Por esta altura estarão a pensar que não falo a sério.
Pedem-me provas... Pois bem! Não que tivesse de fazê-lo, mas dar-vos-ei as provas que me pedis.
Nasci com vários dons. O primeiro é a Incapacidade Da Ideia Derradeira, daquela ideia com potencial para acabar com tudo. Que, dizem, a imaginação humana não tem limites. Pois a minha tem. Não conseguirei nunca ter essa ideia maldita. Nunca criarei um procedimento ou artefacto capaz de me (nos) destruir.
O segundo é a Incapacidade De Violentar. Assim, não concebo a possibilidade de qualquer acto menos digno para com os que me rodeiam. Para quê? Para viver num mundo de sofrimento? Não creio que houvesse justeza na minha criação, nem que me fosse atribuído um mundo cheio de coisas boas, se eu fosse capaz de o destruir em actos que me envergonhassem perante mim.
O terceiro é a Incapacidade De Subjugar. Devo explicá-lo? Acho que é um dom bastante fácil de compreender...
O quarto é a Incapacidade De Me Glorificar. Mas este não vos fará diferença. A menos que pensassem que vos faria sombra. A minha natureza porém é diferente, não vos causarei obstáculos. Já mencionei a minha incapacidade de interagir com este mundo que me foi destinado, não lhe poderei alterar uma vírgula. Lamento. Peço-vos apenas que não me endeusem. Consequentemente, nunca ouvirão falar de mim.
Surpreende-vos decerto que os meus dons sejam, de facto, incapacidades. Poderá até parecer que misturo conceitos antagónicos. Não é assim. Observai que as capacidades equivalentes estão distribuídas, em porções desiguais, por muitos de vós. É isso que vos torna humanos. Sois os humanos do meu mundo, e tendes a minha compreensão porque os dons que refiro não vos terão eventualmente bafejado.
Cuidai porém, que alguns se fazem passar por mim! A esses, a minha sociedade fecha-os num hospício. Perguntei a um uma vez:
- E vós, senhor? Qual é a vossa graça?
Ao que me respondeu com um pino perfeito.
Se depois de vos confessar isto, duvidas houvessem, pediria que fizessem rapidamente um raciocínio. Que pensassem a quem confiariam qualquer dos bens que, sem ter aprendido por mestres ou manuais, vos afirmei que sou incapaz de violar. Eu tenho a resposta imediata para essa dúvida, se alguém ainda questionasse: a mim!
Dizem-me, porém, que tenho uma doença mortal. E isto deveria ser segredo. Não quero que se saiba que padeço deste mal, que até nem sei se é derradeiro como afirmam, mas já que o disse, e até o aflorei anteriormente... Que não vos cause ansiedade... Padeço de vida! Dizem-me que é fatal. Irremediável. Sinto-a que me consome, a cada dia que passa... Receio, por isso, que o meu mundo possa eventualmente chegar a um fim, e que todos desapareçam. Mas tento resistir. Sei que quanto mais me aguentar, mais tempo tereis para gozar o meu mundo.
Não vos roubarei, nem vos governarei. Isso já há muito quem faça de sobejo, com muito sucesso e pouco senso, mas esses não têm a responsabilidade de ter um mundo só deles, daí que terão o meu perdão. Afinal, que bem poderia eu guardar ou querer para mim, se o que me encanta é a vossa felicidade suprema?... Hei-de admirar-vos sempre o saber, para meu espanto. Nunca vos direi que esse saber de pouco vale, que não alterará o percurso do Universo. O meu pouco saber, o que quer que isso seja, também me é absolutamente inútil, bastam-me algumas habilidades empíricas.
Lamento que alguns de vós nunca cheguem a conhecer-me. No vosso lugar, eu gostaria de saber quem fosse o dono do mundo em que eu estivesse. Mas, talvez seja melhor assim, há coisas que não devem ser reveladas por não aproveitarem a ninguém.
Sempre vos vou pedindo que deixem de pontapear os que julgam sem-abrigo. Um deles, pelo mau aspecto, poderei ser eu, e esse nome nunca me caberá, porque afinal de contas,
O Mundo é meu!
