sexta-feira, 22 de maio de 2009

Nunca mais!

Evito a expressão "nunca mais".

Se por um lado me daria a tranquilidade de melhorar o mundo à minha volta sem intervenções intempestivas, por outro lado priva-me de voltar a lugares que, não sendo perfeitos, me ensinam o caminho para a tranquilidade.

O "nunca" é o obstáculo maior de vencer. Se por um lado nos livra das atracções mais perigosas e de aventuras desmioladas, por outro é a barreira aos sonhos que pressupomos inalcançáveis.

Por isso me custa a sair. É uma palavra que tenho de mastigar, tomar-lhe o paladar, como quem degusta um manjar exótico.

Já o "mais", sinónimo de adição, proliferação, virtualmente abundância, podendo ser de evitar quando nos referimos ao pernicioso, é capaz de uma atracção quase irreflectida. Quando nos perguntam "queres mais?" raramente nos surge a imagem de um malefício, a menos que tenhamos atingido o ponto de saciedade, o que para muitas situações é em si um objectivo por cumprir.

Quem nos quer mal não nos costuma colocar a questão, que surge na continuação de um acto. O mal é algo que se distribui, normalmente sem perguntas directas e que se pressupõe, à partida, intrinsecamente aceite pelos contemplados.

Quando se juntam as duas é que adquirem contornos verdadeiramente maquiavélicos:

"Nunca mais" é um ponto sem retorno. Um autêntico mergulho no infinito, perdem-se os limites, abandonam-se referências, para passarmos a dedicar todas as nossas energias numa inacção que não terá fim à vista. Todos os meios ao nosso alcance servirão para ajudar à causa, ainda que isso nos traga tristeza e depressão.

O abandono de um vício é por isso algo que considero incomensuravelmente difícil. Registar, de forma indelével, que algo que dá prazer tem de ser, por vontade própria, abandonado para sempre, provoca decerto uma angústia atroz que só poderei conceber por uma força superior de razão. Esta "razão" mais não é que a racionalidade a que deveríamos apelar quando nos socorremos do nosso bom-senso.


Nessa medida, se já me custa articular a palavra "nunca", a expressão "nunca mais" tem para mim o peso de uma "palavra de honra" à antiga. Utilizá-la significa a aquisição de certezas absolutas que já referi não ter, como tal e por via das dúvidas, prefiro esquecer-me de que existe.

E não deixa de ser caricato que acabe, assim, por concluir que o que me impede de utilizar essa expressão seja mesmo a falta de senso, que nunca mais tenho...


© CybeRider - 2009

20 comentários:

luisM disse...

E eu pensando que "nunca mais" queria dizer, em português, pode ser que sim, pode ser que não. Afinal os políticos profissionais não têm razâo?

CybeRider disse...

luisM! Que bons olhos o vejam nesta humilde casinha!
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Oh se têm! Mas só em relação à morfologia e sintaxe que quanto a conceitos aquilo anda tudo um bocado baralhado. E à falta de palavras em português lá se socorrem de outras línguas (as de gato também não são más, e em muito caso seriam as aconselhadas...).

Mas diga-me, que não recordo esse - beduíno - como um autêntico profissional, está-me a falar portanto do Adriano Moreira ou de que outro?...

É que a nossa política é assaz lacunar em políticos profissionais. São principalmente amadores muito bem remunerados.

Nirvana disse...

Olá CybeRider
Ora aí está uma expressão que uso cada vez menos. Aliás, pensando bem, acho que já nem a uso. Assim como o sempre. Essas certezas absolutas tinha-as quando era mais novita, jovem idealista que achava que viver era muito fácil. O pão era pão e a água era água. Tantas certezas que eu tinha! Com o tempo, muitas dessas certezas desapareceram, foram destruídas e deram lugar a incertezas e a "certezas" menos felizes. Até o pão de hoje, apesar de muito variado, consistência tem pouca, a água já não se pode beber na fonte, e às vezes é melhor amolecer o pãozinho com a água, de tão duro que é.
Às vezes ainda penso "nunca, mas nunca mais..." mas já me aceitei como mulher de pouca palavra (:)) porque o nunca mais vai só até à próxima vez. Por um lado, fico feliz por assim acontecer, porque o dia em que deixar de ter esperança, de acreditar que realmente as coisas e as pessoas podem ser diferentes, vai ser um dia muito triste, muito vazio. Como dizes, um ponto sem retorno. E recuso-me a acreditar nisso. Se calhar também tenho falta de senso :).

Já não me lembro como vim aqui parar a primeira vez, mas ainda bem que aconteceu. Escreves textos que tocam cá dentro, que fazem pensar. Para mim é uma honra poder contar com a tua visita no meu cantinho. Quanto à frase, obrigada pela lembrança... e por constar no teu quadro.

