domingo, 17 de janeiro de 2010

Que as há... Há!

É moderno duvidar se existe ou não.

Menos será afirmar que um católico pode ser "não praticante". Assim como ter sido condenado à pena máxima e continuar a circular livremente pelo mundo. Como eu, mas afirmo-me inocente de toda a culpa, como todos os condenados, aliás. Haverá alguém culpado de alguma coisa? Do catolicismo menos ainda. Foi algo que nos foi oferecido de bandeja por quem talvez nem acreditasse, mas que pelo sim pelo não...

Como acreditar que alguém nos governa de uma dimensão supra-terrena. 

Pelo sim pelo não, recordo uma obra recém-lançada em que uma testemunha de sinal na testa afirma que sim Senhor; para o anatemizar com as maiores injúrias, pensei eu que tenho memória curta. Meio divertido li, hei-de reler, mas li e compreendi os que não leram como eu li; que há quem acredite que existe e que veja mal visto o facto de se lhe apontar o dedo, talvez pelo medo de represálias ou por temerem que, pela concórdia, já não lhes coubesse o sofá mais confortável no céu, sem acreditarem que o ruído e a aragem dos aviões devem ser insuportáveis; ou talvez duvidem também disso, sem que o confessem.

Se por um lado acreditar no tal Senhor me parece já heresia à humanidade que sofre, acreditar no Diabo também não me convencerá a vender a alma que, para ser honesto, aposto que não tenho. Mas pelo sim pelo não, e por bom preço...

Porque as leituras nos contaminam, basta pensar na incredulidade com que nascemos e na estreiteza de pensamentos  que vamos adquirindo com o avançar das leituras, devo confessar-me bastante contaminado ainda. De repente dá-se aquela calamidade terrível naquele território longínquo e cismo se não seria represália ao livro do que já foi considerado o primeiro do mundo. É uma coincidência terrível... Outra razão não houvesse e tudo poderia ter sido até um mero passo em falso, uma distracção, um erro grosseiro do tal Senhor que se duvida que exista. E nem sei se era Sodoma ou Gomorra, se tinham discriminados casados ou por casar. Mas também ali se varreram repentinamente muitos milhares de vidas a eito; homens, mulheres e crianças.

Daqui passo a encarar a dúvida de que se tivesse tratado de uma técnica de vendas de proporção desmesurada e talvez inútil. Afinal o autor tem vendido tantos tão bem que não haveria necessidade... Mas sabemos nós lá os desígnios do tal Senhor!

Sei que, quando alguém refere a veracidade do que digo, não me exubero as virtudes com a vontade de realizar dez hiroximas; normalmente um simples "obrigado" basta, mas lá está: não sou eu o Poderoso. Ao autor que refiro reservo por isso um abraço fraterno, por considerar que não tem culpa pelo acto tresloucado a que deram origem as suas palavras. No seu lugar eu estaria ainda mais infeliz. Assim, não posso deixar de me ver transformado numa estátua de sal, por assistir imobilizado. Pelo sim pelo não temo pelo que alguém faça para me mostrar que terei alguma vez razão.

Quedar-me-ei a pensar se não será a minha a fronte manchada. E se não houver quem me mate?...

Surge-me esta vontade indómita de, pelo sim pelo não, ir a correr esfregar bem a testa. 


© CybeRider - 2010

25 comentários:

Nirvana disse...

E duvidas que as há, Cybe? Eu não...

