Para um republicano, a morte de um rei é algo bastante inócuo.
Se o rei ocupa o cargo por sufrágio directo e universal, sem lhe correr nas veias o sangue azul da destrinça, haverá talvez que avaliar de que lado colocamos os sentimentos.
Pelas imagens, previsíveis, da multidão maioritária à volta das exéquias do Rei da Pop, pergunto-me que semelhanças terei com esses meus irmãos.
Gosto de música, pop também em consequência. Não posso dizer que tenha vibrado ao som do Thriller. Aqui começo logo a sentir-me minoritário, afinal foi o mais vendido de sempre, eu não comprei...
Ouço os elogios ao génio, classificação que aceito em termos genéricos, mas que não reconheço nos confins das minhas preferências. Interrogo-me sobre que razão me levaria a uma eventual homenagem póstuma. A quem? Ao músico genial, esquecendo o ser humano hediondo? Assim como homenagear um féretro com um braço, voltando costas ao que contém o resto do corpo? Como separar as coisas e manter a minha integridade com os meus princípios?
O meu lado comezinho, não dissocia neste caso, a imagem do músico da daquele ser estranho, da personalidade controversa, antropofóbica, depressiva, birrenta, inconsequente, mariconça, prepotente, egocêntrica, frágil no pior sentido, de argumentação incongruente e desconexa, que me atiçava a mais sórdida repulsa sempre que aparecia nos meios de difusão social.
Na minha forma simplista de introspeccionar esta reacção alérgica, descubro sem espanto que o meu subconsciente me dita que aquela pessoa nunca me seguraria num braço para me evitar uma queda num precipício, porque teria medo que lhe germinasse algo de estranho que o levaria a uma morte certa. E por mais que me esforce, isso para mim é razão suficiente para justificar tudo o que não sinto pelo seu desaparecimento.
Isso a somar à falta de estima que teria de si próprio, que me é também um factor de depreciação; a confusão com que tentou iludir a natureza, que o tornou também único, onde confundiu cores, misturou conceitos sem nunca saber colocar o preto no branco, tornando-se assim aos meus olhos o mais xenófobo de todos os humanos.
Louco, talvez, mas sem a loucura que advém da genialidade. Antes daquela de quem perdeu tantos neurónios que deixou de se distinguir das coisas irracionais.
Sem deixar de sentir que este texto me empobrece e me desgasta como ser humano, tenho contudo de admitir dois méritos ao defunto: o de, por vontade própria ou falta de habilidade, não nos ter escondido nunca as taras que o enformavam. Nesse aspecto, mais honesto ou incauto, do que eu. Noutro plano, o de ter tentado mostrar ao Mundo que é possível acreditar em sonhos e tentar transformar a vida de forma a realizá-los. Por não ter como super-herói o Peter Pan, não deixo de homenageá-lo por isso. E aqui começo a pensar se não estarei a ser injusto...
O seu desaparecimento exalta-me a tristeza que sinto pela morte do aspirador, do micro-ondas ou de um candeeiro de salão. Irrita-me até talvez, como me inquietaria ver que me fariam um funeral milionário a algum desses apetrechos, mas principalmente que isso se converteria em dias de trabalho para todos os jornalistas do Mundo.
E porque não compreendo o que sente aquela turba a que não me anexo, e porque ao repudiar o "Rei da Pop" me torno ainda mais impopular, sinto de facto a solidão que me persegue.
E acabo por concluir com algum sentimento:
Morreu o Michael Jackson, ficarei assim mais sozinho.
(Tivesse eu reduzido o texto a esta última frase...)
© CybeRider - 2009
23 comentários:
há uma boa percentagem de pessoas que gostam do Michael Jackson (nao estou incluida), talvez pelo facto de ter uma boa voz, e dançar como "ninguem".
para ser sincera nunca liguei muito, nao sei, talvez nao fosse estilo que me agradasse.
nesses dois aspectos ate posso concordar (apesar de nao me ter cativado), mas e o resto? nao é apenas a musica que faz um bom homem...
acusado de varias coisas, individado por outras situaçoes, o que ja é mau...
ouvi um homem de raça negra, dizer que o Michael Jackson, representou bem a raça negra, levou sempre o estilo de musica da raça negra...
e o resto?
REJEITOU a raça negra!!
sim, porque quem muda de côr, nao a muda por nada... nao gostou de ser quem era, preferiu "apagar" esse lado.