Beijinhos e bom fim de semana

CybeRider disse...

Olá Nirvana!
O teu comentário não me deixa mais aliviado. :)

É que no "sempre" ainda não tinha pensado...

Mas fico com a certeza de que haverão afinal poucas coisas que possamos considerar com a mesma genuinidade de antigamente, o que não deixa de provar a nossa grande capacidade de adaptação. Por outro lado ainda pudemos ver como muitas coisas, que entretanto perderam qualidade, eram no antigamente, por mais que tentemos explicá-las ou reproduzi-las poderemos ter que concluir que se perderam para sempre.

Se tens alguma falta de senso conserva-a que ainda será o ponto de apoio para suportar muitas das loucuras que temos que encaixar no dia-a-dia. :)

Olha, também não sei como é que viste até aqui. Continuo convencido que quem ficou a ganhar fui eu. Aliás, tenho concluído que tenho aprendido muito com os comentadores, e não deixo de sentir algum receio do tal dia em que hei-de escrever aquele grande disparate que vai fazer com que todos se zanguem comigo.

A frase é apenas uma forma modesta de agradecer a coragem que vocês têm em deixar aqui o vosso ícone sem recearem ser alvos de crítica por coisas que eu aqui escreva. Obrigado!

Bom fim de semana para ti. Beijinhos!

Nirvana disse...

Esqueci-me de te dar os parabéns pela ideia original de colocares as frases. Além de ser um gesto bonito, não me deixa esquecer o que disse, naquelas (poucas) alturas em que me apetece desacreditar.

Lamento discordar, mas quem ficou a ganhar fui eu.
Por mim, podes escrever os disparates que quiseres porque duvido que me fiques a ganhar ;)
Bjks

CybeRider disse...

As frases só mostram que o mérito é de todos. Recordam-me que um blogue é de quem escreve e de quem participa. A este "nunca mais" lhe poderei chamar meu. Porque já houve quem me acompanhasse a fazê-lo. :)

Não me desafies, nisso dos disparates, que não sabes do que sou capaz... :)))

Bjks

Soraia de Chaves disse...

ái eu cá também não digo que esta água não entornarei e assim pois nunca se sabe não é verdade agora o mais digo muitas vezes mais mais não pares mas de resto nem sei se precebi isso tudo é um bocadinho complicado e assim eu cá de filosofia não percebo nada eu é mais trabalhos manuais e assim

jocas maradas e assim

CybeRider disse...

Olá Soraia de Chaves (passou por cá há pouco tempo alguém com um nome parecido, que até pensei ser outra pessoa e assim...). Como também não percebo nada de filosofia nem de trabalhos manuais, resta-me desejar um bom fim de semana e retribuir as saudações calorosas.

luísM disse...

Pois, bem remunerados e amadores, nessa estou cada vez mais de acordo. Caneco, se faço alguma ideia em que é que os políticos gastam o tempo todo, vejo-os sempre na mesma, quer dizer, mais velhos, mas nada sábios, tal como começaram. E quanto mais se desce na hierarquia, mais espantosos são.

Vicissitudes da democracia participativa. Se esta existisse talvez surgissem outros. Mas quais são os portugueses que acreditam nisso? Nem para o condomínio, quanto mais para a junta de freguesia e por aí fora.

Á, como eu gosto do clima de Portugal!

CybeRider disse...

De facto luísM, e o pior é que a desfaçatez duns leva ao desespero doutros... Vão ficando alguns teimosos, enquanto os deixarem ficar por cá a lançar atoardas.

Deixei (já nem sei onde) que num regime totalitário a oposição se apoia no protagonismo de heróis e mártires, que falta nas democracias. Nestas, o que se diga com razão fica sempre no anonimato, prevalece(m) o(s) compadrio(s) - que enforma(m) o(s) grupo(s) dos elegíveis - como antes, mas paralelamente à "tal" liberdade, que nos evita (algumas)sevícias, e em desprimor da competência; mistura que torna tudo mais ameno e aparentemente irrepreensível.

São os temperos da gastronomia a juntar ao clima aprazível!

Soraia Silva disse...

olha, vou responder aqui ao post "A relatividade do absoluto", uma vez que por algum motivo (talvez por já ser um post mais antigo, estando muitos outros à frente), poderás não ler este comentário lá:

eu gosto de usar essa expressão (tenho a certeza absoluta), gosto de usa-la quando tenho mesmo a certeza das coisas, porque sinto mais confiança em mim mesma, quando sei perfeitamente quando digo as coisas, porque o outro, percebe logo (mesmo muitas vezes custando a acreditar no inicio)que estou segura do que digo, e que não há volta a dar...
Claro, tenho sempre o cuidado de ver em que alturas o digo, não arrisco dizer quando nem eu mesma acredito nisso...