Mas há assuntos sobre os quais tenho muitas dúvidas. Costumo dizer que não sou lá muito católica, e não sou mesmo. Tal como dizes, é-nos oferecido, transmitido como uma verdade absoluta, que não questionamos, até questionarmos. Depois, as questões sucedem-se, principalmente se confrontarmos o que diz o dito Livro e as interpretações que lhe dão, começando pelos que se consideram quase co-autores do mesmo pelo simples facto de fazerem da religião a sua profissão.
Uma maneira sempre cómoda de lidar com a situação é "ser católico à minha maneira", e será esse o objectivo principal, já que somos livres (e isso também vem escrito no dito livro). Dá-nos a oportunidade de vermos as coisas pelos nossos olhos, com os nossos óculos. Afinal, se somos responsáveis pelos nossos actos, e nos arriscamos a ser julgados por eles, melhor que seja por fazer o que acho que devo fazer e não por fazer o que me dizem que devo fazer.
E é em situações de calamidade como a que referes (que, se não é impressão minha, se abatem quase sempre sobre os que menos recursos têm) que ponho em dúvida a existência desse Criador, que, a existir, terá um sentido de humor muito duvidoso.Esta, entre outras tantas. Mas, não será ele responsável pelos actos do Homem, também.Destruir a obra da criação, não me parece muito bom, mas não construímos nós também tanta "obra" que destruímos num piscar de olhos?
Se não me engano, Sodoma e Gomorra tiveram uma hipótese de se salvarem. Terão eles tido alguma também? Duvido. Ou teremos todos nós, que aqui vamos embarcados neste barco que não é nosso, que não comandamos, que se dirige para um lugar extremamente perigoso, onde as hipóteses de voltar atrás são sistematicamente ignoradas por quem o dirige?

Beijinhos, Cybe

CybeRider disse...

Olá Nirvana! :)

Não tinha visto por esse prisma! Sei que isto acabou-se-me um bocado hermético, mas... Como direi?... A "razão" de que falo não é aceitação ou concordância, é racionalidade e compreensão de uma mesquinhez humana que, não se concorde, se aceita por ser irrefutável, principalmente por porvir do ente derradeiro, ou criador. A "veracidade" é a evidência do real, afirmada como incontestável. Neste contexto de facto recordo outro livro, este bem novo, feito pelas mãos de um, de facto apenas um, que considerámos já o melhor de todos "que já foi considerado o primeiro do mundo" como refiro; e estivesse eu no lugar do homem, a esta hora estaria a passar mal, por sentir na pele a responsabilidade de ter achincalhado Deus com uma obra que se chama "Caim", e que para os crentes poderia perfeitamente dar origem a esta represália do Senhor, tão ao jeito das grandes injustiças que o autor pinta na sua obra.

Porém acabo por olhar para tudo isto pela tua interpretação, que traz outra luz. Mas aí fico em desvantagem, porque conheces melhor o Livro que eu, que só li alguns trechos, apesar de ter na prateleira uma edição absolutamente lindíssima com uma encadernação fantástica, que foi das primeiras coisas que me recordo de ter comprado com proventos do meu trabalho há pouco menos de 25 anos, e que considerei já então uma absoluta extravagância, o mesmo sentimento que vou tendo pela crença que tantos move, talvez porque não compreendo como se pode deixar toda a humanidade a chorar em uníssono, tanta vez.

Dir-se-ia que as há, sem dúvida.

Beijinhos, Nirvana

escarlate.due disse...

bem... eu também sempre ouvi a celebre frase "que as há, há..."
mas sabes Cyber... já atingi aquela fase da vida em que as palavras de ordem são "se eu não zelar por mim, bem posso esperar sentada que alguém zele..." ou "vou vivendo um diazito de cada vez e amanhã logo se vê" até porque convenhamos que o tal ser superior deve ser um bocado dorminhoco ou distraido
mas quem sou eu para...
enfim... falemos só do livro... convenhamos que é uma obra excelente (por acaso o meu também tem uma excelente encadernação, oferta do pai como não podia deixar de ser) mas há outras obras igualmente excelentes que me seduzem muito mais :)

Gemini disse...

Espero que o "Caím" não tenha sido concebido nos destroços do terramoto do oceano índico, de 26 de Dezembro de 2004, para nascer agora. Não vá o ciclo viciar-se! E se o "Filho" tiver nascido às 00h de 25, nada como um 26 catastrófico para abanar os vivos, afinal, não é da natureza paterna o assassinato dos filhos? O leão, por exemplo, quando chega a novo território, limpa tudo quanto é cria, diz que acelera o processo para o coiso... Mas mata os dos outros...! Às tantas isto é tudo obra do Diabo, que é pai de outra "gente"!

"(...) Ou teremos todos nós, que aqui vamos embarcados neste barco que não é nosso, que não comandamos, que se dirige para um lugar extremamente perigoso, onde as hipóteses de voltar atrás são sistematicamente ignoradas por quem o dirige?"

Dizes muito bem, Nirvana, POR QUEM O DIRIGE! Ouviram já falar no livre-arbítrio, que também vem mencionado n'O livro que "toda" a gente tem?

