Tenho sentido uma preocupação que varre o Mundo.
Uns queixam-se da falta de tempo, outros que os abismos se lhes abrem a cada passo, outros que parecem adivinhar que a sua hora é certa. E eu, que até já me ia curando destas paranóias, e acreditando que isso não passam de boatos sem fundamento, acabo por me sentir envolvido por esta negritude.
A imortalidade porém é que me causa estranheza.
Que me dizem ser alcançável. Ou por feitos notáveis, ou pela descendência que alguns por cá deixamos, ou por índices elevados de popularidade.
Se afinal tudo o que começa terá de acabar, se dizem que um dia esta esfera se vai esborrachar contra o Sol, se de facto essa estrela vai esgotar todo o hidrogénio que nos ilumina e deixar este cantinho do Universo às escuras, então de que nos serviria a imortalidade?
Para ficarmos a pairar no espaço?... Ou criarmos uma imobiliária nas cinzas, iluminada a candeias de azeite? O que quer que restasse não seria com certeza um final feliz.
Daí que me seja mais pertinente pensar no que devamos fazer para prolongar a nossa memória junto dos que nos são iguais e, desse modo, dar melhor sentido à nossa vida.
Vem-me à ideia que há várias formas de o fazer: ou por feitos notáveis, ou pela descendência que alguns por cá deixamos, ou por índices elevados de popularidade. Pois... Mas não é isto. É que estas formas aplicam-se ao colectivo. E de facto são muitas vezes os actos mais simples que deixam as melhores marcas.
É claro que a humanidade agradece os feitos de todos os grandes nomes de todas as ciências e artes mas eu, este ser minúsculo e indiferenciado, recordo também muitas vezes pequenas coisas que não passaram de breves momentos, alguns antigos, do meu dia-a-dia.
E este é o tipo de marca que gostaria de deixar.
Gostava de poder saber, sem manigâncias, jogos de influências e golpes publicitários, que marca é que incognitamente deixei naqueles que se cruzaram comigo.
Tenho de facto uma ideia do meu índice de popularidade, maior ou menor, entre a minha família, os meus amigos, os meus colegas de trabalho ou outros que comigo interagem diariamente.
Mas qual é o meu coeficiente de penetração na sociedade? Nessa selva imensa onde, com os nossos olhares mais cinzentos, nos encontramos uns com os outros todos os dias?
Recordo uma situação que me aconteceu, haverá sete, oito, talvez mais, anos - que parece que foi ontem:
Estava a estacionar um automóvel num espaço apertadíssimo à esquerda da faixa de rodagem.
Esperava começar a ouvir soar as buzinas dos impacientes que se acumulavam à retaguarda, quando de súbito me apercebo de um carro branco parado ao lado do meu, ambos de vidros abertos, comecei a levantar o meu escudo pessoal contra os "anjinho", "saiu-te na farinha Amparo" e piropos que tais, quando me apercebo que o condutor, sem se incomodar por atrasar um bocadinho mais a fila, me gesticulava até que ponto ainda me poderia aproximar das viaturas já estacionadas.
Incrédulo, porque a besta que há em mim nunca me teria, até aquela data, levado a igualar aquela atitude, segui as instruções, e recordo que só tive acção para levantar o braço em agradecimento. Recordo também que, já recuperado, me arrependi de não ter saído a correr do carro para perguntar aquele sujeito quem ele era, e dar-lhe um abraço fraterno, e fazê-lo notar que, anos que eu viva, nunca esquecerei aquele gesto.
E isto para mim é a imortalidade.
E tenho pena que ele nunca venha a saber, por mim, que a atingiu.
© CybeRider - 2009
22 comentários:
no geral podemos dizer que a imortalidade nao existe no que diz respeito ao ser humano...
podemos chamar imortal, aquilo que nos fica para sempre na memoria, porque a isso, jamais ninguem nos tira (sejam elas boas ou más, (há quem o diga)...
Sabes, eu nao percebo bem tambem o facto de termos que nos esforçar tanto se um dia tudo acabará...
dizem que vivemos para aproveitarmos o melhor que a vida nos dá, mas, por mais coisas fantasticas que passamos, que nos faça recordar todos os dias, por mais pessoas inesqueciveis, por mais alegrias que a gente tenha e recorde sempre isso, sabemos que isso um dia acabará...
eu tenho medo da morte, mas mais medo tenho, se ficar neste mundo muito tempo!!!
gosto de deixar a minha marca, de saber que soube recompensar os outros e que tambem contribui para a sua felicidade, mas um dia quero partir, sem me ter que despedir, pois saberei que na despedida, tambem terei de me despedir de tudo de bom por que passei(as memorias), tambem com eles... prefiro partir com um ultimo pensamento de toda a felicidade por que passei :)
(a estas memorias chamo imortalidade)
Um beijo
Olá Soraia Silva!
