sábado, 19 de dezembro de 2009

Uma cadela em Copenhaga

Levaram-me a bicha para o estrangeiro.

Maganões... Que ali sim, a iam exibir num concurso da especialidade. Iam-lhe medir os quadris, a altura ao garrote, a beleza do pêlo; em suma aferir-lhe o estalão. Cá fiquei inquieto, eu que a trato tão bem, nem me convidaram. A mim disseram que não, que lhe dava maus tratos, que não a livrava das pulgas e que a admoestava à paulada. Mentiras!

Fiquei a seguir o evento pela televisão. Sentado, felizmente, de manta sobre os joelhos, que faz frio. Começaram por escová-la a preceito, depois analisaram-lhe o sangue, e concluíram que estava em mau estado. Precisava de uma dose cavalar de vitaminas. De início ainda acreditei que iam tratá-la, mas começou a chegar-me aos ouvidos o relato acerca das condições miseráveis em que a mantinham no canil, rodeada de excrementos, à mercê das intempéries.

Ah, vil malandragem, então foi para isso que ma levaram?... Melhor fora que ma tivessem deixado, pelo menos sempre poderia acreditar que afinal não soubera eu tratar dela.

Tenho aqui condições. Não sou um industrial, aliás já pouco produzo. Os europeus levaram-me os barcos, pagaram-me para derrubar as laranjeiras que lhes impediam as vistas para o mercado, enfim pouco mais faço que alguns serviços. Chamam-me agora europeu também, a mim que mal os entendo. E querem que fale com eles de igual para igual, mas cerceiam-me os direitos e impõem-me deveres, que para cumprir tenho de forrar em capas de plástico, daquele que eles produzem. Não posso usar os meus métodos tradicionais que lhes chamam bárbaros, acabo por me ver grego...

- Anda cá, Terra!

Chamo-a, mas não me ouve. Está longe a minha cadela, a alimentar uma ninhada de cachorros gordos. As pulgas bem cravadas na pele já em crosta sugam-na até ao tutano. Foi para isso que me afastaram, que não quiseram que me aproximasse, para não poder ver. E ainda dizem que sou eu o culpado. Culpado de quê? Acaso serei eu que a sufoco com o fumo da minha lambreta? Sou eu que a asfixio, que não lhe deixo espaço, se a minha casa fica cada vez mais vazia? Certo é que já quase não tenho com que a alimentar, talvez por isso me foi mais fácil vê-la partir.

Mandaram cicerones a acompanhá-la, mas os coitados não se apercebem de como são pequenos, eles também, como o país de onde partiram. Confundem-nos com as pulgas que infestam o pêlo da minha cadela, e eles fazem-se importantes e crescem para aquelas feras malditas, mas estas sabem que eles, assim como a cadela, mesmo que ladrem também não mordem. E os coitados lá vão andando, ridículos, de rabito entre as pernas.

Não pode a cadela com tanto cachorro...

Ai Terra, Terra... Vejo-te de língua de fora. Infelizmente hei-de, por este andar, ver-te a deitar os bofes pela boca...


© CybeRider - 2009

26 comentários:

Pepita Chocolate disse...

Desculpa se dou pouco atenção ao animal de estimação... hei-de dar, hei-dar... não irá morrer de inanição, assim o espero.

Qual foi a notícia e que eu não dei, que nem eu própria consigo ter acesso ao link? ( agora estou curiosa com o que me reservaste lá pelo Queque.Algo diferente, como só tu consegues achar...)

Fico à espera, deve estar incompleto o link...sei lá!

Beijoca e até já!

CybeRider disse...

Está bem, já verifiquei, mas deixei outro.

Beijoca!

Nirvana disse...

Cybe

Em primeiro lugar, obrigada pelas gargalhadas que me proporcionaste! Este Cybe é demais!, o pensamento do dia! Só tu, mesmo!! Um momento único!!

Em segundo: ai Terra, Terra e terra, terra, que já nem sabemos muito bem onde estamos! Tu viste-te grego, a maioria de nós , acompanha-te na "greguice", acho eu, se os défices assim o permitirem, porque pode acontecer que nem tal seja possível!
Estaria melhor a cadela em sua casa, digo eu. Para Copenhaga, só se fosse em passeio.
É impressão minha ou ficou tudo igual. Espero que seja impressão. Afinal, sou um bocado distraída.

Beijinhos, Cybe!

the dear Zé disse...

Fuego!!

shark disse...

Por falar em cachorro, passas-me a mostarda?
:)

Gemini disse...

Sendo ela uma comum mortal, Cybe, quero ver onde a irás enTERRAr, que se lhe adivinha a hora precocemente!

Foi para isto que eles estudaram, que "tiraram" "veterinária"?! Antes os queria políticos, estaria justificada a incompetência...

De bichos percebo eu, mas estes senhores "nem fazem o que eu digo, nem (muito menos) fazem o que eu faço".

Também tenho uma dessas, Cybe - a minha Lua - Já a visitaram algumas vezes. Agora percebo o que querem; levar-ma, para a tratarem como à tua Terra...

Não foi isto que lhes foi ensinado pela Mãe - Natureza fraca, a destes filhos!

:(

CybeRider disse...

Olá Nirvana!

(Espero que estejas melhor do resfriado!)

Não foi para agradeceres. Um sorriso nestes dias cinzentos sabe sempre bem, e eu limitei-me a tentar. :)

Quanto à bicharoca, não adianta reunirmos os sábios à volta dela, tem que cuidar dela quem a sinta sua, e estas acções tristes só servem para nos distrair dessa competência. Ninguém cuida melhor dos seus bichos por obrigações impostas, há que primeiro amá-los. Esse deveria ser o primeiro passo, fazer-nos entender que a Terra precisa do nosso carinho, que ela saberá retribuir. O resto são meros jogos de interesses, a que já estamos habituados, mas ali em larga escala.

