sexta-feira, 29 de maio de 2009

Epitáfio - (Pelo sim, pelo não...)

Ao diabo que me carregue


Aqui jaz...

Vaticinei num blogue desta praça que haveria de ter uma pedra, num pedaço de terra, com uma frase de um outro que começasse por "Aqui jaz...". Como não chego à conclusão se seria o artigo do blogue, ou uma sua frase, a começar assim para ser alvo da escolha, resolvi deitar mãos à obra - que não quero que me falte nada - e, visto não ter encontrado uma coisa ou outra que começassem dessa maneira, criar para meu alívio, bem como dos que me procedam, o tal texto que salvará de mais esse embaraço a minha imagem pós-féretro.

Tenho a perfeita noção de que a morte de alguém é sempre um problema dos outros, já o referi e volto a repeti-lo. Daí que se preocupem com os quilos que peso, que exigirão esforços mais intensos para pôr a tal caixa em ombros. E se há coisa que me causa calafrios é imaginá-los a lançar-me anátemas, para além de algum desassossego que a minha ausência mais alargada lhes possa causar.

Alguns ficarão logo com aquela ideia preconcebida "sacana, não me pagou", esses podem descansar que pagarei, logo que os volte a ver; outros que não cheguei a retribuir o jantar que me ofereceram... que não se inquietem, se tiverem barriga enchê-la-emos, assim não me falte a memória. Haverá ainda os que não conterão um suspiro, sentido e profundo, não de pesar mas de alívio.

Sabe sempre bem ver chegar o dia que põe fim a um continuado autoflagelo psicológico e persistente tenacidade, empregues em tentar desbravar, aclarar e esclarecer, esta mente absolutamente embrutecida. E ter levado com as visitas e telefonemas intempestivos, de quando em quando, tantas vezes a interromper momentos de grande elevação e beleza, também não terá sido agradável. Lamento.

Nada encontro de mais coerente que deixar perdida no meio do ciberespaço, quiçá ad aeternum, a resolução final de uma vida. Aqui onde a terra acaba e o mar começa, onde ninguém encontra e ninguém conhece, onde ninguém critica e as vozes de burro não chegam ao céu. Aqui, dizia eu, terei de encontrar a solução para este engulho.

Mais fácil seria guardar a frase que, a meu gosto, alguém dissesse com sinceridade nesse último dia; nesse em que vestido com as vestes domingueiras, sapatos novos, daqueles 3 ou 4 números acima, que ninguém compra, e por isso saem a preço de ocasião; já privado de enfeites, maquilhado a preceito, a esconder o tom esverdeado da pele, penteado a brilhantina, coberto de aroma floral, com o guardanapo enfiado dentro da boca e o algodão nas narinas, como para não sentir do aposento o cheiro a parafina; a tal frase que me ficou de infância, quando a li ao Samuel Langhorne Clemens (nickname Mark Twain) - (30 de Novembro de 1835 – 21 de Abril de 1910), e me tem acompanhado ao longo da vida, como que num saquinho de relíquias, que é esta: "Olha... Está vivo!"... e respectivas consequências.

Mas não é isso que se pede. E de pedidos também serei acanhado:

Não quero ir de burro. A viola podem deixá-la no saco, a menos que a leve alguém mais hábil do que eu terei sido. Lembram-se de como saíam sempre que a ia buscar?... Pois agora serei eu que a não quero! Não vá algum faltar e dizer-se por aí que fez lá tanta falta como isso.

Sei que não haverão lágrimas, a maioria de vós nem gosta de cebola, mas espero que não se alarvem em estrondosas gargalhadas, que não quero acordar e ver-me naqueles preparos, ou para ali fechado no caixote (sei lá quando vos daria a parvoeira), e faltar-me para ali o ar e ver-me possivelmente aflito. Fora isso espero que se divirtam, que passem um dia muito bom e que se lembrem principalmente que vos terei deixado livres de uma quantidade de problemas, que tenderiam a aumentar com o avanço da idade.

