"Eles eram três.
Dois castelhanos e um holandês.
O holandês, forte e feio, saca das pistolas...
Zás! Pás!
Pensam que os matou?...Não!...
Vou contar a estória, como se passou..."
No original, este início repetia-se como na do Repete, que tinha um irmão chamado Repete Repete, e outro chamado Repete Repete Repete; indo o Repete Repete e o Repete Repete Repete com a mãe às compras, qual é que ficava em casa?... Pois...
Pior que estas só a da formiga que prendeu um pé na neve, que deixo para outro dia.
Na minha versão porém, menos monótona talvez, o desfecho é diferente.
Eles eram três.
Dois lusitanos e uma princesa.
A princesa, esbelta e astuta...
E neste passo deixo-me de rimas porque, além de mentir, iria desvirtuar a beleza do texto.
O momento acontece numas férias de Verão. Sob o Sol abrasador, lugar comum em que a estrela imensa não se refugia, mas nos obriga a nós a procurar um lugar fresco e sombrio. Seguiram juntos até à esplanada, junto à piscina.
Gelados, aguinha fresca, dois dedos de amena cavaqueira.
Os dois lusitanos que eram amigos pensavam, cada um a seu jeito, que o controle da situação lhes pertencia. Aquele duelo ao Sol não se desenrolava aos olhos de um juiz, nem houvera, ainda, bofetadas com luva branca. Sentados em traje balnear, fingiam aguardar a digestão para o apetecível mergulho no lago azul de onde irradiavam os brilhos dourados que os deveriam atrair para o objectivo inicial, aquele que servira de argumento para o encontro.
Sabiam-no ambos. Só um poderia sair daquela situação de queixo erguido. Um deles ganharia o troféu; o outro, trespassado, abandonaria para sempre o cenário pré-idílico que se adivinhava entre os dois restantes.
A conversa foi-se alongando, sempre afável, amena, prazenteira. Um verdadeiro momento de quase pura amizade que todos, mesmo a princesa, sabiam não poder acabar assim. Os risos, os sorrisos, os espantos, os olhares dos três, disfarçavam a guerra aberta que se travava em cada sílaba que emanava de dois.
A digestão, essa, não era já desculpa para coisa nenhuma. Amigos como eram, os lusitanos recusavam-se ambos à estocada mortal.
Subitamente a princesa, altiva e soberana, lançou o repto. "E se fossemos dar uma volta?"
Penso que dois lusitanos nunca terão tido ideia tão semelhante a cruzar-lhes a cabeça. Antes a morte, verdadeira e definitiva, que o abandono da contenda sub-reptícia que se desenrolara até ali, de forma tão inglória. Mas se tivesse de ser, iriam ambos aos confins daquele mundo.
Foi então que a princesa, sábia, majestosa, olhou para um dos lusitanos e disse: "Podes ficar a tomar conta das toalhas?..."
E foram... Ela e o outro, em direcção ao horizonte verde e fresco da imensidão do amplo jardim que se estendia até ao final do entardecer.
Não foram contudo felizes para sempre.
Anos mais tarde, os lusitanos encontraram-se. Antes de se trocarem os detalhes dos destinos até aquele dia, aquele que ficara com as toalhas olhou o outro (que pensava já ter esquecido tudo o que havia para esquecer, por muita água levada a muitos moinhos) nos olhos, e timidamente disse-lhe: "Sabes, sempre cheguei a andar com ela..." Mas o outro, antevendo-lhe a mesquinhez, já lhe voltava as costas, afinal talvez a recordar algumas tardes que, para ele, não se tivessem ainda perdido no tempo, essas sim dignas de nota.
Há segundas escolhas que ficam bem melhor por referir... Ou caladinhas, ou assim...
© CybeRider - 2009
14 comentários:
essa nao será uma história vivida por ti? :P
Uma "guerra de pensamentos" entre dois amigos, pela mesma mulher, nunca acaba bem...
um nao se pode orgulhar que afinal ele é que andou com ela, sem saber dos feitos do outro :P
beijinho :)
(embora o texto me tivesse baralhado um pouco :P)
Quatro ingredientes de peso, meu amigo: o calor, o Verão, dois lusitanos e uma princesa... só pode dar uma bela história.
Eu sempre disse que muito calor faz mal. Pelo menos a mim faz.
O Verão! Qual a melhor estação do ano para os amores...de Verão? Dois lusitanos? Eh pá, que com eles não se brinca (:)). E, claro, o ingrediente principal, aquela que dá razão à história, a princesa.
Até consigo imaginar o cenário! A piscina, as mesinhas, e os dois lusitanos a conversar calmamente, mas com os olhinhos postos na princesa...