Como é que sabes que tudo acabará? Isso é como ter fé num deus. :)
Eu prefiro pensar que voltarei, na pior das hipóteses, para o sítio onde estava antes de cá chegar, e olha que se não me lembro onde estava é porque não deve ser mau de todo. E por via das dúvidas, acredita antes que vale mesmo a pena qualquer esforço, não se vá dar o caso de cá ficarmos mais tempo do que pensamos.
Não temas a morte. Não é problema teu. A nossa morte é sempre uma questão dos outros. Nós só somos "nós" para a vida e enquanto ela durar, muito ou pouco.
O teu último parágrafo também é muito bom. É exactamente isso que quis fazer transparecer no texto. Os livros do Saramago (ou de qualquer outro) podem não alterar uma vírgula no comportamento de alguém. Muitas vezes são os pequenos gestos bons, com que surpreendemos os outros, que deixam neles uma marca inesquecível que vai passando de geração em geração.
A genialidade está nesses pequenos gestos, muitas vezes tão simples mas que parecem tão difíceis de executar.
As despedidas são protocolos. Se estiveres bem contigo nunca precisarás deles para obter o respeito dos outros.
Acredito que a felicidade é como o vinho do Porto, melhora com o passar do tempo, desde que tenhamos a habilidade e a sorte de não deixar cair a garrafa. À medida que os anos passam vais adquirindo um sentimento de missão cumprida que é compensador.
Mas isso também ainda estou para ver... :)
Um beijo. Obrigado por apareceres.
CybeRider, puseste-me a pensar!! E eu, que até sou loira, a pensar... não pode ter bom resultado :)
É bem verdade que neste mundo todos se queixam de falta de tempo. Correr para o emprego, trabalhar a correr porque os prazos são para cumprir, correr para casa porque há coisas a comprar e o jantar para fazer, comer a correr enquanto se aproveita para ver as notícias, esquecendo de conversar com quem está ao lado. Enfim, corremos tanto que nos esquecemos de duas coisas: nós e os outros. E porque se corre tanto? Porque estamos sempre a pensar no amanhã. Porque achamos que somos eternos e vai haver sempre o amanhã. Pensamos tanto no amanhã que esquecemos o hoje, o agora. Claro, temos que pensar minimamente nisso, não tenho ilusões. Não posso não ir trabalhar porque quero lá saber se amanhã tenho dinheiro para pagar as contas. Mas posso escolher ter menos contas para pagar...não querer tudo, em termos materiais, e ter mais tempo para estar com quem gosto.
Não penso muito na morte. É algo a que não podemos fugir, vamos envelhecer (por mais plásticas que se façam), vamos morrer. Por isso penso na vida e em vivê-la o melhor possível e tornar-me imortal na minha mortalidade. Tornar-me imortal para o meu filho, para os meus familiares, para os meus amigos, enquanto estou cá, e tornar-me imortal nas suas lembranças quando cá não estiver. Fico feliz por estar sempre nos pensamentos deles e ser a primeira pessoa que procuram. Fico feliz por, por exemplo, no meu trabalho saber que faço a diferença. Fico feliz por pessoas com quem estive`há muito tempo, quando me encontram, me dizerem que algo que eu lhes disse fez a diferença, que os ajudou. Isto importa-me. Darem o meu nome a uma rua não me diria nada.
Tens razão, há gestos que não se esquecem. E há textos e blogs que não se esquecem ;)
Bjks e bom fim-de-semana.
Quanto à felicidade e o vinho do Porto :), concordo plenamente. Às vezes acham-me assim meia maluca por andar sempre bem, por não stressar com coisas que aos outros parecem o fim-do-mundo. Mas isso acontece por uma razão, porque estou bem e, embora tenha os meus momentos menos bons, sou feliz. Quando bebo vinho do Porto, também dizem que fico assim meia... :)
Nirvana, foi um grato prazer ver-te aderir ao clube! (Já me dispunha a fazer-te um convite que não pudesses recusar - faltava-me a cabeça do cavalo e assim...) :)))
Olha que o resultado não foi nada mau. Já estou com pena de não ser loiro, que isso parece que funciona. :)
Ahhh! Também tu acreditas na morte... E eu que sou louco (a sério!) com isso... Mas olha lá, acreditas que vais morrer amanhã? Julgo que não. Então porque hás-de acreditar que esse "amanhã" chegará um dia? E o direito à diferença? Nem tudo o que acontece aos outros (mesmo à mioria) tem que nos acontecer a nós, por isso - e para manter alguma sanidade mental - também me vou convencendo da irrelevância desse facto. (Horas de análise ajudam...)
