Quem quer saber sobre o jardim onde passeio?
Já vos falei da rapariga do fato de treino rosa? Sim, bem me parecia… Mas não vos falei do coreto, nem do rio maravilhoso que se avista cheio de barquinhos de papel, ou não, talvez papel ainda grosso em toros de madeira bruta, a aguardar que a imaginação os lamine. Só vendo de mais perto.
O laguinho com peixes dourados e cágados; pois, com acento, para acentuar a diferença. Os cágados, assim acentuados, são pequenas tartarugas que espreitam entre os nenúfares e que se escondem de timidez ao menor movimento. Quando a água do lago está limpa pode-se vê-los a desaparecer num nadar bamboleante para se esconderem nas rochas do fundo, perante a indiferença dos grandes peixes dourados. A água filtra a imagem dando-nos a sensação de que tudo é bem maior. Os grandes peixes são afinal bastante mais pequenos, mas como poderei explicar de que tamanho são os peixes? Digamos que ficariam mal num tacho de caldeirada mas preencheriam a rigor uma caixa de filetes enlatados, tirando a cabeça e as barbatanas, seria isso.
Ainda sou do tempo… Que sou, de facto. De todos os tempos, mas recordo quando o coreto se enchia de musica e a turba se acotovelava, adomingada, para escutar as melodias fanhosas que emanavam dos metais. Não me consta que os peixes ou os cágados, assim com acento pois claro, espreitassem entre os nenúfares. Só nós, ficávamos ali impávidos a olhar, com as cabeças de fora, sem chegarmos às copas das frondosas árvores que sombreavam a calçada e as flores surdas.
Não vos falei das fieiras de casinhas brancas, oitocentistas com telhados de quatro águas, que circundam o jardim, nem da forma intensa como a sua cor branca salteada de amarelo tende a subverter o anil da água do rio que ali já é do mar. Nem dos cães, nem das aves que pousam nas tais árvores de copas inalcançáveis, que subvertem o passeio e os fatos imaculados dos que escutam a banda do coreto; os cágados, assim com acento, ficam serenos perante os cágados sem assento, que a pé se besuntam com os dejectos dos cães, vadios mas gentis e independentes, e se maculam pelas aves que os escolhem à minúcia para lhes tingir as vestes. Nem dos assentos raros, onde as mães trocam as fraldas, sujas sem acento, dos bebés que choram a reclamar do tal som fanhoso que emana dos tais metais, nem do exalado aroma, imperceptível pelo perfume que paira das corolas expostas aos domingos de Primavera.
Hoje passei pelo jardim onde o coreto alimenta as pequenas ervas que brotam do lajedo onde os sapatos dos músicos costumavam marcar o compasso. Não há peixes no laguinho, foram substituídos por pacotes de tons metálicos, já sem batatas. Os cágados teriam assento, porque ninguém se senta nos banquinhos do jardim. E o aroma é do peixe grelhado.
À porta do restaurante daquela rua antiga vejo-as a grelhar, as sardinhas gordas que encheriam uma lata, sem a cabeça nem as barbatanas. E fico a pensar se não serão afinal aquelas sardinhas douradas os peixinhos que me levaram do laguinho do meu jardim.
© CybeRider - 2009