O resultado justifica em pleno que o Inferno esteja cheio de boas intenções, porque de facto nunca o foram. Querem fazer dela sua, mas ela é de todos nós.

Beijinhos, Nirvana!

CybeRider disse...

Caçador,

Apaga!!! Senão vai-se o resto!

:)))

CybeRider disse...

Ó Shark, e se ela te chega ao nariz? Lá ficas com a quadra estragada, méne!

Estes são para comer mesmo assim, sem molho.

:)))

CybeRider disse...

Olá Gemini!

Este é daqueles assuntos em que melhor seria cada um ter plena consciência dos seus actos, e por detrás de cada acto está de facto "alguém", como referes.

Por mais que compreenda a nossa natureza pandémica, é biologicamente estúpido matar o hospedeiro sem que tenhamos encontrado outro, porque isso determina o fim da nossa espécie, ainda que outros valores não houvessem, nem se considerassem os princípios cristãos que nos limitam desde pequenos (queiramos ou não, as dicotomias bem/mal são-nos incutidas por tradição à imagem cristã), ainda assim quem governa o mundo deveria estar atento a este facto incontornável da biologia.

A Lua foi um passo na tentativa de encontrar outro hospedeiro, a natureza repete-se nas intenções dos micro até aos macro-organismos, mas estamos a perder a corrida neste egocentrismo que nos cega como espécie, e vamos arrastar todas as outras no processo. Não falo do belo, do amor, da poesia, falo também dos ensinamentos da Mãe.

Infelizmente a natureza deles até acaba por ser a nossa. Quando for tarde para uns sê-lo-à para todos.

:(

Abraço!

escarlate.due disse...

prometo que venho ler o post. prometo mesmo e sempre cumpro uma promessa. mas hoje Cyber é mesmo só para desejar um Feliz Natal!

Nirvana disse...

FELIZ NATAL, CYBE!!
Beijinhos

CybeRider disse...

Obrigado Escarlate! Que seja também muito feliz para ti e para os teus!

CybeRider disse...

Obrigado Nirvana! Retribuo-te os votos!!

Beijinhos

Milu disse...

CybeRider!

Venho desejar-te que passes um dia de Natal com muita saúde, o bem mais preciosos que podemos ter e para todos aqueles a quem mais queres!
Um beijinho da Milu.

CybeRider disse...

Olá Milu!

Igualmente, para ti e para os teus. Que este dia seja cheio de felicidade.

Beijinho

mfc disse...

Uma bonita e muito verdadeira alegoria!

Que tenhas um grande grande 2010 com tudo que desejas!
Toma um abraço.

the dear Zé disse...

É pá, devagarinho. Explica lá isso de quem deixar quem... Não percebi muito bem e faz-me comichão...

CybeRider disse...

Olá mfc!
Obrigado, pela interpretação e pelo abraço que retribuo com emoção!

Que também o teu 2010 seja fantástico, isso tornará o meu um pouco melhor.

CybeRider disse...

um tal de Caçador! :)

Somos isso pá, não há volta a dar. Virulentos e perigosos. Suicidas com a pressa, ao menos que chegássemos a Marte, mas esse ainda está verde, faltam-nos uns milhões de anos, haja paciência.

Comichão... pó de talco, sei lá!

Abraço!

TROLL disse...

O Troll deseja-te um melhor ano novo, sem tantas razões para inquietação e se possível com as melhoras para a Terra.
http://blogue-do-ogre.blogspot.com/2009/12/monsenhor-matos.html

CybeRider disse...

Obrigado Troll! Para ti e para os teus um fantástico 2010 também.

Nirvana disse...

Olá, Cybe :)
Venho apenas lembrar-te para entrares com o pé direito no novo ano ;), que é como quem diz, da melhor maneira possível. Espero que 2010 seja um ano excelente.

Por aqui, deliciei-me em 2009. Desde passeios com algodão doce e gomas a anoitecer mais cedo, a ser selvagem por um dia ou muitos, já agora, posso dizer-te que foi muito, muito bom para mim.
Sei que não acreditas no acaso, mas se eu encontrasse o acaso que me trouxe aqui, dava-lhe um abraço!!
Mas, como o acaso parece não existir, até porque imagina o que eu teria perdido se não tivesse encontrado este lugar, deixo-te um abraço para ti, especial.

BOM ANO, CYBE!

CybeRider disse...

Olá Nirvana,
Sempre tão gentil com este teu amigo! :)

Recordo-me, de facto... Já nos conhecemos desde finais de Abril. E ainda bem porque me proporcionaste a possibilidade de me surpreender tantas vezes com as ideias que descreves e que nos guiam por caminhos sempre imprevisíveis.

Há-de ser um bom ano, não será por acaso, mas boas razões não faltarão.

Retribuo-te o abraço, especial sem dúvida. Tens-me dado por aqui muito alento para continuar.

Mário Rodrigues disse...

Mas, mas meu bom homem, ela era tão linda! E tinha mamas para todos o cachorros! Terá ficado prenha de lobo raivoso? Ou terá caído nas mãos de apostadores de corridas que sem verem que destroem a sua subsistência, a exploram em correrias até à exaustão?

Terra, bicha, chega-te aqui! Vem cá meu derradeiro animal...

Um abraço

CybeRider disse...

Ninguém a trata como quem a ama, Mário. Ninguém!... Não venham os doutos veterinários dar-nos lições. É de cada um de nós que a festa na cabeça tem de partir, mas tem de ser feita a partir do coração. Não há livro de instruções para isso.

Enquanto houver quem consiga mandar uma beata para o chão da rua... Não vamos lá...

Um abraço!