"O conceito de livre-arbítrio tem implicações religiosas, morais, psicológicas e científicas. Por exemplo, no domínio religioso o livre-arbítrio pode implicar que uma divindade omnipotente não imponha o seu poder sobre a vontade e as escolhas individuais. Em ética, o livre-arbítrio pode implicar que os indivíduos possam ser considerados moralmente responsáveis pelas suas acções. Em psicologia, ele implica que a mente controla certas ações do corpo."

Em 2004, índigenas interpretaram na reacção de animais que alguma coisa estaria para acontecer e seguiram-nos. Esses animais deslocaaram-se para zonas altas, onde a onda gigante não chegou, e desta forma sobreviveram à catástrofe de então. Mas isso são eles, que estão anos luz adiantados em relação a nós!

Um grande abraço, que não duvido que aceites!

;)))

Gemini disse...

*aceitas!

(Pelo sim pelo não...)


;)))

MorTo Vivo disse...

Mais uma vez o dedo foi colocado na ferida.

Cyber,

Também eu cresci sob os designios e ensinamentos deixados por Ele há mais de mil anos atrás. Também eu fui/vou questionando as injustiças que vamos assistindo e que presumo sejam também vistas por Ele, afinal Ele (o criador) vê tudo...
Também eu me questiono... E cada vez menos encontro respostas. Aliás, já deixei de perguntar há algum tempo. Apenas te posso dizer que guio o meu barco pelas profundezas do abismo, esperando e ansiando que as marés sejam francamente boas e mansas, e, caso não o sejam sei que lutarei com todas as forças que me restarem.

É que já me dei conta que este "nosso" Deus deve andar ocupado com outros mundos que criou, talvez algum deles não tenha Homens, esses que foram construidos a Sua imagem e como tal também ambicionam se Deuses.

CumprimenTos das CaTacumbas.
MorTo Vivo

Nirvana disse...

Não li o Caim. Gosto imenso de ler, mas confesso, não gosto de ler Saramago. Comecei um livro dele uma vez e nunca o acabei. Ainda estive para o comprar, por curiosidade, mas acabei por não o fazer. Já sei que não o ia ler. Também não me iria esclarecer nada ou ajudar-me a definir as minhas dúvidas. Porque as tenho, e muitas.
A Terra, a Natureza, é uma realidade, um "Ser". Tal como nós, também se ressente dos golpes. Sempre que acontecem estas coisas perguntamos porquê. Parece-nos, e é, injusto. Dói o coração ver as imagens, ver as crianças, ver aquela desgraça toda. Desperta nas pessoas o instinto de ajuda e solidariedade. Mas mesmo assim continua-se a fazer tudo exactamente como se fazia.
É preciso também encontrar um culpado, e aí, Deus está mesmo à mão de semear para isso. A acreditar na doutrina cristã, Deus deu-nos este mundo para nós cuidarmos. Como podemos culpar Deus e a natureza por todos estes males que acontecem, como podemos achar que Ele é assim tão mau,tão ruim, se as próprias pessoas conseguem, com as suas mãos, matar muito mais gente? Basta pensar em todas as guerras sem sentido nenhum que andam por aí e em situações como as do 11/Setembro.

Eu acredito em alguma coisa. O nome que lhe dou varia. Deus, Tu, Qualquer coisa, mas acredito. Posso estar redondamente enganada, mas a vantagem aqui é que, se estiver, nunca vou saber :).

Beijinhos, Cybe

Brandie disse...

Oh gente de pouca fé....(estou a brincar:PPPPPP).

Eu tive uma educação católica. Hoje acredito fundamentalmente na espiritualidade. Acredito na existência de um Ser superior e vejo estas trajédias como caminhos a percorrer.
Sei que é confuso e contestável, mas acredito.

Bjs, gostei do texto.

Pepita Chocolate disse...

Confesso que este é um assunto que não me seduz e por isso talvez me devesse manter calada, como tenho feito estas últimas semanas (para grande pena minha, mas é a vida, ou o que dela resta...)

