domingo, 10 de março de 2013

A Fonte da Juventude

Noto que a cada dia acordo mais jovem.

A juventude é um conceito complexo, na minha definição preferida, o período em que as mudanças fisiológicas se aquietam e as sócio-culturais se afirmam. Minto; antes o período que separa a leitura do convite à vida, da diligente circunspecção de que talvez tudo tenha afinal princípio, meio e fim. Sim, esta, confesso. Que erro brutal, o da natureza, em pôr um cérebro imortal num corpo de vida curta, deixando-nos a utópica tarefa de o tentar remediar.

Mais jovem, sem dúvida, apesar das rugas e das cãs; não é como esperava e contudo... Estranho o espelho, a cosmética, a medicina que nos prolongue o bater do coração, o desporto que nos conserve a tonicidade dos vinte anos; tudo recursos que iludem. Nada transporta à juventude, daí a busca incessante por esta fonte milagreira. E que vontade haveria? A liberdade de rir da piada fácil, anedotas pela primeira vez, incontinência pelo imediato, riso que disfarçava lágrimas, audácia do disparate só pensado depois de dito, sem certeza de justificação sustentável, supérflua; a fragilidade escondida na rebeldia de um grito, a incerteza do futuro, a dependência do dá-me sem a promessa do empresta-me, a inocência da confissão pública sempre tacitamente absolvida, a aprendizagem despreocupada sem objectivo definido; a única certeza, a eternidade?

Mais jovem, como no tempo em que me estendia de costas na areia de uma qualquer praia do sul, a vincar um meridiano. Acima o frio polar, longe; à direita oceano e américas; à esquerda, rússias, chinas, orientes médios e longínquos como austrálias; abaixo mais mar e áfricas ricas de poucos ricos e muitos pobres. Em frente o azul infinito, dava-me a certeza de que não haveria melhor lugar do que o meu. E talvez não haja, porque aqui nos tornamos afinal mais jovens, perdidos algures entre essa esquerda e essa direita, para onde me recordo de estender os braços, mas ficando sempre no meio.

É com um aperto de levar às lágrimas que vejo pais, avós, filhos e netos a lutar pelos mesmos lugares na fila da sobrevivência que engrossa a cada dia que passa. Extorquidos, os mais velhos, do pouco que já tinham amealhado para quando as forças lhes fossem faltando, que lhes foi tirado como se fossem doces das mãos de crianças, competem entre si pela dignidade que reste; vejo-os tentar agarrar-se à réstia de liberdade que se esfuma porque estava esquecida, reagir com mais agilidade ao imediato, como se tivessem reconquistado a destreza de antigamente, vejo-os disfarçar com riso o pranto, surpreendo-me com a súbita coragem em soltar o que a garganta já não consegue conter, talvez o pensem depois, sem certezas de encontrar a justificação que o sustente, que seria agora mais necessária. De novo o regresso à fragilidade antiga, aos gritos de rebeldia; o futuro de novo incerto, a submissão à dependência do dá-me sem a promessa implícita no empresta-me. A confissão pública já não carece de absolvição, porque também não é inocente, e a aprendizagem passou a ter um objectivo concreto. O regresso à juventude tem um preço pago nestas ténues diferenças; a maior porém, é que perderam definitivamente a certeza de que seriam eternos, essa nunca se recupera a partir de certa idade, e as anedotas são todas antigas.

Estou mais jovem a cada dia que passa. Compreendo finalmente que juventude e idade não têm rigorosamente nada que ver uma com a outra, e para o provar até posso quase afirmar que nem me faltam as borbulhas; se bem que vistas de perto, não são de acne; são de sarna, apanhada nesta fonte, para me coçar.

© CybeRider - 2013

6 comentários:

Milu disse...

Tão verdadeiro! Infelizmente tão verdadeiro o que expressou! Um beijinho.

Mário Rodrigues disse...


Podes pegar na prancha e fazeres-te à crista de vagas outras… Infelizmente não me parecem melhores! Nem piores e nem diferentes… Um dia destes, nesse teu mar, sentei-me na prancha em plena vaga. A potência precipitava-se em meu redor, e eu, qual psicopata, fui feliz por momentos. Um grande abraço.

CybeRider disse...

Olá, Milu!
Obrigado. "A verdade sai da boca das crianças". À força desta juventude encontrada, também sairá da dos velhinhos.

Beijinho.

CybeRider disse...

Olá, Mário!

É então esse o segredo. A felicidade por um momento! Que o diga o McNamara! Mas lá também se dizia, em tempos idos, que "na praia da Nazaré houve grande burburinho, estando os banhistas de roupão e Dom Fuas de roupinho". Felizes são os loucos!...

Um grande abraço.

the dear Zé disse...

acne senil, não para de me fazer comichão...

CybeRider disse...

Devíamos ser como os cães, que se coçam até à saciedade e depois lambem as feridas. A nós parece que só resta sangrar até nos esvairmos.