Duelo às claras, inicialmente sem artimanhas. Um belo entardecer o prémio... mas se bem percebi, quem confessou ter chegado a andar com ela foi o que não gozou do belo entardecer.
Se inicialmente tinha pensado que ao menos não houvera artimanhas e tinham assumido que ambos desejavam o "troféu", e que o vencedor justo a ele teria direito... tudo às claras, ao sol... no final acabo por constatar que afinal não foi bem assim. Que o guardador de toalhas terá ficado ofendido e procurado conquistar o troféu em segunda mão. Porque é difícil aceitar que se é preterido por alguém. Porque é difícil ficar para trás. Porque é difícil não ser a primeira escolha.
Mas, pergunto eu, valerá a pena ser segunda escolha? Acho que não. Mas vou pensar no assunto.
Até já.
Beijinhos
Repete...
Olá Soraia,
Estória vivida por mim?...
Um lusitano de gema nunca fala sobre as suas conquistas... Essa foi, aliás, a razão do derradeiro desentendimento entre os dois protagonistas...
O desfecho é relativamente simples, nenhum dos três foi "feliz para sempre" pelo desenrolar desta situação, embora tenham seguido os caminhos possíveis.
O realce que pretendi dar, foi simplesmente o facto de nenhum dos dois lusitanos, apesar do empenho, ter tido um papel decisivo, que acabou por pertencer à princesa.
Beijinho!
Olá Nirvana,
Este pequeno conto, viola o princípio enraizado de que os homens discutem os seus "casos".
Julgo que "o que gozou o entardecer" (as memórias que lhe ocorrem ao negar o diálogo intriguista, passados anos, afirmam-no), não gozou apenas o entardecer, terá gozado o resto do Verão.
A falta de carácter do preterido naquele duelo, que ia devassar a memória que o herói da estória pretendia manter impoluta, leva-me a pensar inclusivamente que se pudesse tratar de mera provocação, sem sentido. Mas isso de qualquer modo não viria nunca ao caso, uma vez que o conto é apenas sobre o duelo e não sobre o advir.
Uma segunda escolha pode ocorrer por vários motivos. Podendo até funcionar, não tem o brilho de uma primeira escolha. Não lhe vejo motivo de lisonja. Se já a primeira escolha não o seria, porquê gabar a segunda, a não ser para efeitos de catarse?
Pior que alguém que não sabe merecer uma vitória, é não saber reconhecer uma derrota, pior que tudo isso é manchar a honra de alguém para poder exibir um toféu.
(Digo eu, como se isto me dissesse respeito...)
Até já! :)
Beijinho!
Olá E...,
Podemos até voltar aos locais. As situações porém...
A rejeição, a rejeição…
Ai a rejeição…
E saber lidar com ela?... Deverá ser, porventura, a bofetada mais forte na auto-estima!
É que o troféu, depois de conquistado, além de nunca ter o sabor de uma 'primeira' escolha, irá anestesiar-nos de tal forma os sentidos, que chegamos a pensar que fomos escolha!
Uma segunda escolha, já não é escolha nenhuma… será sempre apenas uma alternativa.
- Ó 'gentes', amem-se a vós próprios, e sim, façam de vós "a" escolha! Que há só uma.
Abraço!
Olá Gemini,
É o facto de nos amarmos a nós próprios que faz com que não consigamos compreender quando alguém não gosta de nós.
Nessa medida, até podemos achar que é o nosso "marketing" que não funciona, mas não deixamos de pensar que quem nos interessa mas a quem não interessamos só poderá ter os gostos estragados, e que ao recusar-nos estará a tomar a decisão errada.
É essa auto-estima que nos leva a correr aquele risco de aproximação que, quando não resulta, nos fará sentir essa monumental bofetada. Por outro lado, quando resulta, permite-nos muitas vezes saborear vitórias absolutamente inexplicáveis para os observadores do "jogo" (tantos exemplos...).
Por isso não compreendo quem parte para uma segunda escolha (a tal alternativa), que só poderá estar logo à partida condenada ao fracasso, por conter elementos de vingança, de ressabiamento, de censura, pela tal bofetada que tivemos que engolir sempre com sabor a injustiça. (E aí não sei se há anestesia que funcione... o venenozito fica lá... :) ...)
Abraço!
Isto é que foi pensar :).
Trabalho, trabalho e mais trabalho...sem hipótese de escolha. Mas falando do que interessa!