Se fosse negra, ele para mim ja estaria morto... Um ser ambulante pode andar, parecer aparentemente vivo, mas por dentro poderá estar morto... para mim era como se nao existisse...
nao posso condenar ninguem, como ninguem me poderá condenar...
parece que os desejos podem ser concretizados, mas tudo tem o seu preço, e ele teve o dele...
nao lhe adiantou ter muito dinheiro para realizar os seus desejos...
com tanta coisa (cirurgias por ex, com tantos cuidados nao era de esperar outra coisa...
Se eu fosse negra, sentir-me-ia tao orgulhosa, quanto me sinto agora enquanto branca... O racismo mete-me nojo.
"todos diferentes, todos iguais"...
beijinho :)
(respeito qualquer outra opiniao completamente oposta à minha, sao ideias)
Ja para nao falar da aberraçao em que ele se tornou (de cara por exemplo)...
Um miudo que era tao bonito, nao castiço, tornou-se numa completa aberraçao (para mim claro)
enfim...
Olá Soraia,
É isso o principal. Defendermos as nossas convicções sem medo de irmos contra maiorias, se for caso disso.
Muitas vezes temos tendência para acharmos que estamos errados só porque a maioria não pensa como nós, mas as maiorias são diversidades empurradas por estimas e influências para um determinado sentido.
Não temos que ter medo das maiorias, mas menos ainda das nossas opiniões.
Há grandezas que suplantam defeitos, na minha opinião pessoal, respeitando as excentricidades típicas dos génios e artistas, este é infelizmente um caso em que os defeitos acabaram por suplantar a grandeza, mas lá está, nunca fui um fã, estou limitado por isso na opinião, que não deixa de ser a minha.
Beijinho! :)
26-06-2009 16:51
Desculpem, mas não sei do que falam!
O 'que' era Michael Jackson?!
Abraço.
Dispenso a resposta, CybeRider...
Só mais um detalhe, quando quiserem saber o porquê do Mundo estar como está, ajudará fazer as contas ao número de cérebros (quais cérebros?!!) que o idolatraram.
Gemini, o gajo era só humano, as pessoas é que o tornaram em não sei o quê... E é sempre assim. Se não fosse, e tivessemos que avaliar o que as pessoas fazem pelo que elas são, a única pessoa que aceitaríamos seria, no meu caso, ninguém (pois, a autocrítica é uma coisinha terrível).
Houve de certeza pessoas com características mais úteis e valoráveis às suas famílias e amigos, que também se finaram ontem, das quais nunca ouvimos nem ouviremos falar.
Esse senhor tem apenas o mérito de ter sido um performer que reuniu a idolatria de um Mundo que é o que é, pode até ser o que não queremos que seja, mas isso não lhe muda a essência, ainda que não seja à nossa imagem.
Porque é que achas que bons não são esses que o idolatram, sem quererem saber dos pontos que ele tem em comum com os outros incógnitos com quem coabitamos?
Por estranho que pareça, ou por defeito meu em conseguir explicar, o texto não avalia o músico, avalia o morto (daí o título), e tenho pena de não dissociar as coisas, como deveria, mas o músico para mim já tinha morrido há muito, nas primeiras vezes em que o vi denotar claramente a falta de juízo (aos meus olhos, que parece que não eram os de todos).
Essa não foi a minha escolha, e ainda mal, porque teria partilhado um momento mais feliz.
O que vão enterrar é um misto de duas coisas, que por esse facto -e enquanto defunto- não me instiga sentimentos dignos de nota.
Está tudo dito no teu texto... do 'homem', e do músico. Ou num 'dois em um', agora reunido no defunto. E é por esse defunto, enquanto ser humano (que só o foi em potencial , para mim) que lhe dirijo respeito.
Mais do que ter sido tornado, tornou-se, ele próprio, num produto. Bem sei que não é o único, longe disso. Mas com uma capacidade de influênciar massas, pouco vulgar. Não foram tomadas, no caso dele, nenhumas medidas, para aproveitar esta sua influência, ainda que não de forma positiva, no minimo para salvaguardar comportamentos dos influenciados.
O que quero dizer, em conclusão, é que, para os que o idolatram, ele parece ter sido tudo, menos um ser humano! O que faz dos seus 'seguidores', muito pouco... Homo Sapiens. Quanto mais Homo Sapiens Sapiens.
Abraço.
(e eu que não lhe bati em vida... shame on me!)
Pois, as reacções que vejo causam-me alguma preplexidade, exactamente porque sinto esta incapacidade da tal dissociação, para mim o músico já se tinha perdido há muito, como disse acima.
