quarta-feira, 11 de maio de 2011

Caixinhas

Assim que nasceu puseram-no delicadamente numa caixinha.

Adoraram-no, mimaram-no, deixaram-no crescer. Já vinha de longe o costume de encaixotar as preciosidades.  Encaixotá-las e escondê-las das vistas alheias e dos perigos emergentes do meio, como se se pretendesse guardá-las para sempre. Ao longo de milénios foram aprimorando esse sentido de apreciar mais e mais os seus rebentos, guardando-os em caixinhas, umas um pouco maiores outras um pouco menores, à medida das possibilidades, mas sempre com o mesmo intuito. Faziam uns com os outros o mesmo que faziam com os seus ridículos haveres; guardavam tudo em pequenas caixinhas, maiores ou menores, mais ou menos bonitas, à medida das suas possibilidades, à medida exacta do que cada um podia carregar, ainda que não fosse para levar para parte alguma. Já ninguém questionava a razão de viverem em caixinhas, de onde saíam apenas para desempenhar papéis que lhes eram atribuídos e pagos pela comunidade que trocava desempenhos, sem nada criar que não tivesse como objectivo a construção de novas caixinhas, meros guarda-jóias.

Aprenderam a deslocar-se em caixinhas também, algumas serviam-lhes mesmo de habitação. O ciclo repetia-se, nascer, encaixotar, crescer, encaixotar, reproduzir-se, encaixotar.  

Neste desvelo não percebiam que a singularidade se perdia, a ausência de contacto motivava o individualismo e fomentava a prepotência de cada um a uma anti-sociabilidade atroz. Convencidos da sua singularidade consideravam-se superiores a todos os seus iguais, que viviam noutras caixinhas, ainda que as suas diferenças fossem apenas fruto da sua própria imaginação. A massificação, que produzia incessantemente batalhões de clones, levava a que todos fossem redutíveis a um denominador comum. Não eram afinal as preciosidades que se consideravam; eram, sem que o sentissem, meras vulgaridades sem valor com o intuito subliminar de se autodestruírem nessa corrida insólita de conquista de caixinhas.

Na sua busca pela diferença ele percebeu que a sociabilidade artificial em que vivia era ilusória e decadente. Numa tentativa desesperada de encontrar uma explicação para a sua miserável existência compreendeu que todos os seus amigos eram, como ele, anti-sociais, individualistas, iludidos por uma pretensa preciosidade que ninguém tinha. Deduziu que todos os seus actos honestos não recebiam o agrado de quase ninguém, por serem incompreendidos, por vezes,  mas simultaneamente demasiado singulares,  tão comuns que não sobressaiam do ordinário, como tal incapazes de causar impacto. Incapaz de se vender, ou por falta de génio talvez, foi-se fechando cada vez mais na sua caixinha, resignado, rodeado de virtualidades inúteis e desumanas, enquanto assistia ao soçobrar do mundo à sua volta.

Um dia encontraram-no imóvel, dentro da sua caixinha; levaram-no, fecharam-no noutra caixinha e enterraram-no num pequeno espaço do subsolo saturado de pequenas caixinhas, ocultas dos olhares devassantes, todas cheias de preciosidades, como ele.           

© CybeRider - 2011

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