Ah! Não se esqueçam de pagar ao gajo que cravar na lápide esta frase que entretanto me ocorre, no seguimento das palavras com que comecei o texto:

"...aquele que um dia prometeu que, quando lá chegasse, O convenceria que Ele não existe. Oxalá esteja a ser, também nisso, mal sucedido."




Quanto ao testamento, é muito mais fácil. Basta seguir a moda. Não vejo como não deixar tudo à nora.





(Ainda pensei nesta: "Δεν ελπίζω τίποτα. Δεν φοβούμαι τίποτα. Είμαι ελεύθερος", mas, além de não ser minha, achei-a demasiado rebuscada.)

P.S.: Texto sujeito a alterações, consoante prazo a conceder por entidade indeterminada.




© CybeRider - 2009

19 comentários:

Soraia Silva disse...

"Tenho a perfeita noção de que a morte de alguém é sempre um problema dos outros..."

Nem sempre, nem sempre... Há quem simplesmente se desmazele para esses acontecimentos, aqueles que suspiram de gratidao e alivio por isso ter acontecido, uma vez que (talvez) essa pessoa enquanto viva tenha sido um fardo para alguem (embora nao concorde com esse termo)...

"Alguns ficarão logo com aquela ideia preconcebida "sacana, não me pagou..."
A brincar que o digas, deve haver muito disso, o ego fala mais alto e as outras coisas começam a passar para segundo plano, tendo em conta o grau de importancia...
talvez ainda haja alguem que pense (depois da morte do outro)"e agora? vou ter que recuperar o que perdi de alguma forma"...

A verdade é que enquanto deixou as "dividas" todas pagas enquanto vivo, enquanto cumpriu com as suas promessas, os seus afazeres, ja pode descansar em paz (até ha quem lhes chame de anjinho), porque caso contario, era um "diabo em pessoa"...


isso de estar num caixao, supostamente ainda vivo, so existe nos filmes, e como eu "vivo" muito os filmes (so alguns, so alguns)pereceu-me que de facto nao é nada agradavel viver essa situaçao...
mas a verdade é que este mundo está cheio de malucos e nunca se deve subtimar ninguem :P

na minha lapide hade alguem colocar:
"Aqui jaz alguem que conquistou muito na vida, agora conquistará do outro lado"

(pelo sim, pelo nao, nunca sabemos quando esse dia chegará)

beijinho :)

CybeRider disse...

Olá Soraia!
Terão que ser sempre os vivos a lidar com a questão da morte, insisto, quem morre limita-se a morrer (sempre sózinho, também), esse problema nunca é seu.

As dívidas podem ser de muitas coisas. Por melhores contas que tenhamos nunca as conseguiremos ajustar todas até aquele dia, que pode ser hoje (daí o "pelo sim, pelo não" do título, que bem notaste), nunca haverá tempo para deixar tudo "pago".

Calculo que não me farão essa maldade de me atirar para a caixa vivo. Mas que não me acordem depois de morto, é isso que me importa, já que o mais difícil estará feito.

Para garantires a frase deixa-a bem guardada, alguém poderá esquecer-se e pôr lá oura coisa. Mas pelo que conheço de ti, acho uma boa escolha, pela energia de salta das tuas palavras e pela tua atitude positiva. :)

Beijinho!

Soraia Silva disse...

Se alguem se esquecer, prefiro entao acordar dos mortos, fazer um ajust de contas e depois sim, posso voltar para onde estava à vontade eheheheh

se metessem outra coisa seria:
“vou com a certeza de que irei voltar!”...

assim ficaria o aviso, caso houvesse algum esquecimento. ehehehe


beijinho :)


(a brincar com a ultima frase, nao deixa de ser a que mais acredito, porque quase que juro que voltarei mesmo, num outro corpo, mas com a mesma alma :))

CybeRider disse...

E que bom que acredites nisso!

Chego a ter inveja desse teu pensamento! :)

Beijinho

Pepita Chocolate disse...

já por aqui estive várias vezes e por muito que leia esta tua prosa ainda não a consegui digerir. Será porque lido mal com a morte? ( e não acredito em reencarnação!)
Ou será isto uma crónica de morte anunciada? E de quê?
Pago com este comentário, para ver o que por aqui anda a ser anunciado, que eu ainda não sei se percebi bem!
E só depois me atrevo a comentar, não vá eu intuir algo que não seja senão uma má intuição.