Mas o que é fantástico nestes fenómenos é a capacidade de gerar seguidores e sentimentos tão profundos apesar de toda a controvérsia que criam à sua volta.
Pegando no número mágico dos 7.000.000.000, por muitos que estejam presentes, que escrevam, que googlem, que noticiem, e que desses se escolham (ou não) os que dizem "bem", estou convencido que serão uma minoria, sempre. É o impacto dos media que os maximiza para uma aparência de maioria dos habitantes do planeta. E essa imagem ilude-nos e insere-nos na histeria colectiva, a uns como críticos, a outros como seguidores incondicionais.
Abraço.
(Dá-lhe o RIP, eu já dei.)
Gemini! Um ateu pode pergutar:"Esses cristãos que acreditam num Deus que não exite?" O que eles têm no lugar do cérebro?"
Outra coisa: Pesquise por "We are the World" - USA for Africa e veja quem organizou isto.
Outra coisa! Lamento no que ele se tornou à medida que foi envelhecendo, contudo não posso de ignorar o que ele fez enquanto são!
Fica o seu passado para o futuro!
CybeRider, ser ou pensar diferente, exprimi-lo e assumi-lo não é fácil. É muito mais fácil ser uma ovelhinha branca no meio de um rebanho branco do que ser uma ovelhinha (vou dizer outra cor, atendendo ao tema) azul. Digo eu...
Que o Michael Jackson teve o seu mérito, teve sim. Independentemente de se gostar ou não da música dele, ele foi e será um ícone da música pop. Conseguiu pôr músicas no 1º lugar do top americano sendo negro (julgo que foi o primeiro), o álbum mais vendido de sempre foi dele, introduziu um jeito único de dançar.
Mas perdeu-se algures... e é uma pena. O que eu senti ao ouvir a notícia da morte dele foi pena. Não por ser fã dele, não sou. Concordo contigo, acho que ele se transformou numa aberração. Todos nós, toda a nossa vida é também um reflexo do que nos rodeia, das pessoas que temos ao nosso lado. Talvez se ele tivesse tido a sorte de ter pessoas que o tivessem orientado melhor tivesse sido diferente. Talvez se ele acreditasse mais nele não tivesse passado a vida a tentar ser outra pessoa. Talvez... ou talvez não, não sei.
Ouvi algures dizer que o Michael terá dito que fez tudo o que fez à cara, à cor, ao corpo porque queria ser o mais diferente possível do pai. Será? Por certo muito se vai ainda dizer sobre isso, verdades e mentiras.
Não te tornas impopular, não. Muita gente partilha da tua opinião. Eu também concordo com o que dizes: ser estranho, da personalidade controversa, antropofóbica, depressiva, birrenta, inconsequente, mariconça, prepotente, egocêntrica,...
Comentei "que desperdício de vida" porque acho mesmo que ele desperdiçou a vida, e sinto pena. Foram as opções dele, é certo, não as melhores na minha opinião. Sinto pena porque acho que ele podia ter tido uma vida fantástica e não teve. Porque acho, sinceramente, que ele não foi feliz. E isso é triste.
Beijinhos
Olá Nirvana,
Concordo que melhor que fazer a apologia pública de alguém só porque "fica bem", é mostrarmos clivagens que nos ajudam a pensar. Para o bem ou para o mal, falarmos de alguém é valorizar essa pessoa. Os aspectos que salientas de um passado que se recorda com realce, mas que não deixa de ser longínquo, é sem dúvida o que fica no coração dos que beberam a inovação e a criatividade do génio, independentemente de defeitos pessoais.
Lamento não ter tido capacidade, ou sentimento para, em vez de um mero texto de opinião analítica, ter conseguido enaltecer a personagem pelo bem que terá trazido à humanidade. Eu, que escrevi em tempos um epitáfio, não o consegui reproduzir aqui, onde teria eventualmente mais mérito e outro brilho. Assim, sinto que me fiquei pela mediocridade. A mesma a que um dia terei eventualmente direito. Talvez a via mais fácil...
Para que não me esqueça (porque sei que cá volto), deixo aqui dois links para abordagens que considero superiores, preferíveis pelo que trazem de inovador e genial, pelo modo em que não se sendo fã, é possível ser igualmente justo:
http://cabradeservico.blogspot.com/2009/06/os-deuses-devem-estar-loucos-ou-nao.html
http://cuidadoaoabrir.blogspot.com/2009/06/billy-jean.html
(O último estou certo que conheces)
Um dia aprenderei que na vida, melhor que o mero desabafo, é a habilidade em fazê-lo de modo a gerar algum prazer no que conseguimos transmitir aos outros. Que há formas de dizer que não apoiamos às cegas, sem ser pela fácil negativa, e continuar a fomentar, ainda assim, o pensamento sobre as controvérsias.