P.S.: Concluo que me estou a evadir da responsabilidade por todas as catástrofes, não necessariamente as naturais, que vos acontecem. Pois bem, como saberão, os dons nunca são atribuídos aos pares. Os meus também não foram. A minha honestidade irrepreensível não me permite que vos oculte a verdade. Tenho um quinto dom! Trata-se da Incapacidade De Ser Competente. A competência transformar-me-ia num tecnocrata que vós não gostaríeis de conhecer. Nessa medida, já sabeis a quem responsabilizar por todos os males que têm vindo ao meu mundo, derivam da minha incompetência em pôr ordem nisto. Esta característica, que também me diferencia de vós, que ambicionais a competência, tem-me impedido de acabar com muitos dos males que condenais à humanidade.
Não o mencionei, porque ainda estou a aprender a lidar com ele.
© CybeRider - 2009
16 comentários:
Também tenho uma doença mortal... tou vivo (ainda...)!
Estar vivo é por si uma doença mortal, de duração imprevisível. Assim como "a saúde é um estado transitório que não augura nada de bom"...
Caríssimo Cybe,
Tinha outras expectativas para o “2 de 2”. Pensei que me iria confortar na segurança dos braços do dono do mundo… Não sinto essa segurança!
Quase te sinto intimidado pelas tuas responsabilidades de dono do mundo onde eu vivo! Isso, deixou que chegasse a meus “olhos”, a fragilidade dos supremos “donos”!
E sabes que mais?
Afinal, o dono do mundo sou eu!
Sim! Declaro-te-o!
E sou porque, acabaste de me impor a necessidade de te ajudar; O que seria incomportável num mundo teu! Assim sendo, o mundo é meu, te o declaro novamente!
No entanto, ficarei em alerta. Sei que, outros virão, que me o tentarão tirar. Então…Então aprenderão que de tal não serão capazes… Porque o mundo é só meu, e tu como todos os outros, constituem-no, e assim sendo, se não os vir e ouvir, jamais existirão! O conteúdo, não poderá conter o contentor!
Estou a gora a pensar, no prazer, que vocês; elementos do meu mundo, me proporcionam prazer, e que eu, como qualquer outro criador que existisse, me deleito com esse prazer…
Mas, na qualidade de dono mundo, te digo que és o dono do mundo… e outros há que são os donos do mundo…
Um forte abraço, do dono do mundo.
Olá Mário!
Não são as responsabilidades que me limitam, mas antes o esplendor dos dons que enformam a minha génese. Folgo em te sentir com capacidade para ultrapassares as minhas limitações, que considero qualidades. Porém que dons terás tu como trunfo?
Espero que não sejam os mesmos, principalmente o 5º, que requer alguma habituação e destreza.
Apenas tentei demonstrar aos crentes as limitações de um deus. Caso exista, o meu texto talvez explique as razões pelas quais não lhe vão encontrando virtude.
Ou então alguém se enganou e o enfiou num hospício, onde ele definha a esta hora.
Qual é afinal a tua graça?
(E não me digas que te chamas Napoleão...)
Forte abraço (Uriel?...)
Quem é então o dono do mundo?
Irei tentar falar deste assunto, contando com o esforço de tentar não ser influenciado por conceitos prévios; o que desde já acho difícil, sendo que no fundo não passo de um somatório de realidades, a que se juntou umas pitadas de química, salpicadas de vivências e um pouco de alquimia, com quem conto muitas vezes e que nem sempre está disponível…
Quem é então o dono do mundo?
Começarei por… Não! Esses nem pensar! Pois, esses também não!
Bem mas afinal quem é? Acho que vou tentar saber, quem não é o dono do mundo!
Ora então, cá estou eu. Dono do mundo.
O que é exactamente ser dono?
“Substantivo
do.no substantivo masculino
1. possuidor de alguma coisa
2. proprietário
3. senhor
4. senhorio “
in (http://pt.wiktionary.org/wiki/dono)
Em todas as descrições, acima referidas, entendo, domínio, controlo e capacidade de manipular. Então eu sou dono de quê? Do ar que respiro? Não estou a dominar a capacidade de o dominar… E agora que estou a pensar nisso, lembro-me… de mim, sim eu sou meu! E sou eu que me domino!... Será? Domino as minhas mão? Bem os movimentos delas, domino, mas nem sempre, e a mão, estrutura físico-química e bio funcional?... Sou dono dela?... Se tivesse nascido com três, ou apenas com uma, seria também dono delas?... E o meu sangue?... Quanto tenho exactamente? Posso criar mais se quiser e diminui-lo do mesmo modo?... E as pernas? E as unhas? E os intestinos? E os olhos? E o coração? E os pulmões?...