Dizes: "pessoas com quem estive há muito tempo, quando me encontram, me dizerem que algo que eu lhes disse fez a diferença"
Isso é das melhores coisas do Mundo! :)
Pois... Textos e blogues que não se esquecem... Já vi alguns tão mauzinhos... :)))
Gosto do teu espírito. És um vintage de muito boa cepa.
Bjks, bom fim-de-semana para ti também! :)
Há dias assim (poucos)!
Ainda bem que a imortalidade é apenas feita de pequenos gestos, de memórias.
Imagina que havia uma imortalidade física. Para além de não caber mais ninguém neste casulo, pensa nas alimárias que tinhamos de suportar eternamente. E se a imortalidade resultasse de um qualquer processo artificial, comercial, eram sempre os mesmos a comprá-la.
Deixa ficar assim, perecível, com prazo de validade.
Um abraço do tio
deixei um pequeno mimo no meu blog para ti :)
agora fica ao teu criterio aceitares ou nao :P
podes sempre dizer que fica melhor guardado no meu blog ehehe
beijo :)
Sabes, isto de ser loira não dá para tudo!! E eu e o meu querido computador às vezes não nos entendemos. Sou novata nisto dos blogs... seguidores, etc, vou-me apercebendo aos poucos. Mas era passagem obrigatória passar por aqui.
Não sei o que aconteceu à caixa de comentários, sumiu-se, não sei como... se calhar foi da lixívia... :)))
Claro que não acredito que vou morrer amanhã, nem quero... ainda tenho muito para fazer aqui. Por acaso, e agora que falas nisso, quando o meu filho tinha 3 anos, tive de fazer uma viagem de avião. Nunca tive medo de andar de avião, aliás, até adoro. Mas às vezes eles caem. E pela primeira vez ao entrar num avião pensei nessa possibilidade. E o que me assustou mais não foi o facto de morrer, foi o facto de o meu filho crescer sem mim, e no futuro não se lembrar de mim. Agora no resto, não penso. Ser diferente? Ótimo. Não quero ser igual. Só quero ser eu. E feliz. Acho que é por isso que os meus amigos me acham meia tolinha... Tento sempre ter uma atitude positiva. Claro que penso nas coisas da vida, mas acho que adquiri uma tranquilidade (irra, que já pareço o Paulo Bento :)) na maneira como encaro as coisas que me deixa ser feliz.
Uma coisa que sempre cultivei, quer a nível pessoal, quer profissional, foi não me comparar com os outros. Senão... acho que já tinha pintado o cabelo...
Bjs :)
Olá tio! :)
De facto não há muitos dias assim, senão nem a memória aguentava, mas a banalização traria o consolo de uma felicidade garantida.
A imortalidade física é só mais uma das nossas heresias contra a natureza.
Um abraço do sobrinho, bom fds! ;)
Olá Soraia Silva,
Epá, agradeço-te sinceramente a lembrança. A sério!
Mas eu sou mesmo aquele tipo que já andou por aí a dizer a meio mundo que tinha o melhor prémio que alguém pode imaginar, que é ter nem que seja um leitor a pensar um bocadito nalguma coisa que escrevo. E de facto acho que é assim.
Sem tirar o mérito a quem criou o prémio, e sobretudo a ti que achas que o mereço, não deixo de pensar que esta coisa dos prémios que são sempre uma alegia e, porque não dizê-lo, uma amena brincadeira, são também símbolos de uma ostentação que não reflete mais que o gosto de uma pessoa, que o atribuíu, o que não deixa de ser algo estranho quando temos alguns outros leitores, também de muita qualidade, que ainda não expressaram a sua opinião, não achas? :))
Mas deixo-te um beijo. E já lá passo para te agradecer em sede própria.