A religiã, e o catolicismo em particular prendem o Homem a coisas que lhe é difícl explicar. Não há gente mais confusa do que aqueles que vivem cheios de incertezas. E são estas incertezas que a religião alimenta.
Os Homens pegam-se a entidades, a ícones, a simbolismos que lhes permitem acalentar esperanças que o melhor entre o pior, é o que vai acontecer. Que Deus é infinitivamente bom e nunca nos premeia com castigos. Mas a desgraça solta-se do seu açaime e espalha terror e nós perguntamos-nos: Então, onde está Deus? porque permite que se consintam coisas dessas? Mas obras destas, onde tudo fica desfeito em segundos, passa a ser culpa de uma entidade em quem outrora depositaram crédito, esperança.Precisamos expiar os nossos males e os nossos erros em alguém. ou o mundo seria uma entropia de pecados expiados.

Não existem religiões perfeitas. A a maioria de nós terá a católica , mais por tradição que prática. E perguntamos-nos quem são os pretensos pastores que guiam ovelhas, se até eles andam desgarrados do rebanho.
A religião é uma armadilha demasiado complexa, com muitas chaves, mas mil fechaduras a mais. E nem todas as chaves abrem essas fechaduras. Porque atrás de portas fechadas vivem explicações pouco plausíveis que nos vão acalentando o coração, quando este precisa de esperança para viver. E o catolicismo permite a troca de favores e a venda da alma, quando se joelham os homens, junto a outros que lhes concedem o perdão de um Deus que "dorme de olho aberto" segundo dizem. Se Deus vê tudo, para que querem os homens saber dos pecados dos outros, quando não passam de seres iguais? E alguns, de pecados bem mais graves, do que o humilde que se presta a consentir que lhe arranquem a alma, para que seja lavada de todo o pecado.

As religiões são formas práticas de politizar as dúvidas existenciais. De onde vimos? para onde vamos? E religião lá está para responder aos incrédulos, e os temerosos.

Boas leituras, que parece que anda Saramago à cabeceira! Contento-me eu com leituras menos polémicas ou menos indigestas. Ou com o sono, apenas que um parágrafo de um livro é um belo suporífero, que nem de oração precisa!

Um beijo ( e não me esqueci do quanto é bom, vir aqui e dissecar estes pensamentos de mil interpretações!)

CybeRider disse...

Olá Escarlate,

Como te compreendo na fase que descreves! Quanto ao resto, desde que me ensinaram a deixar de ser ateu, que nunca pude saber se era o meu estado natural, que tentei deveras acreditar que me apetecia... Tomar algo... Depois passou-me o apetite, voltei ao meu estado de origem. Agora só tento passar despercebido a esse "algo", em que não creio, de forma a que se esqueça em cada dia que eu existo, ando fugido para que não me encontre em cada dia que passe, pode ser que assim não tenha tentações de me vir buscar tão cedo. Quanto ao mais...

CybeRider disse...

Olá Gemini,

O que me inquieta é principalmente a ideia de que qualquer blasfémia possa ser a causa desconhecida para o que de mal aconteça ao mundo. E quanto maior aquela mais forte seja a consequência. Daí que não me sinta tentado a seguir os passos de Saramago na avaliação de um deus. Não deixa de ser curioso que sempre que o autor escreva contra o divino se dê algo de memoravelmente mau. Quando o "Evangelho Segundo Jesus Cristo" foi lançado em Novembro de 1991, tinha-se iniciado a Guerra do Golfo (a primeira) em Fevereiro, quer-me parecer que nessa altura muito da obra já estaria escrito, daí que tudo isto possa ser um batalhar entre aqueles dois, o autor por um lado e a divindade por outro, sem que o mundo afinal tenha nada com isso, mas sofra. Quem ler "Caim" compreenderá a mecânica destas coisas, que está lá bem explicada, talvez em demasia.

E quanto ao abraço, nem que duvides! Aceito e retribuo-o.

;)))

CybeRider disse...

Só um aparte Gemini,

Tu não acreditas no Diabo, lembras-te?...

:))))

Gemini disse...

Claro que lembro, Cybe! E não acredito mesmo.

Por isso é que talvez isto seja obra dele! ;))))

Assim de repente não me ocorre mais nenhum responsável...

Deus não deve ter sido... O Saramago também não... É. Talvez o Demo!

;)))

Milu disse...

