sexta-feira, 11 de setembro de 2009

E Setembro ficou mais frio

Arroz de tomate com biqueirões fritos.

Estavam-me a saber bem, na tasca do Alfredo... No ar um certo cheiro a borrego guisado.

Não sei se já vos tinha dito, mas detesto borrego. Ainda para mais guisado. Mas biqueirões fritos... E com arrozinho de tomate...

Olhei para a imagem no suporte de parede, com aquele ar com que sempre olho para as imagens nos suportes de parede, a indiferença, as ideias a batalhar com o que os olhos querem deles. E vi aquele símbolo da minha civilização ocidental ferido. E lembro-me que um biqueirão me ficou a arrefecer no garfo. Sem que eu visse a minha boca entreaberta. Os ouvidos a estenderem-se-me pela sala, a tentarem abafar as conversas dos pedreiros e pescadores que atulhavam aquele diminuto espaço, pleno de cheiro a gente e tabaco, para tentarem abraçar o pequeno altifalante, que me dissesse que aquela imagem mal definida, pior que qualquer filme de Hollywood, era um pioneirismo mal conseguido dalgum filme de série B.

B... do biqueirão que me arrefecia no garfo...

Era tudo verdade, menos a repetição, que o não era. A repetição era a confirmação de que o meu mundo estava a sofrer, mais do que imaginei que fosse possível.

Não me recordo de como se acabaram os biqueirões do meu prato, nem se comi o arroz frio. Mas recordo-me de ter saído da tasca do Alfredo, onde as conversas tinham baixado de tom mas se mantinha o cheiro a gente e a tabaco, e de ter corrido para um espaço em que a televisão fosse minha, para me poder enfiar pelo écran em privado, como quem procura a latrina para descarregar a mais eminente diarreia. Julgo que ainda paguei a conta. Senão, talvez o Alfredo me tenha perdoado; porque nunca mo disse.

E não me lembro de muitas vezes em que a tristeza me tenha motivado a correr mais do que a curiosidade. Sei que a alegria e o desespero me produzem esse efeito. A tristeza... Não sabia.

Aprendi a esquecer que o avião do Pentágono não tinha asas, nem bagagens. Aprendi a esquecer que o avião da Pensilvânia tinha um sistema vanguardista para a época, que permitia comunicações de telemóvel. Aprendi a esquecer que todos os seus ocupantes e os seus pertences se esfumaram na terra que os recolheu. Aprendi a esquecer que quem quer que tenha calculado ao rigor cada milímetro daquela operação se esqueceu que uma hora mais tarde teria aniquilado mais trinta e seis mil pessoas...

Mas nunca mais me esqueci de que a civilização, que me criou um ícone de orgulho que guardo religiosamente em tantas fitas de cinema, tem a triste capacidade de tudo destruir em segundos, e de acabar com milhares de vidas inocentes, por meros fundamentalismos.

E hoje, sei por A de Alfredo mais B de biqueirão, que corro mais depressa. Principalmente, se vir um avião a voar baixinho.


© CybeRider - 2009

19 comentários:

mfc disse...

A barbárie anda à solta!

calamity jane disse...

Hoje foi dia de nos lembrarmos...

Unknown disse...

Estavas inspirado e não te conhecia esta faceta tão magistral.
Continua.

CybeRider disse...

Abrimos a Caixa de Pandora mfc...

CybeRider disse...

Pois, será sempre CJ, lamento que tenhamos tido que marcar na nossa existência esta efeméride.

CybeRider disse...

Mocho, sejas bem vindo a esta modesta casa, que agora também é tua!

Sabes como é... Levantamos uma pedra e às vezes salta um lagarto. Se bem que por aqui talvez se encontrem principalmente teias e aranhas, nem sempre umas a pertencer às outras.

:)

MorTo Vivo disse...

Cyber,

Tal como tu, também eu não consigo esquecer essas imagens, e sobretudo o diálogo com o amigo que se encontrava comigo no café... recordo-me de termos abandonado aquele burburinho em direção a sala de jantar e de no meio ter-mos raptado o filho do dono da tasca, nesse dia o trabalho passou-me ao lado as conversas passaram-me ao lado a vida passou-me ao lado...