Estou deprimido! Acho que nada domino em mim!... Há, já sei, os pensamentos! Nunca dominei as putas das insónias! E bastante jeito me daria!... Não, não sou dono de nada!
Com esta imagem na minha cabeça, percorro todas as coisas que tenho como minhas, e… a terra foge com a chuva ou com as dívidas, as arvores com o fogo ou com a doença, os carros… as casas…
Bem, está visto que não sou dono de nada! E os outros serão?... E eles sabem disso?... E que pensam eles disso?...
Não sou dono nem da minúscula parte que partilho, tão simplesmente porque a partilho, e é impossível não partilhar!...
Sinto-me, eventualmente e apenas, dono da diferença! Sim, só sei que tudo seria diferente se eu não existisse, como o é por eu existir. O universo será infinito e ilimitado, mas é-o, contendo-nos. As características do universo variam com as variações do seu conteúdo! Pelo que, a mais microscópica mudança na mais pequena reacção química ou física, é em si, uma diferença nas imensas realidades de todo o universo!
Devo-me lembrar, não me esquecendo, que este universo é irremediavelmente partilhado, garantindo que ninguém é dono de nada e que, absolutamente nada era ou será meu, antes da minha existência ou depois dela! Apenas, e quanto muito utilizo!... e, simultaneamente, sou dono de tudo, não sendo dono de nada.
O estado em que deixo o que partilho e utilizo, deve ser alvo de uma profunda reflexão!... Será que sou dono da responsabilidade de deixar melhor ou pior, este universo à minha passagem?...
…Parece-me que afinal sou dono de alguma coisa……………….
Um abraço partilhado, e outro só para ti…
(Cybe, este comentário é post no Recanto dos Suricates)
"(...) Mas a discórdia também é bem-vinda! Estás à vontade, caso te apeteça! ;)(...)"
Não sei se será, a ser, será ligeira,e então cá vai alguma...
Eu não sou, seguramente, o dono do mundo. Mas serei filho dos donos, e manter-me-ei assim.
Irei preocupar-me em cuidá-lo, porque é vosso, mas acima de tudo porque me permitem desfrutá-lo. E quanto melhor ele estiver, melhor será o meu (nosso) proveito nele.
Eu também pensava que tinha um, mas é apenas projecto, perto do vosso, e não realizarei vida suficiente, que me permita realizá-lo.
Abraço, CybeRider!
Mário, o nada e o tudo são conceitos que enformam o infinito. Como tal coincidem, ainda que na nossa mente pareça que não. Talvez o caminho para dominares tudo seja abarcares o nada. Não te fies nos conceitos dos homens, esses padecem de defeito de génese, nascem dos que pouco possuem, e consequentemente muito lhe é vedado.
Se todos tivessemos os dons que refiro, não estaríamos no caminho certo para uma convivência pacífica e para um verdadeiro domínio do mundo?
É o facto de realmente acharmos, erradamente, que algo nos pertence que nos perde. Diz-se que nescemos despidos, morreremos despidos também, coisa de que nos apoderemos nunca nos poderá acompanhar. A posse é, por isso, um conceito sempre temporário.
Claro que chamarmo-nos "Napoleão" ajuda!
Felizes são os loucos.
Forte abraço!
Olá Gemini!
Acredita que não é glória ser dono de algo que não dominamos. É assim como ser dono de um escorpião venenoso, podemos admirá-lo mas dispensemos as carícias...
Como justificar a responsabilidade que sinto por não conseguir modificar a contento de todos o que me calhou em sorte sem que desejasse, ainda por cima com incapacidades que justificam talvez os resultados. Se ao longo da minha vida não me tornei no pensador capaz de criar uma legião de seguidores, que tivessem a mentalidade de levar o mundo a bom rumo... Apenas a mim me posso culpar, quando a História, que me inventaram, me aponta modelos a seguir que nunca sequer igualei.