Olá CybeRider,

hoje duvidamos porque temos mais instrução. Com toda a informação que temos ao nosso dispor não nos é confortável acreditar facilmente seja no que for, rejeitar saberes que não podemos racionalizar está na própria base da vida intelectual. Ora bem, quem é que actualmente acredita em lobisomens? Certamente ninguém, mas tempo houve no qual se considerou a existência destes seres. Talvez porque à noite todos os gatos são pardos...
As nossas dúvidas têm razão de ser, quanto a mim, julgo que em boa verdade não poderei afiançar que estejamos abandonados à nossa sorte, mas também não estou na disposição de acreditar que existe este Deus, que nos tem sido dado conhecer através das religiões. É que a existir fica por explicar onde foi Deus buscar coragem para permitir tão dolorosa provação aos haitianos. E é aqui que Saramago tem razão. Justifica-se que adoremos um Deus destes? Penso que não! Resta-nos um último reduto: Que dentro de cada um de nós palpita um sentimento - a noção do bem - que na realidade considero vindo do divino, de um Deus bom, daquele que tanto procuramos e está em nós, afinal! Repara que quando fazemos bem a alguém, sentimo-nos felizes. É esta onda de bem-estar, que nesses momentos nos avassala, que nos faz sentir mais próximos de Deus. Esse sentimento a que me refiro - a noção do bem - já nasce connosco e pode ser cultivado ao longo da nossa vida, tudo o resto são tretas!
Um beijinho.

CybeRider disse...

Olá MV!

Pois é pá, as leituras (leia-se ensinamentos, tradições, culturas) estreitam-nos os horizontes, depois dá uma trabalheira para nos livrarmos dos pensamentos obtusos. Questionamo-nos, procuramos respostas que nunca nos foram servidas.

E que transportas no teu barco? Ousarás tentar roubar a caixa de Pandora, arriscando sujeitar-te ao rio Hades para toda a eternidade? Pelo meu lado não sei se teria forças para conduzir as almas que se avolumem à beira do desconhecido. Resta-me deixar umas pedras a pontar um eventual caminho, que até pode ser de perdição.

Abraço!

CybeRider disse...

Olá Nirvana!

Também não gosto de ler Saramago... Naquele sentido de "gosto" que nos delicie como uma gulodice e nos deixe um sorriso estampado na cara. Haverá quem goste? Também tive esse problema com a "Jangada...", mas hei-de terminá-lo. Imponho-me a teimosia de que haverão leituras que não se façam por prazer imediato. Mas considero que o que o homem faz é arte, e olho o que escreve como se prova um manjar raro, nem sempre ao nosso paladar, mas suficientemente exótico para que lhe demos uma segunda chance, quando lhe estranho o tempêro penso que serão os meus sentidos que ainda não estarão apurados, ou apenas que me faltará caminho a percorrer. Invejo-lhe algumas formas, e isso para mim já é motivo de exercer o meu masoquismo. Por outro lado gostava que a eventualidade de chegar à sua profíqua idade, me pudesse ser com a mesma energia intelectual. O "Caim", dá-nos apenas o reforço da sua perspectiva, e depois da sua leitura, talvez se possa pensar, como fiz neste exercício, que a culpa é dele e não de deus pelo que aconteceu, afinal de contas ele desafiou a fera que descreve na sua obra...

Acredito que o etério conterá o Bem e o Mal, a menos que não fosse infinito. Qualquer limitação de uma coisa ou de outra limitá-lo-ia, consequentemente não posso temê-lo ainda que pense que a vida e a morte lhe cabem em exclusividade. Há quem lhe chame "natureza", enquanto força criadora e aniquilante. O texto é um mero apoio que usei para discorrer se não haverá de facto algo de poderoso que responda com cataclismos às nossas blasfémias. Isso poderá de facto inquietar-me, porque me culpará de muitas coisas más que vos aconteçam.

Beijinhos, Nirvana

CybeRider disse...

Olá Brandie!