Lamento que tenha sido assim, mas sobretudo lamento tudo resto que esse acontecimento nos trouxe a anda hoje trás.

Never forgive!
Never forget!

CybeRider disse...

MV, o sacrifício de inocentes é inesquecível. Temos de encontrar o clã a que pertencemos como medida de sobrevivência da espécie. Como animal social não aceito carnificinas entre os meus. E "meus" somos todos os que vivemos nesta habitação exígua a que chamamos mundo. Aceito o "never forget" como medida de corrigir e eliminar as razões do "never forgive", e esta aceito-a para eliminar todos os culpados do que tenho que rotular para nunca esquecer.

Por coisas que me predisponho a esquecer por clubismo, (que referi no 9º parágrafo, e outras que não referi) nem sei de quem foi a culpa dessas atrocidades, talvez nunca venha a saber. Sei que aconteceram e que não deveriam ter acontecido. Sei que sou odiado por um quinto de um mundo que me rotula sem saber quem sou, e que o restante, em que eu gostaria de poder confiar em pleno, provavelmente me desapontará por motivos também diversos. Sei (pela História) que manter impérios tem custos elevados e maquivélicos, que a meu ver não deveriam ser superiores ao valor de cada vida humana. Mas que aparentemente são.

Não encontrei fundamentos para as cruzadas. Como não encontro para fundamentalismos islâmicos. Não deixo de me sentir merecedor do meu direito à vida, bem como dos do meu clã. Começo por demonstrá-lo ao defender que me entristece qualquer forma de violência sobre um inocente, seja ocidental, oriental ou islâmico.

Nirvana disse...

Acho que toda a gente se lembra do que estava a fazer nos momentos em que o mundo inteiro viu o que ocorreu. Eu lembro-me bem. Teria sido um dia igual aos outros 11 de Setembro, de outros anos, em que nada diferente, nada importante o suficiente para se conservar na memória ocorreu. Este 11 de Setembro ficará para sempre na recordação. Para nos recordar muita coisa. Imagens que não desaparecerão e que, apesar de achar que este mundo ainda tem solução, tem também muito trabalho pela frente.
O Homem ainda tem muito de evoluir, como ser humano. Como ser tecnológico, evoluímos tanto!! Como Homens, alguns continuam a ser autênticos animais (desculpa o termo, Cybe).Mas só assim consigo classificar quem mata, quem consegue dormir depois de condenar à morte, num desespero total, tanta gente. Gente inocente, com família, filhos, sonhos, vida pela frente. Acho imensa piada à palavra fundamentalismo. Como se desculpasse tudo!

CybeRider disse...

Olá Nirvana, fujo normalmente a mencionar efemérides, até porque me falta o jeito. Sei que a maioria já teve oportunidade de o fazer, para mim é a primeira vez que passo por esta data desde que iniciei esta demanda.

Pelo que me marcou, pelo que indaguei que não refiro, pelo tempo em que andei dividido a tentar compreender detalhes, não poderia deixar de fazer um ligeiro apontamento.

Mais um, dos pequenos acertos com a vida que por aqui tenho deixado, de uma forma ou de outra.

Bem sabes como estes pequenos exercícios nos ajudam a exorcizar alguns fantasmas, pelo meu lado espero poder arquivar um dia o que recolhi sobre este assunto exactamente por tudo o que tenho ainda que aprender a esquecer.

Com a certeza porém de que haverão coisas que perfiro conservar em detrimento daquelas, talvez estas me dêem a esperança de que preciso para, assim como dizes, "acreditar ainda que este mundo tem solução."

Bjk!

Mário Rodrigues disse...

Quero-te comentar, mas os sentimentos apresentam-se-me como se de um vortex hídrico se tratasse... Não te direi mais que, não precisava de ser assim, e que, os anjos e os “démos” comungam demais... e estão tão parecidos que se não distinguem...

CybeRider disse...

Mário, sem dúvida que o comentário a isto não pode passar por destrinçar quem são uns e outros das classificações que apontas. A própria escolha de uma trincheira de abrigo num dos lados será mais por instinto (de sobrevivência) que por qualquer lógica emergente de pretensa "informação". Se é mau ter que admitir que o discurso mais articulado possa ocultar a mentira, não é melhor não escutar algo de tranquilizante no discurso inebriado dos que nos hão-de sempre condenar pelo que não motivamos...

