segunda-feira, 25 de maio de 2015

Espelho d'aço

Por duas vezes, duas, no espaço de um mês, sou confrontado com um maluco a atravessar a passadeira no momento em que o semáforo abre para mim, nem o mesmo maluco, nem a mesma passadeira, na minha cidade. Por duas vezes, duas, fico parado à espera que cada maluco atravesse. Tenho pressa, a vida é muito curta e sei que o tempo se pode acabar aqui. Penso que podia ser eu um daqueles malucos se ficar um bocadinho, só um bocadinho, mais maluco, talvez já ali à frente, no próximo cruzamento que tenha um semáforo, não o mesmo, outro, que aquele já está ocupado. O outro maluco babava, arrastava os pés, inclinado para a frente num ângulo impossível, o olhar vazio em frente, não me viu. Este desenhava corações no ar, enquanto falava com os pássaros numa linguagem que só eles entendiam, olhou-me como se eu fosse um pássaro, mas não falou para mim. Por duas vezes, duas, o motorista atrás de mim, nem sempre o mesmo, e verifiquei bem que não era o mesmo, que ainda me lembro bem do outro, tanto quanto me lembro bem deste, buzina e dirige-me impropérios, nem sempre os mesmos... Ainda tenho calma, nem sempre a mesma, mas ainda tenho esse nível de maluquice. De cada vez acabo por avançar, depois de cada maluco a salvo, e fico a pensar que afinal o maluco sou eu, talvez nem sempre o mesmo, mas sou eu decerto. Quis ali e além ser um polícia, cheio de galões e medalhas, e ter um cassetete de borracha muito longo e um outro de aço, mais curto, para que todas as minhas crianças e as deles me vissem ali e além ganhar o próximo semáforo, logo ali à frente.

© CybeRider 2015

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