Mas a tua brincadeira vem muito a propósito. Há frases que já me vão arrepiando: "Valha-me Deus!"; "Se Deus quiser"; talvez seja mesmo uma questão da quantidade de fé... Houve quem vivesse vidas inteiras sem as dúvidas que nos colocamos, assumiram que era assim, e pronto. Compreendo a tua fé pragmática, mas à falta de conhecer o destino desses caminhos, o que faria de mim um deus, já vou acreditando que, perdido por perdido, antes pelos meus caminhos que lhes conheço um objectivo que à deriva pelos de alguém que não me foi formalmente apresentado. Nesta medida, até que ponto é que poderei afirmar que alguém em particular exista, fora dos padrões humanos, sem que eu conheça? Chegarão os meros testemunhos para me convencer? Claro que não conheço toda a gente, e ainda assim acredito que muitos existam ainda que não os tenha visto, mas todos correspondem a padrões admissíveis, enquanto que essa entidade tem contornos estranhos e incríveis.

Bjs, obrigado!

:)

CybeRider disse...

Olá Pepita!

Pois já eu tenho de confessar que me deixaste aqui pano para mangas. Lá fui mirar as leis da termodinâmica... Lá me debati com o caos e com tantas coisas que explicamos pelas nossas ciências exactas, em resposta ao indefinível. O irreversível existe, e isso por si deveria demonstrar a impossibilidade de milagres. A questão que coloco com o texto, ainda que não me tire o sono, é fundamentalmente a incerteza sobre a capacidade de encaixe da divindade sobre os maus pensamentos que possamos carregar face ao seu desempenho. Sei que é mais fácil viver sem incertezas, escusando-nos a questões sem resposta facil, mas também não sei se a ignorância nos tornará mais confusos, aliás ainda estou convencido em boa parte do contrário. Chego a pensar que na nossa busca por uma vida de certezas acabamos por viver num neo-eclecticismo em que aparentando termos respostas para tudo, acabamos em boa verdade por não ter respostas para nada. Nunca vi uma amplitude tão grande para aceitar tudo o que seja defensável, nem tanto defensável aplicado a tudo quanto exista, o que nos torna em seres bastante controversos. Se tudo é defensável e consequentemente aceitável, sobra muito pouco para separar o bem do mal que cada vez fica mais confinado às situações limite. Consequentemente acabamos por decidir tudo com base em fundamentos políticos e jogos de maioria/minoria, sem que se concluam as coisas pelo seu nexo.

A religião acaba por ser outra premissa, imperfeita como dizes, mas enquadrante de valores éticos e morais, à margem de explicações herméticas que se encontrassem para o apuramento de uma verdade universal. Como afirmas, também a religião e a política acabam por se harmonizar sem que se avizinhe bom porto no horizonte.

Quanto às leituras, esse já foi, ando a braços com o último do Lobo Antunes... E a orar por iluminação para as ideias, mas como a fé é fraca, não há anjo que me valha.

Um beijo

CybeRider disse...

Olá Milu!

De facto a instrução pode ser um pretexto, mas afinal dirás que os padres não são instruídos?... Há séculos a sua instrução era de topo, hoje em dia continuam agarrados à tradição dos seus estudos e das mesmas matérias, aparentemente sem terem evoluído, antes pelo contrário. O conhecimento científico levou-nos a aceitar que os relâmpagos e os trovões não são castigos de deus, e como normalmente tomamos o todo pela parte, ao cercearmos o que a um deus cabia acabamos por apagá-lo totalmente das nossas crenças. Talvez os antigos tivessem mais senso na sua fé. Partia-se do princípio que deuses que houvesse tinham uma intervenção mais apriorística sobre a realidade, considerava-se que não intervinham por sentimentos, talvez essa fé fosse mais pura. Ao tentarmos uma humanização de deus perdemos-lhe o respeito, por lhe vulgarizarmos as vontades. A análise de Saramago parece-me, nesta medida, insuperável.