Eu também tenho a certeza absoluta que irei morrer um dia, mesmo que uma pessoa diga que não há certezas(o que é impossível alguém dizer isso), porque um dia tudo acaba, porque tudo tem o seu "prazo de validade" e nada dura para sempre...
mas não tenho a certeza absoluta se realmente irei morrer de velhice ou se por outras circunstancias da vida.
tenho a certeza que um dia a minha alma renascerá num outro corpo que estará para vir, mas não tenho a certeza absoluta no que estou a dizer, porque ainda me sinto baralhada quanto a este assunto(LOL).

___________________________________

Quando penso na frase "nunca mais", entendo-a como dois sentidos:
1º- Alguém que me estará a impedir de algo
2º Algo a que eu me esteja a impedir (de algo) por opção própria.

Se estou perante uma situação, em que me dizem “nunca mais” isto ou aquilo, e se eu não me der por satisfeita, tento sempre quebrar, dê por onde der, mesmo que não tenha resultados, importa-me a mim a insistência e ver que não desisto só por causa de uma expressão.
Se sou eu a dizer essa frase, tenho primeiro que pensar se é mesmo essa expressão que quero usar, porque por norma quando digo isso não quebro (digamos que essa expressão se enquadra com a palavra “juro” e por vezes quando se usa essa expressão, às vezes arrependemo-nos), porque caso aconteça é como se não soubesse manter a minha/nossa palavra…
Agora, NUNCA ou NUNCA MAIS, acho que é relativo, a expressão vai dar ao mesmo :)

CybeRider disse...

Olá Soraia!
Espero que te tenhas divertido no teu fim de semana merecido! Já tinha visto a tua resposta ao meu comentário lá no teu "Um dia de cada vez".

Podes sempre comentar onde quiseres, este espaço é teu, mas
como diz ali na barra lateral, recebo os comentários todos - mesmo aos textos mais antigos, porém aqui ficam mais visíveis e podem contribuir para alguma achega de quem vier a seguir. :)

Foi bom saber a tua opinião também em relação às "certezas absolutas", mas gosto de ver que concordas com a sua utilização cautelosa, porque podemos enganar-nos quando menos esperamos, e quem nos ouve fica logo com a sensação de que não somos pessoas de palavra.

Quanto a essa certeza absoluta de que morres um dia... Diria que é uma forma de fé, sobretudo se acreditas em reencarnação e assim. Digo-te que ainda bem para ti, que
consegues encarar dessa forma. A vida sem fé é muito complicada. Longe de mim tentar demover-te, quem me dera ter uma certeza assim como a tua. :))
_____________________

Quanto ao outro texto, também concordo que temos de tomar as nossas próprias decisões com determinação, isso revela carácter e personalidade. Também detesto a censura.

Aceito no entanto conselhos, e há até casos em que os "nunca mais" que nos digam são irrefutáveis. Dou-te um exemplo:

Se me disserem "Nunca mais me peças dinheiro!" - difícilmente irei contra isso a menos que queira ser ainda mais humilhado. :)

Quanto à nossa própria limitação por essa expressão, parece-me que estamos de acordo. É um compromisso forte.

E aceito que não haverá grande diferença entre "nunca" e "nunca mais", é sobretudo uma questão de intensidade. O que refiro no texto é que o "nunca" é um travão, enquanto o "mais" é um acelerador. O "nunca mais" tem o efeito de uma travagem a fundo.

Assim:

"Nunca comerei espinafres" é uma negação forte, mas irrealista, ao significar que não vais fazer uma coisa que ainda não fizeste, o resultado poderá mudar com mais facilidade do que se disseres "nunca mais comerei espinafres", aqui já existiu uma experiência que não tencionas de forma alguma repetir e à qual resistirás muito mais do que no primeiro caso, em que poderás, até por graça, experimentar a comer os tais espinafres.

Se aplicares a ideia a situações extremas que exigem a privação futura de coisas de que verdadeiramente se gosta, em vez de as estudares pela simples forma verás que o resultado é bastante mais intenso. O problema dos fumadores, por exemplo, passa por aí. A ideia de deixar de fumar para sempre é difícil de aceitar de livre vontade. Neste caso mais valeria terem começado pelo "nunca fumarei um cigarro", que o "nunca mais" é muitas vezes tarde demais.

Olha, gostei muito do teu comentário, não esperava que o texto despertasse tanto interesse ao ponto de aprofundarmos tanto este tema. :)))

Um beijo, boa semana!

Soraia Silva disse...

