O Adelino podia ter sido um amigo.
Para onde fossemos poderia ter sido um prazer tê-lo com o grupo.
Pois podia, mas tinha uma rara habilidade: a de se esquivar sempre a pagar a conta...
Vestia bem e falava melhor, tinha aquele dom inato de liderança que fazia dele o detentor de uma clarividência e de um poder obscuro sobre o seu semelhante.
Os cravanços do Adelino, sempre com a promessa de que aquilo era tudo por conta dele, que logo nos ressarciria, eram de certo modo um investimento no nosso futuro. Sempre cheio de projectos promissores e infalíveis, contava-nos as façanhas de uma vida política e social precoce, onde cada um de nós ainda viria a encaixar na perfeição logo que organizássemos e completássemos os planos que ele tinha reservado para um futuro bastante próximo.
Ao princípio nem se estranhava. Na nossa boa fé de jovens, estudantes e foliões, queríamos era a diversão e nem reparávamos a naturalidade com que a carteira do Adelino tinha ficado algures pelo Mundo, sempre que o final da noite acontecia.
O Noronha, de família abastada, era o mais sacrificado. Desde os combinados do Galeto, aos gin-tónicos do Tropicália, sorvidos aos acordes da viola ao vivo, aos jantares na Trindade ou na Portugália, às "girafas" na Nova América, ao táxi do Cais do Sodré ao Lumiar; quando já ninguém se descosia, o Noronha salvava a situação. Que até lhe calhava de caminho... Que morava em Linda-a-Velha, pois...
Era por isso o preferido, desde que estivesse presente, caso contrário sê-lo-ia aquele que mostrasse estar mais abonado, ou que tivesse alguma gasolina para umas voltas à vontade do freguês.
Encontrei o Noronha uns anos mais tarde. Não terminou o curso, estava desempregado, nunca tirou a carta de condução, e calculo que o dinheiro para o táxi se deve ter acabado. Tratei-o como amigo que fora e dei-lhe o número de telefone, mas percebi que se passava um bocado das ideias, não sei se houve reciprocidade de pensamentos, que dali nunca mais nos vimos.
Os outros comparsas daqueles convívios também se perderam nas vielas do tempo. Ninguém me trouxe notícias do Adelino, mas se bem o conheço a esta hora deve estar bem colocado numa empresa de topo, rodeado de amigos que ainda não repararam que a carteira deles é a medida da sua amizade.
O Adelino tinha dois cães, pequenitos e simpáticos que se fartavam de abanar a cauda sempre que o viam, mas isso é outro conto.
© CybeRider - 2009
17 comentários:
A esta hora ou está no governo ou numa empresa pública ou, o mais provável, nas duas coisas.
O que há mais para aí são gajos destes (o meu Adelino é outra coisa, raio de coincidência de nomes)
Abraço
Z
Os cães do Adelino podiam ser simpáticos e até parece que sim - dizes tu, já que deixavam para ele, a triste incumbência de ferrar os outros quando tocava a hora de pagar. Destes, há-os em todo o lado. Há-os oportunistas, de mangas arregaçadas prontas a tramar o próximo que abrir a carteira. Há-os que o fazem com muita manha e sabedoria, com um atrevimento que nos possa deixar calados sempre; há-os que os fazem desleixadamente, direi até sem estilo próprio, e vão ferrando até alguém dizer "basta" e acanham-se, e fogem, e procuram novo poiso.
Estes, como o Adelino, são os amigos do alheio, mas que nos "roubam" por nós deixarmos, por nós consentirmos...são os amigos das nossas carteiras, não interessam elas de que material sejam feitas, interessa que estejam quanto mais recheadas melhor.
E é assim que os tais Adelinos começam a Licenciatura do "pôr para o bolso", aguardando o momento que uma carteira recheada lhe abra portas e o ponha no poleiro, que lhe afinque a arte do oportunismo e ainda será distinguido por se tornar o melhor na sua arte!
E olha que, se os cães do Adelino até nem fossem simpáticos, talvez a proximidade deste às vossas carteiras não fosse tanta, ou então eram ferrados duas vezes- pelo dono e pelos cães!