Gostaria de acreditar nessa noção de bem que referes, aquele que se estenda para além da mera abstenção à prática do mal. Talvez aí exista de facto deus. Mas depois penso em tanta bondade que vejo à minha volta disfarçada por tanta hipocrisia, que não existiria sem a grande visibilidade dos beneméritos, ou nas campanhas solidárias dos hipermercados, todas essas acções meritórias mas com um nexo de aproveitamento incontornável, que acabará sempre por ter reflexos pouco altruísticos nas esferas individuais dos seus participantes, e penso se a minha felicidade tem algo a haver com o bem que causo, e acabo por chegar à conclusão que pouco o terá de facto, ou por esta altura eu já teria dispensado uma larga fatia do meu parco pecúlio para tanto auxílio que se impõe. Viveria no limiar do incerto, mas seria mais feliz. Assim, antes de gozar essa "felicidade" acautelo o futuro, refugio-me no medo do que ele me reserve, preservo o tempo que lamento quando não tenho para aqueles que não precisam afinal de nenhuma ajuda mas que me fazem sentir bem, e acabo por me contentar com as minhas pequenas infelicidades.
Se faço algum bem acabo por sabê-lo tarde, por agradecimentos que não esperava por coisas que considerei demasiado pequenas para lhes dignar alguma nota e aí penso então que deveria ter feito mais, não me chego a aperceber dessa felicidade de que falas, mas falta-me caminho a percorrer, e talvez coragem para lidar com o desconforto dos incómodos inerentes à prática da misericórdia - que deveria praticar sem avaliar da sua justiça; esta infelicidade acaba por suplantar alguma felicidade que a prática do bem me trouxesse, mas contrabalança-a em conforto, contudo não me afasta da mediocridade.

Um beijinho.

Milu disse...

CybeRider
Chamaste a atenção para algo que também me intriga: Os padres. Na verdade eles têm estudos, principalmente sobre a alma ou o sentir humano, mas não entendo o que os move, uma coisa sei - não me convencem. Na altura da polémica sobre o livro "Caim", vi um vídeo com a célebre entrevista entre aquele padre Tolentino, julgo que é este o nome e o José Saramago. Achei aquela entrevista deplorável, o padre interrompia os raciocínios de Saramago com uma frequência e acutilância irritante. É sabido que uma pessoa mais velha demora mais a organizar o seu pensamento, pode até perder-se no raciocínio ou ter dificuldade para se lembrar das palavras adequadas, não podemos abstrair-nos da idade dele. Pois bem, aquele padre fez tábua rasa de todas estas circunstâncias, o que me transportou para a vergonha da Inquisição. Provavelmente também assim eram os interrogatórios, onde não faltariam a jactância. No fundo, aquele padre fez aquela figura, porque de antemão contava com o apoio da populaça, que se revoltou contra o Saramago. Para mim, que prestei imensa atenção, não tive dúvidas da incorrecção e falta de respeito daquele bem nutrido padre, a quem não lhe falta nada. Assim é muito fácil acreditar no deus dele, com mesa farta e tudo o resto.
Quanto ao bem que referiste, para instituições, Haitis e companhia, não dou nada para essas causas, tenho quem precise bem mais perto de mim. Quando digo que fazer bem me faz sentir bem, refiro-me a situações do dia-a-dia, seja com os colegas, ajudar um colega que está atrapalhado ou ensinar a melhor maneira de desempenhar uma tarefa, que há muito quem goste de sonegar conhecimentos para diminuir os colegas, enfim, coisas do género. Não estava a falar em dinheiro, porque não posso dar o que não tenho, é caso para dizer que se soubessem a minha vida até iam roubar para me dar! :D
Venho aqui mais logo, já vi que tens um post novo, mas está a chegar a hora de ir para o emprego.
Um beijinho.

CybeRider disse...

Bem recordas essa malfadada entrevista, Milu!
Sem dúvida que a descrição magistral que fazes corresponde em pleno ao que senti ao vê-la. Não a saberia descrever com a tua precisão ("jactância", é muito bom!!!), foi isso exactamente! Mas achei que o José Saramago não esteve muito interessado em desperdiçar explicações dos seus pensamentos prodigiosos com alguém que estava simplesmente apostado em defender dogmas sem capacidade para ver um pouco mais além. O tempo ensina-nos que é inútil malharmos em ferro frio. Não se pode fazer uma leitura literal de coisa nenhuma, talvez nem de um manual de ciências, isso é sabido e inutilmente repisado, o problema é que a Bíblia tem pouco espaço de manobra, a menos que a nossa imaginação deturpe o que lá está relatado, a destruição de um povo inteiro não quer dizer que a cidade se lhe encheu de borboletas. De facto não lamentei que Saramago tivesse enfrentado a situação com alguma apatia, debater-se teria sido inútil porque o oponente não teria a flexibilidade necessária para debater ideias, apenas a teimosia funcional para manter o diálogo num nível inferior e mesquinho, e essa boçalidade é insuficiente para apreciar arte, mas pode ficar bem num programa de televisão. Na dúvida comprei o livro, como esperava não me arrependi. Não há ali nenhuma crítica à Bíblia (ainda que houvesse), há pensamentos acerca de uma entidade divina criada pela mente humana e uma análise pessoal ao disparate de idolatrar uma criatura que fosse capaz de tais absurdos. Traz o bónus de toda a filigrana à volta da personagem principal que torna a obra num pequeno conto bastante divertido. Mas como viste é mais fácil respeitar alguém que nunca se viu do que um sábio ancião sentado ao nosso lado... E isto seria o que as pessoas deveriam reter, em vez de se debaterem com o facto de o escritor ter determinada ideologia política, viver no país X ou Y tendo abandonado a sua pátria, ou ter mais ou menos sucesso com coisas que se considerem pouco legíveis (pois, pudera! Falta tanto "estofo" e perseverança, é tão mais fácil ceder ao preconceito e à injúria). E não faço aqui nenhuma apologia, não o conheço como pessoa, como poderia?...