"A vida sem fé é muito complicada.."
Eu em muitos sentidos nao tenho fé, apenas penso assim porque acho que nao viemos ao mundo para morremos e acabarmos por aí...
Julgo que muita gente usa o termo "fé" devido ao que acreditamos, mas nem sempre concordo com isso.
Na minha situaçao nao lhe chamaria fé, apenas convicçao das minhas proprias palavras ou pensamentos!!!


"Se me disserem "Nunca mais me peças dinheiro!..."
É claro que nao me referia a essas determinadas humilhaçoes, mas sim a algo que nos proiba de fazermos aquilo que sabemos que poderia estar ao nosso alcance e nos fosse benefico :)

beijo e boa semana :)

Pepita Chocolate disse...

Vejo que a discussão por aqui vai de vento em popa...

Engraçado como um "nunca mais" em tom de interjeição tem uma conotação completamente diferente se a fizermos em tom de interrogação... Já lá irei!

Este teu "nunca mais!" alberga uma espécie de promessa interior. Algo que nunca mais queres voltar a repetir. Algo que queres evitar à viva força. Só que estas nossas promessas interiores, são por vezes, muito fáceis de quebrar; nós seres humanos, somos muito volúveis connosco próprios.E conseguimos sempre dar-nos alguma tolerância. Passo a explicar, é como um bêbedo que pretende deixar a bebida."Nunca mais torno a beber" - promete a si próprio. Mas perante o vício, pensa para si: "é só um golinho." e o seu "nunca mais", passou a ter aquela margem da excepção!

O mesmo se aplica à nossa vida quando prometemos um tal "nunca mais". Estas promessas, ou juras como lhes queiras chamar, mudam consoante os interesses que vamos tendo, os cenários que nos são postos, aquilo que a vida nos reserva. porque o que hoje poderá ser "nunca mais" amanhã pode ser o cenário que melhor nos convém.
Amanhã poderás vir a dizer em circunstâncias iguais: Nunca mais(...)? em lugar de "Nunca mais!" e isso faz toda a diferença!

Beijinho e boa semana ;)

CybeRider disse...

Olá de novo Soraia!
A fé a que me referi não é a de santos, anjinhos e cruzinhas, não tem a ver com uma religião em particular. É a crença em algo de sobrenatural para além de um fim. Um sentido que tentamos dar às nossas vidas para além da menor ou maior importância do que fazemos aqui. E a isso podes chamar outra coisa, para mim é a fé que não tenho.

Tens aí mil euritos que me emprestes? (Não me importa a humilhação, é que me era mesmo benéfico!) :)))

Beijo, bom fim de semana para ti também!

CybeRider disse...

Olá Pepita! Ainda bem que vieste!

Pois... E nem imaginas a satisfação com que tenho acompanhado isto! É tão bom ter umas conversas com os amigos!

É nos vícios que a questão nos faz reconhecer a nossa desonestidade connosco próprios. Conheço muita gente que já deixou de fumar... várias vezes! :)

E quando algo questiona a nossa integridade moral numa coisa, acabamos eventualmente por ter que reavaliar toda essa (nossa) integridade moral. O tal "nunca mais" acaba por ser um calcanhar de Aquiles. Daí que tenha começado o texto a dizer que evito a expressão. Não pretendo sujeitar-me a avaliar muitas vezes uma coisa que me é fundamental e de que preciso para me guiar.

Mas não deixo de considerar isso um aspecto totalmente subjectivo. Há quem consiga viver muito bem com essas pequenas mentiras a si próprio. No meu caso pessoal, quando me proponho algo que não consigo cumprir, ou me sujeito à compreensão de que isso se deveu a factores que não domino ou tenho que aceitar fraquezas que me fragilizam a auto-estima.

Beijinho, e boa semana também!

Soraia Silva disse...

assim à mao nao, mas tenho aqui um scanner, tenho folhas que cheguem, tenho umas notitas...
o maximo que posso fazer é tirar fotocopias de algumas ate no total fazer 1000€ eheheheh

nestas condiçoes podes pedir à vontade porque nao passas pela humilhaçao, pois eu direi que sim LOL

beijinho :)

CybeRider disse...

Olha! Que boa ideia! E sempre fica a boa vontade. LOL

Beijinho :)

the dear Zé disse...

Olá cibernético Cyber.
O meu avô costumava dizer, ou tinha escrito num pratinho na parade: "nunca mais é Sábado".
Como eu o compreendo.

Abraço.

CybeRider disse...

Olá Caçador,

O saber dos anciãos a recordar-nos que não vale a pena dar muitas voltas à tola. A realidade está bem presente para nos mostrar todas as respostas. Apanhámos esta mania de colocarmos demasiados pratos nas nossas (muitas) paredes e acabamos por nos esquecer da maioria dos conceitos mais simples. Ficam por ali misturados, às tantas já nem os conseguimos ver.

Abraço.