Sem entrar em carneiradas, e sem negar a certeza do que escrevi, interrogo-me o que terá trazido de novo a quem lê. A resposta não é óbvia...
Bjk! :)
Respeitado "ninguém" (anónimo)
Estou disponível para conversar no meu blog.
Gemini, então queres levar-me as medalhas? :)))
(Pronto, está bem... Sei que o mérito é teu, mas como nunca tinha tido nenhum, custa-me vê-lo partir)...
CybeRider, não é de educação apresentar alguns argumentos fora da "nossa casa"... ;)
('ele' é todo teu!)
Abraço.
Hoje contaram-me uma anedota de um terrível mau gosto que vou aqui partilhar. É horrível, eu sei e vais ficar a pensar o pior de mim mas, cá vai: MICHAEL JACKSON FEZ MAIS UMA OPERAÇÃO PLÁSTICA............... ESTICOU O PERNIL...
E, já agora, mais uma: ... e o que fez ele assim que chegou ao céu? Virou-se para o S. Pedro e perguntou: "Onde está o Menino Jesus?"
Epá, tens razão isso é de terrível mau gosto... Ainda me dói a barriga e tudo...
Já sabes como é, tomara que contassem algumas a nosso respeito se algum dia chegasse a altura... Mas com outros assuntos. E sem picos a azedo! ;))))
Vai ficar conhecido para sempre como o rei da pop e da lixívia.
Abraço aí para baixo.
Mas ainda é o OMO o que lava mais branco(s).
Abraço! (A ver se nivelamos isto um dia destes!)
Não tinha visto as coisas por esse prisma. (o da última frase)
Sei que me senti muito estranha quando, no meio de uma reunião, alguém anuncia "morreu o Michael Jackson" e doze pessoas soltam uma gargalhada histérica. Tão bizarro quanto o próprio...
CJ, depois do texto da Tereza, posterior ao meu, e de um outro no "Cuidado ao Abrir", vi que apesar de não se ser fã, é possível dizer algo de alguém de forma positiva.
São diferentes abordagens.
Neste blogue não há notícias nem descrições da realidade, para isso já há muitos. Há posições pessoais, ficção, desabafos.
Ao abraçarmos certo lado de certas questões tornamo-nos, nalgumas ocasiões, mais impopulares, mais solitários. Sobretudo quando confrontamos a universalidade de certos "supostos" sentimentos.
Também tu demarcas a tua posição, no que escreves, sem alinhares em carneiradas. Isso é mais importante do que aquilo que alguém possa pensar acerca de pontos de vista menos "aderentes".
O que referes é grotesco. Mas é-o principalmente porque se essas pessoas lessem o meu texto ou o teu (sim, eu li e admirei, no Cabra) iriam criticar-nos e apelidar-nos de coisinhas feias, que afinal também não merecemos, porque os nossos pontos de vista têm honestidade e pureza, sem incentivo ao confronto ou à angariação de adeptos. Estimo essa qualidade, e não temo esta solidão.
não discuto o gosto de cada um que é coisa indiscutivel, digo eu
nem tão pouco a qualidade musical, que embora não viva sem música, só toco campainhas de portas (grandes ralhetes me dava a mãe por isso) ainda que tenha vivido anos numa casa cheia de instrumentos. ahhhh também toco campainhas de bicicleta e buzinas de automovel (raramente)
mas há coisas que transcendem completamente o funcionamento dos meus neurónios (ainda tenho pelo menos um em perfeito estado de saúde). homenagens postumas são coisas que me fazem alguma confusão porque para mim as pessoas são-no enquanto vivas e é enquanto seres vivos que devo fazer algo. mas dizia eu que transcende o meu pobre entendimento por me parecer aberrante, fazer-se espectáculo (há outro nome mais apropriado?) sendo o actor principal um defunto. nessas alturas só me ocorre um enormissimo "haja paciência"
E era exactamente assim que eu gostaria que fosse comigo, Escarlate. Estou muito disponível, mas é para a vida, não me importo que me esqueçam assim que me despedir dela. Mas gostava de saber que tinha feito uma pequeníssima diferença, mas até isso acho que já fiz. Acho disparatado que alguém me recorde, mas se esse disparate acontecesse que fosse por muito pouco tempo. Aqueles que lembramos de há muito nem sempre será pelas melhores razões... Nem pelas suas qualidades interínsecas.
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