Uma coisa é certa, pode-se deixar de ser padre, não se pode deixar de ser Saramago, isso devia valer alguma coisa.
:D

Quanto ao bem, lamento como tu que se olhe mais para o quadro grande que para a miséria que nos acompanha os passos, não deveria ser necessária mobilização, mas o facto é que é. Já li por aqui críticas ao jogo de futebol e à iniciativa dos notáveis, para além da eventual hipocrisia, facto é que se está a conseguir fazer algo por alguém, e isso é sempre melhor que nada, mesmo que se critique o espírito de um George Clooney ou de um Spilberg em darem a cara em vez de doarem os seus milhões (que talvez até tenham doado); parecem-me questões irrelevantes, quando se trata de fazer o bem por alguém tudo o que se faça é bom. Gostaria que a minha imagem angariasse fundos, faria decerto o mesmo, assim talvez me saia mais caro.

Um beijinho.

the dear Zé disse...

Graças a deus que não percebi nada, se não ainda ia pensar que... mas pode lá ser...

CybeRider disse...

Olá Caçador!

Isto era para ter sido só um desabafo. Não gostaria de ter sido indigitado para fazer o papel de testemunha dos actos ímpios de algum deus, que me tivesse colocado uma marca na testa, como a personagem de Saramago. Diz o escritor que por cada acto que o contrarie esse deus liquida cidades e territórios. No seu livro parece que Caim acaba por ser o único a compreender essa malvadez. Em suma, o livro de Saramago é tão acusatório que se calhar... E eu não gostaria de testemunhar que algum cataclismo seja resposta à causticidade do conto do homem.

(Vá-se lá saber o que te passou pela cabeça!!!)

Abraço!

Mário Rodrigues disse...

A vida católica vive essencialmente de uma prática. Se não se pratica... Esse catolicismo de que falas, é ensinado como se ensina a gostar do FCP ou do SLB. Uma instituição parcial usa pessoas parciais para divulgar teorias parciais. De acordo? Quanto a culpas, não as vejo! Vejo manipulação e fés.

"Governa", é a expressão mais mal empregue em tal situação. Admitir a existência ou não de forças físicas, químicas, biológicas, eléctricas, etc, etc... e que engrenagem cósmica regidas por tais leis, regras e fenómenos, muitos deles por nós desconhecidos, é um problema de cada um de nós. O que não sabemos explicar ou compreender, e como a nossa existência é cósmicamente diminuta, temos pressa de arrumar as coisas em gavetas e então se não é ciência, lá se enfia na divindade. Mas convêm que fique claro que o problema é nosso! Jamais existirá uma entidade celestial ou cósmica a conspirar em torno do quer que seja.

Sabes que mais, bom amigo Cybe, só faz sentido acreditares em carraças se tens fé nos cães. Pode ser uma lapalissada...dentro de um capuz de milénios...

Um abraço

CybeRider disse...

Olá Mário,

Fico tranquilo então, porque nada do que eu diga contra o que não exista poderá alguma vez causar o que tememos. É também essa incapacidade que me tolhe. Se por um lado me alivia, por outro acusa a inutilidade da suspeição que levantamos contra agentes desconhecidos. Só o resultado certo interessa e a certeza será em si algo de sobre-humano. Resta-nos por isso a discussão do incerto. Inútil...

Abraço