Beijo!

CybeRider disse...

Olá Pepita!
Aprendi a lidar com a falta de fé da pior maneira. Vencer a ansiedade avassaladora nem sempre foi fácil, até que deliniei a minha própria forma de resistir a esse ponto final. Enfrentar a coisa pode ser um caminho, fazê-lo pela positiva é um traçado sinuoso. Tenho algumas recaídas, mas já perdi o medo de pensar nisso, porque me muni de algumas defesas lógicas. Passei a dedicar-me mais à vida do que me estava a dedicar à morte. Isso levou a que passasse a acreditar menos nesta e mais naquela (e continuo convicto de que não me acontecerá, mas todos teimam em me convercer do contrário...)

Para a minha forma de ver as coisas, o que coloquei no texto é bastante divertido por várias razões (este espaço é curto).

Por exemplo a dedicatória é uma inversão (indicía que troquemos de posições eu e ele).

O post scriptum foi sobretudo para evitar que pensassem que eu estava a prever alguma parvoíce maior. Isso nunca! A tal entidade que decida até quando poderei alterar textos.

No geral é bem simples, um "epitáfio" pode ser difícil de escolher, e afinal, quantas vezes não será melhor deixar os chavões para a vida do que pensarmos a sério numa frase para a morte...

Mas isso será sempre uma questão de quem por cá fica. Essa pedra, se algum dia ma dessem nunca seria minha, pois não?

Beijinho!

Nirvana disse...

E lá me põe o sr. Cyberider a pensar outra vez!
O que escrever na minha lápide? Será mais na minha jarra ou qualquer coisa porque cá eu acredito no ao pó voltarás, e assim não corro o risco de acordar e dizer eh pá, isto está muito apertado por aqui ;)
Acho que podem escrever "Alguém que amei e continuo a amar".

Não penso muito na morte. Sei que ela vai chegar num muuuuuiiiittttoo longínquo dia (pedir não custa). Também não gosto dela, mas não posso fazer nada. Então, tenho duas hipóteses: ou vivo angustiada porque um dia vou morrer e aí já estou meia morta em vida, ou aproveito tudo, tudo desta vida, tento ser feliz, para quando chegar esse momento não dar a vida como desperdiçada.

Quanto ao depois... sei lá!! Se não houver nada, não vou sentir nada, não há problema. Se houver alguma coisa depois, acho que não devo ir para um lugar muito mau. Levo a minha vida sem prejudicar ninguém, e até acho que sou boa pessoa (digo eu).

Por isso, para quê pensar nesse momento? Quando ainda posso ter tantos momentos bons? Mais do que a morte me assusta a velhice. Aquela velhice a sério, em que há uma dependência total. Mas também não penso muito nisso. Só quando vejo essas situações à frente dos meus olhos e penso "meu Deus, como deve ser triste". E deve. Mas quando, e se, lá chegar logo vejo.

Para quem fica cá é difícil. A morte de uma pessoa não é só o fim de uma vida. É o início de uma vida sem essa pessoa. E não é fácil. Perdi o meu pai há 3 anos e ainda hoje sinto a falta dele, tanto, que só me apetecia tirá-lo do meu pensamento e abraçá-lo. Fica-me a satisfação de recordar os abraços que lhe dei em vida, a satisfação de saber que, em vida, contribuí para que ele fosse feliz, que ele foi feliz porque eu era filha dele. E, também por ele, tento fazer de todos os dias um hino à vida. Porque, independentemente de tudo, viver é uma coisa maravilhosa.
Por isso, acho que devemos aproveitar todos os momentos, para viver o melhor possível.

Beijos e bom fim de semana, porque está um belo dia e a vida é bela.

CybeRider disse...

Olá Nirvana!
De facto não me tinha ocorrido que um epitáfio se pode escrever numa jarra. Talvez mais por pensar que alguém se encarregará de me incinerar pelo que fiz se for caso disso, do que por minha escolha.