Bom fim-de-semana (e quando um Adelino destes te aparecer, podes sempre pagar a conta, não deixes é que ele se habitue mal!)
Pagas um copo? ;)- só hoje, que depois será por minha conta! Não me chamo Adelino!
Olá Caçador!
Pois, saibas que acertaste na génese, o tipo era político já naquela altura. Felizmente para a sociedade, tanto quanto sei, fez demasiadas asneiras, senão hoje era só mais outro (a lixar-nos), mas serviu-me para ver como é feita muita da política deste país.
Abraço!
Olá Pepita! É como dizes. Uma coisa é não importar quem paga por um bom momento, ou uma reunião de amigos; outra bem diferente é sermos persuadidos a frequentar determinado sítio por alguém que no fim arranja sempre uma artimanha para deixar os convivas a olhar uns para os outros.
Por isso os tais cães do Adelino, os desta história, eramos também nós que andávamos para ali a oferecer-lhe a nossa boa amizade, sem compreendermos que a pretensão dele era simplesmente exibir um status que não podia pagar. O pior é que nós também não. :)))
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E pago o tal copo! Claro que sim!
Olha, aparece lá no sítio do costume! Andamos à tua espera já há dias! Vais ver que estou lá, já sentadinho.
;))))
O texto começa logo mal... podia ter sido um amigo. Acho esta frase muito triste, assim como todos os "podiam ter sido" que passamos na vida. Podia ter sido um amigo, se não fosse parvo, se não desse importância ao que não merece e sim ao que importa, o caracter, a amizade. Enfim... há muitos Adelinos por aí.
Eu gosto de dar. Principalmente fora das datas "obrigatórias". Pequenas coisas, não é preciso serem presentes caros, mas coisas que tenham a ver com a pessoa em causa.
Acho que amigos que nos decepcionam todos vamos tendo ao longo da vida, às vezes em coisas bem mais sérias do que pagar a conta. Mas esse Adelino tinha jeito para a coisa. Como conseguia desaparecer sempre nessas alturas?
Tal como contigo, muitos dos meus comparsas de há algum tempo sairam da minha vida. Tenho pena. Mas ainda conservo muito deles e rimos a bom rir com algumas histórias, porque no nosso grupo não havia Noronhas.E nós pouco dinheiro tinhamos, mas eramos muito felizes...
Bom fim de semana para ti.
Beijos
Só uma dúvida...tens a certeza que se chamava Adelino? O sobrenome dele não começaria por S? :)))
Às tantas estamos fartos de ver o Adelino a aparecer na TV a falar disto ou daquilo!
Ai que me perdi. Então o sr Adelino é amigo ou não e está na política do quê. Ái que esta conversa hoje é muito dificil e isso.
Olá Nirvana!
De facto tens razão. E é curioso ver que a seguir ao teu "podia ter sido um amigo" utilizas um "se". Eu, no texto, utilizei um "mas". Aqui, podes ver um pensamento acerca dos "ses" e "mas" que confirmam também a minha inquietação por coisas que "começam mal":
http://outranaferradura.blogspot.com/2009/03/ha-uma-coisa-que-devia-ser-imutavel.html
Mas algumas acabam bem. Por isso acabo esse texto a "mudar de ideias", uma coisa que também me causa aversão, porque o que "devia ser imutável" é a nossa palavra, sem termos esse escape da "mudança de ideias"...
Mas reparo de estou a divagar em "aspas". Hoje abusei! :))
O tal, era de facto um habilidoso, e o apelido começa por "V". Parece que temos sempre um Adelino a passar pelas nossas vidas... Já o Caçador...
Bom fim de semana Nirvana, espero que o texto, que começou mal, te tenha dado um momento agradável de entertenimento, apesar disso. :)
Bjk
mfc! Este, que eu saiba, e como já comentei acima, fez demasiados disparates. Suicidou-se políticamente. Garanto que não se tornou figura pública. Mas não garanto que não esteja a "sabotar o navio" no background.
Soraia Chaves, por mais que imagine não te consigo idealizar perdida. Mas lê nas entrelinhas, vá lá, um pequeno esforço...