Mário Rodrigues disse...

Sem dúvida, meu caro amigo! Sem duvida!
E digo-te que me fica um sabor “salobro” de uma espécie de impotência, que muito me desagrada...
:-L

CybeRider disse...

Palpita-me que o mesmo sabor, por outras razões, teremos a breve trecho Mário... É sempre difícil ter de aceitar o mal menor por vaguearmos num cenário curto.

Mário Rodrigues disse...

Concordo contigo em relação ao sabor... Lamento não conseguir estar apreensivo!

Quererás me dizer que o nosso tempo de vida, não é o suficiente para termos noção da dimensão e das reais consequências dos actos?
Deparo-me muito com esse sentimento!

CybeRider disse...

O pouco que tenho limita em muito o que sou, Mário. Por outro lado o pouco que sei impede-me de ter mais que o que tenho. Não é o "quanto" que nos limita a vida, é principalmente o "como". Hoje tentei explicar esta loucura...

Mário Rodrigues disse...

Também concordo, e vou vê-la.

Gemini disse...

E com certeza que depois desse especifico 11 de Setembro, se questionado sobre pratos que não aprecias e que aprecias, te saltarão estes dois de imediato. O que fazíamos àquela hora precisa, também se destacou dentro de todos nós, os que de qualquer forma, viveram aqueles momentos. Esses acontecimentos tiveram esse condão.

Eu estava na Tunísia, com voo de regresso no dia 12, e ainda que no aeroporto de Tunis não se tivesse verificado quaisquer medidas extra de segurança, já no Sá Carneiro a situação era bem diferente. O cenário montado era mesmo "Hollywoodesco". Seguranças, policias por todo o lado, muitos deles encapuzados e de arma em riste. Quem aguardava pelos seus, teve de fazê-lo fora da área das chegadas. Toda a área coberta estava acessível apenas, fora serviço de segurança e funcionários, para os que partiam e para os que chegavam.

O acto em si, CybeRider, é asqueroso por demais! Pensar que o objectivo era aquele, muito além de destruir símbolos magistrais, recolher vidas… matar pessoas… inocentes. Algumas delas, sendo ocidentais, por ventura seriam contra a posição do ocidente para com os médio-orientais, e morreram vitimas dum maquiavélico esquema, engendrado, ao que parece, por um Osama Bin Laden médio-oriental, mas que terá sido (mal) "educado" no ocidente! Um médio-oriental que toma uma atitude deste calibre, não me esqueço que não o fez sozinho claro, mas terá sido dele o "cérebro" (ir)responsável pela operação, deixa exposto de forma indescritívelmente covarde à fúria de vingança "ocidental", o povo e a terra onde nasceu. Por outro lado, tendo recebido também educação em Inglaterra, trai um povo que o recebeu, sem rótulos, que partilhou com ele a sua cultura, enfim… Ambas as partes podem estar totalmente certas ou erradas. Parcialmente certas ou erradas. Mas se nada justifica a vida de alguém, a de inocentes muito menos. Esta atrocidade não tem justificação.

Recordar para não repetir!

Um abraço.

CybeRider disse...

Olá Gemini, ainda bem que apareces!

De facto há muitos aspectos por onde podemos encetar recordações dessa data sinistra. Eu estive noutro aeroporto nesses dias, por razões profissionais, no de Faro. E de facto o aparato era assim como descreves, e não deixavam entrar ninguém sequer no edifício. Durante dias os familiares e amigos tinham de aguardar no lado de fora, havendo apenas as áreas comerciais (mais afastadas do local de chegada dos passageiros) que permitiam passagem. Enfim... A normalização nunca se deu. Muitas coisas nunca voltarão a ser como antes...

Os objectivos... Talvez nunca se saibam. E a verdade, talvez também não...

Acho que a humanidade nunca aprenderá. A História... São contos que se esquecem com facilidade. Lembrar, lembramos o que vivemos.

Um abraço Gemini!