, há coisas que devemos fazer e coisas que não devemos fazer.

O Bem e o Mal são conceitos diferentes quantas as pessoas.

"Poder" fazer as coisas é diferente. E podemos, de facto, fazê-las todas, em qualquer regime. As consequências, contudo, serão diferentes.

Pelo meu lado congratulo-me que ninguém seja obrigado a aceitar nenhumas regras de jogo, nem sempre assim foi.

Ir contra a lei? Claro! Em todo o mundo milhões fazem-no todos os dias. E muitos pagam também por isso...

É outro jogo. Eventualmente mais arriscado.

Há uma regra no entanto que respeito: A minha liberdade termina onde a dos outros começa. Isso já me limita bastantes ilegalidades.

Suponho que todos estamos preparados para enfrentar injustiças e fazer lei com as próprias mãos, depende do ponto até ao qual formos pressionados.

Beijinho! :)