quinta-feira, 17 de junho de 2010

Soneto a carvão



Roubei do negro corvo as lúgubres penas
Com elas peneiro agora a minha penitente alma
Por consolação que estranhamente me acalma
Guardei delas, a medo, apenas as mais pequenas. 

Dessas, de tão sórdida, cruel e negra lembrança,
Arredei as mais impuras mas sãs loucuras,
Restaram, para meu desconsolo, as mais escuras
A constranger com força as réstias de esperança.

Assim me pavoneio, fingindo que não são minhas
As tristezas que desta forma inglória carrego
Antes tivesse eu pilhado a mais fofa das galinhas,

Não teria agora o corvo a tentar que as restitua.
Debato-me no meio da rua, a eito, como um cego
Tentando manter minha a roupagem que era sua.


© CybeRider - 2010

14 comentários:

the dear Zé disse...

olha olha

the dear Zé disse...

ps.: Perdigão não quer perder a pena

CybeRider disse...

Pois não Caçador, sem elas fico reduzido a um franganote esquelético. E escrevo isto num dia e no dia seguinte morre-nos o Saramago. Lá fico com outra pena escura agarrada à indumentária. E o sacana do corvo que não me larga!

Mário Rodrigues disse...

Olá Cybe

Gostei...

Abraço

CybeRider disse...

Olá Mário,

Devia ter passado as cores. Assim, a carvão, ficou um bocado em bruto.

Abraço

Mário Rodrigues disse...

Desculpa-me mas reconheço mais a essência no bruto...

CybeRider disse...

Ainda tenho tanto a aprender contigo!

:))))))

Mário Rodrigues disse...

Comigo???

:)))

Comigo ninguém aprende nada...

CybeRider disse...

Que raio de conceito publicitário é esse? :)))

Gemini disse...

Belissimo, que poderei dizer mais?

Sou afinal mais magro, e bem mais leve do que pensava. É melhor ir ter com o César e devolver-lhe o que não é meu. Já deveria saber que não basta sê-lo, deverei também parecê-lo, ou ainda me provam que eu, não sou eu.

CybeRider disse...

Olá Gemini,

Será a sociabilização que nos obriga a envergar o sobretudo. E no entanto talvez o fingimento seja nosso em não aceitarmos que as penas do corvo são afinal tão nossas. Onde estará a verdade? De quem são as tristezas que carregamos? Serão do corvo, ou são afinal nossas por legado que o corvo não quer reconhecer?

Aprendemos nós a tristeza pela vida? Ou somos nós que a emprestamos ao mundo?

Sinto-a como minha, no entanto o mundo diz-me que é sua. E acabo por fingir que é sua para que ninguém saiba que é minha por fim.

Tivesse eu feito o percurso mais fácil das alegrias...

Abraço

Gemini disse...

Lembra-me a "dor" do Fernando Pessoa:

"O poeta é um fingidor...
Finge tão completamente,
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente"

Abraço, Cybe.

Gemini disse...

Tremem-me as mãos quando aqui venho escrever(!!...), e lá se foi um "click" a mais.

Se quiseres eliminar um deles, escolhe o que menos te agradar!

;)))

CybeRider disse...

Não tanto quanto as minhas quando carrego no "publicar", de certeza! :)))

O Fernando foi grande pessoa, tanto do que escrevemos lhe vai parar, e pensar que foi noutro tempo, em que as penas não seriam maiores ou menores, eram só outras que a sua imensa genialidade nos encanta até hoje.

Bem lembrado Gemini. Já cá faltavas!