Acho que hoje em dia as pessoas tambem confundem amizade com oportunismo...
Eu gosto de dar, oferecer, gosto de ser generosa, mas nao gosto que em determinadas situaçoes me aperceba de algo abusivo das outras partes...
Há aqueles que parecem ser grandes, bem na sociedade, recheado de carteira, com boas roupas, boa fala, mas como se costuma dizer, nada é perfeito e em muitos casos um dia perdem-se...
Enquanto a mente deixa, somos pessoas cheias de projectos, pessoas ambiciosas, pessoas que queremos alcançar o inatengivel.
Existem pessoas que para subir usam os outros para que a "queda", caso haja, nao seja visivel, mas enquanto o outro nos é util, "bora lá continuar que vamos bem"...
Mas um dia o suporte acaba, a queda é maior, acabam-se os projectos, os passos que demos foram mais longos que as nossas proprias pernas que no entanto olhamos para o lado e nao se vê ninguem, apenas nós, as nossas atitudes...
fantástica esta análise Cyber!
não sei se o Adelino é real na sua vida ou apenas fruto de imaginação para escrever o texto, mas está mesmo fantástico e oportuno
Olá, Soraia Silva! Focaste um aspecto importante. De facto quando conhecemos alguém somos, por vezes, atraídos por qualidades que podem antecipar uma boa amizade.
Fazemos as nossas apostas e os nossos investimentos pessoais (e aqui não estou a falar de dinheiro nem de contas de café), enquanto avaliamos a sinceridade dessas atitudes. Muitas vezes constatamos, com desilusão, que estamos a ser usados para servir determinados objectivos que nada têm a ver com as boas intenções que depositámos nesses relacionamentos.
Custa sentir que somos meros degraus ou trampolins para os outros saltarem com o nosso sacrifício, nem sempre saímos dessas situações a tempo.
Obrigado Escarlate!
O Adelino é, felizmente, real. E digo-o adjectivado desta forma porque são estes exemplos que nos dão as verdadeiras lições de vida. Saibamos retirá-las.
Quem o conhecer:
Não me deixará mentir.
Quem não o conhecer:
Que o compre.
:)
Isto anda difícil. Trabalho, trabalho e trabalho...
Algumas coisas deviam ser imutáveis, sem dúvida. Como algumas das nossas resoluções. "Juro, mas juro, que nunca mais!" Ah!! Até à próxima! Porque de facto, por mais que certas atitudes, certos gestos nos desiludam, não deixamos de acreditar que é possível ser diferente.
Mas agora quem está a divagar sou eu :).
Voltemos aos ses e aos mas... Se pudessemos adoptar esse teu acordo ortográfico... Ui,e esta frase começa por um se??? Vou tentar outra vez: quando conseguirmos adoptar este novo acordo ortográfico,pelo menos em relação a nós próprios, com toda a certeza nos iremos sentir melhor. E frases como "eu queria tanto fazer isto, mas não devo ou não posso porque a, b, ou c não vão gostar, vão criticar,...", desapareceriam.
Concluindo, concordo com a última frase... mudei de ideias...para certas circunstâncias.
Boa semana!!!
Bjks
É só uma ideia, mas se o Adelino aparecer por aí e começar a dizer "eu pagava se...", podes sempre responder "se eu não estivesse aqui. Gostei do almoço. Até à próxima!"
:)
Pois!
Não estou numa empresa de topo, nem na política, nem tenho dois cães pequenos (cá em casa é só cães grandes?
Também não sou o "teu Adelino", mas podias ter arranjado outro nome para o gajo.
Um abraço (do outro Adelino)
Oh tio! A estória é verdadeira e passou-se há 20 e tal anos. Felizmente que os nomes não querem dizer nada. Imagina o que não seria dos Antónios...
É nisto dos nomes que um fruto podre não estraga uma cesta. :))
(Mas acredita, tivesse-me lembrado e tinha mudado o nome ao gajo, isso tinha! Mas sabes como é a malta aqui joga com outras estrelas)
Pelo sim pelo não ainda bem que os cães são de outro tamanho!!!!
Que coisa... :)))
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