O que escrevi não era suposto ser uma reflexão sobre a morte, que essas são-me ansiogénicas e temo que contagiosas. Por isso me abstenho de meditar sobre isso, menos ainda de passar esses pensamentos a outros, também por muitas das razões que evocas, mas principalmente porque receio o mal que as minhas ideias poderiam espalhar. Tecer considerações sobre o futuro pode ser muito inquietante, e receio ser mais bem sucedido (por o assunto me ter sido já mais pensado) nessa missão do que tenho sido nestas menos questionáveis.

Supus por isso que este seria mais um memorando de instruções para uma eventualidade. Para que quem tenha que lidar com o assunto o possa resolver de forma mais simples.

Relativamente ao teu 5º parágrafo, em que mencionas o início da vida de alguém sem essa pessoa, que no meu texto abordo a partir do 4º parágrafo num ponto de vista menos pessimista (talvez por achar que não mereço essa tristeza...), compreendo a dor de que falas.

Nunca estaremos preparados para perder a possibilidade de continuar a partilhar o tempo com alguém que nos seja tão próximo.

Não percas o rumo a este teu comentário. Quando a vida não te parecer por algum motivo tão maravilhosa, vem até este ponto e lê o que escreveste. Essas são as palavras que nos podem dar ânimo, nalguns dias, para continuar.

Amanhã estará um dia maravilhoso para se viver. Vamos?

Bom fim de semana. Beijo!

escarlate.due disse...

hum... não costumo comentar textos sobre morte, prefiro sempre comentar a vida que até agora é a que melhor conheço e tenho mais à mão.

e isto não se deve a lidar mal com a morte até porque já se viu que lido bem com o assunto. apenas acho (pelo menos até ao momento) a vida muito mais engraçada.

de resto, não faço planos, até porque não sei exactamente como é do lado de lá, afinal ainda ninguém voltou cá para me contar mas é capaz de ser bom já que nenhum de lá regressa.

entretanto vou aproveitando a deliciosa vida, enquanto a tenho :)

CybeRider disse...

Olá Escarlate!
Então ainda tenho uma razão mais forte para te agradecer, porque tiveste que fazer um esforço suplementar.

E acerca do lado de lá, também não faço vaticínios.

Aproveito para te dar os parabéns pelo sururu no Cabra, passei por lá e vi que deste o mote num texto a debate! Mas estava de fugida e acabei por não poder participar, ainda lá não voltei...

E prometo que o próximo texto aqui é sobre vida! :)

Ogre disse...

Espero que as notícias sobre a tua morte, sejam exageradas, já agora.

CybeRider disse...

Epá Ogre, eu receio bem que sim. A malta entusiasma-se e exagera. Mas ainda bem que também o leste, que aquele gajo para abrir cabeças era do melhor. :)))

calamity jane disse...

"Oxalá esteja a ser (...) mal sucedido"!

(não imaginas a avalanche de pensamentos, sentimentos e coisas a meio camino entre uns e outros que este texto e [alguns dos] seus comentários me suscitaram!) Lá vou eu a caminho do algarve com tema para escrever. Se os putos deixarem, claro!

CybeRider disse...

Olá CJ!

Obrigado pela visita! Ainda bem que vais daqui inspirada. Mas acho que não vão ser os putos. O tempo por cá é capaz de continuar a compôr-se e dar-te algum descanso para gozares um Sol merecido. :)

Em relação ao "sucedido"... Acredito que só Deus acredita que existe.

Bom descanso!

Mário Rodrigues disse...

E esta também li e é gira...

CybeRider disse...

Esta, Mário, é de caixão à cova!

:))))

Mário Rodrigues disse...

Fico a pensar, se terei sido demasiadamente frontal... Uma vez, um homem abanou-me estruturalmente com uma brutalidade inesperada... renasci...
Espero não ter perdido uma amizade com alguma brutalidade. Já perdi algumas, mas sem eles saberem, continuam a ser meus amigos... não os consigo arrancar...

CybeRider disse...

As opiniões sinceras têm-nos esse efeito Mário. E os impasses são muitas vezes o encandeamento por uma luz que inesperadamente se vê.

:)

Mário Rodrigues disse...

Isso, é isso mesmo.