Eu acho que tens toda a razão quando dizes "quem nos interessa mas a quem não interessamos só poderá ter os gostos estragados...". Concordo plenamente... como eu costumo dizer a quem sofre desse mal, quem perde é ele/ela. Mas às vezes é difícil aceitar a rejeição. Como é óbvio, já me aconteceu, interessar-me ou gostar de alguém que não sentia o mesmo por mim (tinha os gostos muito estragados ;)). Já me aconteceu ser rejeitada em favor de outrem e, mais tarde, tentarem uma nova aproximação. Lá está a 2ª escolha, que eu obviamente não sou. Não só por orgulho (que também tenho algum, eu sei), mas porque a magia tinha desaparecido.
Em relação ao teu texto, julgo que esse lusitano foi movido por sentimentos menores, o que torna o facto de ser segunda escolha ainda mais frustrante, acho eu.
Beijinhos
E, Nirvana, ao aceitar-mos ser uma 'segunda escolha', (a tal alternativa) estaremos a perder a capacidade, de nos permitir-mos a escolher...
Beijinho.
Cada vez que li o início deste texto, não pude deixar de me lembrar de uma brincadeira feita como a do Repete, que o meu pai fazia connosco. " Eu conheço um ninho de mafagafos, com três mafagafinhos, [...] grande mafagafinhada"
Isto agora foi um regresso à infância; porque o restante do texto, parece-me mais uma cena de adolescência!
A rejeição é sempre complicada, mesmo que haja uma segunda oportunidade para o rejeitado, não há sabor a vitória.
E quando os homens pensam que escolhem a mulher que querem, esquecem-se eles, que são elas que já os escolheram ou preteriram.Mesmo que inconscientemente.
O ritual em ser o primeiro, o pavonear e marcar terreno é feito de modo muito directo pelos homens. E na hora da escolha o ritual de nada pode ter valido.
No entanto, o preterido, querendo um dia ser o preferido, não se importa de ficar com as sobras. A isso, chamarei falta de eatima por si próprio, porque na mente lhe fica, que um dia irá vencer, aquilo que poderá ter perdido outrora. MAs terá o mesmo gosto uma segunda oportunidade? estou em crer que não. Apazigua o orgulho ferido, mas não o elimina.
Quando há vários a comer da mesma taça, a comida perde o sabor.. mesmo que seja uma refeição à vez...
Beijinho!
Olá Nirvana,
O teu argumento para o tempo de pensar, é de peso. Nem imaginas como te entendo... Daí que isto me ande com uns atrasos que, enfim...
Como sempre lá me deixas uma a bater cá dentro "já me aconteceu, interessar-me ou gostar de alguém que não sentia o mesmo por mim"...
E será que é possível? Não haverá sempre um desequilíbrio indeterminável? Como é que se avalia a quantidade? Sei que quando dizes isso te referes aquela medida em que o relacionamento se equilibra, mas será possível que seja idêntico?... Ou será sempre uma relativização?... (Epá, tu és tramada!...)
Orgulho e magia são duas componentes de peso... Ambas importantes na balança da paixão.
Em relação ao lusitano persistente, acho que pensas bem, se bem que o teu primeiro comentário me fez imaginar outro final possível. Mas era difícil dar-lhe a volta de outro jeito.
Beijinhos!
Olá Pepita,
Essa coisa do ninho de Mafagafos tinha outro sentido, era um trava-línguas. Bonito, antigo, também conheço, o meu pai também mo disse.
Esta coisa do Repete, nunca lhe achei grande piada.
A estória, reflectiria uma dessas situações típicas, em que a aproximação dos lusitanos teria sempre que ter a aceitação da princesa, isso está sempre implícito, e antigamente era o único cenário possível. Nenhuma princesa se sujeitaria a uma aproximação para ficar à mercê da decisão de um lusitano, isso manchava-lhe a honra e a eventual recusa lança-la-ia ao total ostracismo.
Felizmente as coisas alteraram-se. apesar deste caso do texto parecer indiciar um preceito antigo, há de facto o novo elemento, que é o facto de a princesa apenas subentender as intenções dos lusitanos, sem saber qual seria a aceitação que o lusitano escolhido manifestaria.
Ela decidiu, e correu o risco de poder eventualmente ser recusada, mas sem medo, não é uma mera aceitação, é uma escolha directa.
É de facto a verdadeira heroína, porque pôs fim ao duelo independentemente da disputa que estava a ser travada entre os lusitanos, para a qual se esteve absolutamente nas tintas.
Estou em crer que de certo modo o lusitano escolhido até se terá sentido um lusitano-objecto. :)))
Beijinho
A história do Repete é bem mais irritante que a do ninho de mafagafos... Lembrei-me do trava línguas.que se repetia, repetia até à exaustão!
Como a tua história, que tantas vezes se repete! Para alguns, vezes demais!
Beijoca!
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