:)
é sempre complicado atribuir estas pequenas lembranças, porque há tantos blogs e bons, mas apesar de tudo há sempre aqueles que gostamos mais, nao pela pessoa (porque tlvz nao se conheça) mas pelas palavras que nos fazem transmitir,nos fazem pensar, mas sem nunca excluir os outros (que há tantos outros que gosto muito)...
tambem acho que sao uma "amena brincadeira", mas é sempre uma forma de mantermos a sua graça, dependentemente das regras, e é um gesto de "carinho" a quem o queremos atribuir.
claro que há sempre aqueles que nao gostam nada destas brincadeiras, o que, se caso me aparecesse algum a quem tivesse atribuido, respeitaria, mas o que era importante para mim, nao era o facto de essa pessoa nao achar piada, mas sim o facto de eu saber reconhecer a mim mesma aqueles que realmente gosto :)
Um beijo.
Soraia... Vá lá, não te zangues. :)
O carinho chegou todo cá. E fico muito feliz em saber que o meu blog te merece essa distinção.
E repara que eu não estou a dizer que não acho piada. Que até acho!
Um beijo.
nao me referia a ti, referi-me no geral (para quem nao gosta)...
va, nao te encho mais este post de comentarios, por isso faz o favor de nao me responderes a este comentario (porque sou daquelas que quanto mais se fala, mais eu respondo eheheh)...
espero pelo proximo post :P
beijo :)
Olá de novo Nirvana!
Fiquei feliz por verificar que recuperaste as caixas de diálogo!
Nem me fales em aviões...
E os amigos têm essa magia de revelar o nosso lado tolinho. :))
E não mudes acor do cabelo, que essas boatos é tudo invejas! :))
Bjs :)
E pronto, dizes coisas tão profundas que me puseste a cabeça a andar à roda de tal maneira que até a perdi... e agora é que vai ser uma carga de trabalhos para a encontrar, quanto mais a imortalidade...
Abrço
Tás a ver? Até perdi um "a" ao abraço.
Olá Caçador!
Já tinha reparado que andavas para aí de cabeça perdida, cheguei a pensar que te tinha escapado alguma peça de caça grossa (às vezes penso no impossível :)) ),
fico feliz em ver que já coordenas outra vez as ideias.
(Pensava que tinhas aderido ao acordo ortográfico) :)))
Um abraço (à antiga!)
gostei do post.
Se se pode ganhar a eternidade procriando... vou continuar a trabalhar para isso... afincadamente (mesmo que não procrie!).
Olá mfc!
A tenacidade é uma virtude que tende a perpetuar-nos também. Boa dica! :)
Obrigado pela visita Intruso, espero que nos encontremos mais vezes!
Já dei uma espreitadela nos dois blogues. Gostei do que vi.
Sem dúvida que fui eu quem ficou a ganhar com a "intrusão", pelos dois sítios fantásticos disponibilizados. :)))
Olá CybeRider,
Este teu texto é... fabuloso!
Não será, no entanto, a imortalidade de alguém, 'pertença' de quem imortaliza?...
O reconhecer-lhe o gesto, o engrandecê-lo, são medidas que só conhece quem imortaliza. Seria bom dizer-lho, mas questiono-me se, neste caso o autor deste gesto, relevaria o facto de, ao fazer o que fez, se tornar imortal em ti...
Ou terá sido este seu acto, o minimo que ele 'exigirá' (sem sucesso) ao comum dos... Mortais?...
Um abraço.
(os meus comentários vão chegando devagarinho, dado o facto de só há pouco eu ter descoberto... 'O Culpado')
;)))
Olá Gemini,
Ainda bem que gostaste também deste.
Para mim este tem algo de especial (talvez possa dizer o mesmo que quse todos), é que me define a medida de imortalidade, não como algo que não entendo, e que não creio que exista para qualquer ser vivo, mas principalmente nessa medida que tão bem observas: dentro de cada um de nós que imortaliza qualquer coisa de alguém.
Estou certo que se soubéssemos a tal marca que deixamos nos outros, talvez nos fosse mais fácil encarar a possibilidade de tudo no Universo ter que ter um fim (que prefiro a uma utopia vazia de sentido).
Não fico muito pensativo sobre a valorização que ele dará ao seu próprio gesto. Confessei que até aquela data, esse gesto em particular, não me sairia. Mas as pequenas coisas que por vezes sou tentado a fazer por um impulso anímico que pudesse merecer o apreço de alguém, também me são absolutamente gratuitos, e acho que essa é a verdadeira beleza do lado bom que exista em nós.
Mas não são as nossas boas acções que nos tornam a partida mais leve...
Um abraço! ;)))
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