Por isso me escuso a apontar a dedo os maus governantes, os criminosos, os injustos. Todos existem porque fui incapaz de os varrer da face deste mundo, por uma ideologia que os negasse, bem contra a minha vontade. Em conceitos mundanos, não sou o anti-cristo. Sou antes aquele que nunca conseguiu sequer igualar Cristo, quanto mais superá-lo. Mas tudo isso são lendas que me inventaram para que pudesse agora citá-las aqui, como bem sei que são... Sinto-me assim dono dessa fera terrível, que corre solta e que não domino, nem dominarei. Para mal de todos.
O meu texto não é sobre posse, é sobre desilusão e incapacidade, ambas a meu respeito.
Abraço, Gemini!
Cybe,
Para variar, deixas-me feliz!
Acabo de ler o teu comentário ao meu comentário, e subscrevo-o. Não vou ceder à tentação de o complementar, talvez porque o iria estragar…
Tenho a certeza absoluta que, e mencionando-te, “Se todos tivéssemos os dons que referes, estaríamos no caminho certo para uma convivência pacífica e para um verdadeiro domínio do mundo.”
Só para terminar este capítulo, te digo que me dá muito prazer estas trocas de ideias, que são sinceras e genuínas, e que com certeza são uma mais-valia para o dia de amanhã.
O meu obrigado por mais estas reflexões.
Mário
Mário, sei que não preciso, mas reafirmo, que é sempre um prazer absoluto encontrar-te para estes desafios. Sei que enriqueço assim, sem justa causa. Porém a beleza do pensamento humano, é que este enriquecimento pode ser partilhado sem custos. Haja a habilidade. A vontade, eu tenho.
A gratidão sou eu que ta devo.
Abraço!
Que interessa quem é o dono do mundo?
Que interessa quem o governa mais ou menos que nós proprios?
Se cada um souber prezar cada pedaço(espaço) que calca, o mundo talvez se torne melhor.
Posso dizer que cada um é dono do seu proprio espaço (talvez nao saiba dizer exactamente o limite) mas ninguem consegue fazer nada no mundo sozinho, portanto...
que tal cada um afirmar que é dono do mundo, mas que juntos somos bem mais superiores?
eu sou dona do meu, mas acima de tudo sou dona de mim mesma (e esta hein? ja nao me poderao contrariar :P)
tal como tu, tenho varios dons, parte deles tambem a incapacidade de algo, mas tenho um dom melhor que qualquer um desses...
O dom de SER EU MESMA...
O dom da incapacidade de algo, todos nós temos (nao escapa ninguem a isso), mas o dom de sermos nós mesmos, nem todos conseguem alcançar...
para mim isso é muito mais superior que qualquer incapacidade afirmada, pois todos sabemos que nem tudo conseguimos alcançar, mas esse dom, supera qualquer incapacidade :)
beijoca CybeRider :)
CybeRider:
Aplico-te a ti, um conceito da matemática que é oposto (em certa medida) do que dizes.
Os Limites, são dados por dois números, e entre estes dois números (limites) são infinitos os números entre si. Assim tal como estes, tu dentro dos teus limites és infinito.
Abraço
Olá Soraia! É de facto como dizes, se nos interessarmos pelo que considerarmos nosso e nos interessamos pelo bem-estar de todos, como se fosse o nosso também, o mundo será melhor para todos. A partilha é superior à posse individual.
Esse teu dom é bastante especial. É o que define a personalidade. Sabermos ser nós mesmos é muito importante. E é bem verdade que nem todos o conseguem alcançar.
Beijoca, Soraia!
Olá E...!
Os números... Essa interpretação pouco emotiva que os homens encontraram para compreender a realidade. Não lhes conhecia a poesia, mas pelo que dizes, encerram mistérios que só alguns conseguem interiorizar. Deixas-me curioso por conhecer melhor essa realidade que não domino.
E acabas por, científicamente, descrever as limitações da mente humana. É que de facto sempre me senti incapaz de imaginar o infinito. Talvez pela existência desses "limites" que são afinal dois números. Serão os números o segredo da nossa criação?
Serão as máquinas os sucessores da espécie humana? Talvez até os seres que nos criaram, com base numa numerologia que ainda nos é hermética...
Abraço, E...!
Que mais dizer-te? Brilhante. É só o que me ocorre...
São os olhos de quem lê que lhe dão a luz, CJ. Doutra forma estes devaneios de um louco não passariam de uma fatia de coisa nenhuma. :)
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