quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Os seus documentos por favor

Não critico as profissões alheias. Se são pagas acredito que façam falta, e pronto.

Chego a perceber que alguém queira de facto vir a ser polícia, para além dos sonhos de infância. É como ter um carro de bombeiros na garagem, ou vestir-se de mulher nas horas vagas.

Não partilho destas taras, terei outras, mas compreendo-as.

Quanto às profissões, são muitas vezes uma questão de oportunidade, ou falta de imaginação, mais do que escolhas. Destas imposições resultam diversas incapacidades, é também um facto; destes factos somados resultará talvez a maioria das críticas transversais à nossa sociedade.

A imagem negativa que temos da polícia é normalmente a de um bando de tecnocratas ou opressores que se limitam a fazer-nos a vida negra por "dá cá aquela palha". Esta relega qualquer ideia positiva que também sabemos, no entanto, que existe.

O que deveras me preocupa é a minha própria reacção à figura fardada que, colocando-se alarvemente à minha frente, no meio da estrada, me interrompe momentos de puro prazer ou labuta, de braço esticado e me faz encostar.

Penso logo: "- Isto não vai correr bem!" - e normalmente não corre...

Ou passei o radar que não vi numa zona de 50 a meio de um descampado; ou acaba por me descobrir a falta do selo novo do seguro que deixei no porta-luvas quando o recebi por não ter estado ainda válido para colar no vidro; ou atendi a porra do telemóvel porque aquele cliente que me paga dois ou três salários por ano à empresa não é de deixar à espera.

O facto de ser um pecador inveterado não deveria no entanto justificar a grande repulsa que sinto daqueles momentos. Por isso resolvi ir mais fundo. Não sou um criminoso porque tenho carro, penso em abono dos bons costumes e crença ingénua nos cânones sociais. Os pecadilhos que cometo não me irão deixar sem pão na mesa; não chegam a isso. O que será então?

Que força misteriosa me faz pisar o travão a fundo e gastar um centímetro de pneu cada vez que detecto o tal carro civil mal disfarçado na berma, mesmo que vá a cem à hora numa zona de noventa? Se prevarico não devo pagar?

Nunca fiquei feliz por ser parado pela polícia. Talvez na mesma medida em que não ficarei por ser parado por um ladrão. Aquele, de abordagem muitas vezes atabalhoada e confusa detém o poder de me privar de coisas que aprecio, tal como o outro.

O ladrão porém fá-lo sem injustiça, é o caçador que procura a presa que por acaso podemos ser nós. Temo-o tanto como ao leão que se puder me arranca um braço. Da mesma forma, não lhe reconheço racionalidade nem espero compaixão; talvez sobreviva se o conseguir saciar. É perigoso, por circular dissimulado à nossa volta, mas é também uma força selvagem que não controlamos.

Com o polícia a coisa é diferente. Reconheço-lhe racionalidade, em certa medida. Mas sei que o poder que lhe é conferido não visa o meu perdão por algo que, sem afectar ninguém, violou uma norma escondida num calhamaço qualquer que não li e que até pode mudar amanhã. Sei que vou pagar o primeiro pequeno erro como se fosse o enésimo. O pequeno "fora de prazo" com dias de trabalho árduo para repor o que me tirar.

Fico dividido, entre confiar na entidade que me deveria proteger, ou fugir do tirano que me oprime e que me pode privar da minha liberdade se lhe faltar ao conceito, ainda que pessoal, que ele tenha de "respeito". Que acontece, caso eu tente apelar a um eventual bom senso.

E sei também que ou é isso ou cinco anos de tribunal.

Acabei de escrever isto e resta-me concluir que, se o fiz, é porque gosto da Polícia.

Redimido, estou a pensar seriamente apresentar-me todos os dias na esquadra e, em confissão, explicar as minhas acções, ainda que as encontre inocentes, e pagar livremente um "X" por todos os desaires que me mostrem ter cometido.

Assim, sim! Vou tornar-me um cidadão exemplar! Afinal o segredo é simples:

- É tudo uma questão de dinheiro! Se o entregarmos à polícia já os ladrões não o levam.



© CybeRider - 2009

2 comentários:

Ogre disse...

Ainda há as Finanças, que levam o resto, ou a maior parte. Os verdadeiros reis da selva.

CybeRider disse...

Selvagens e incontroláveis... Prometo que vou pensar nisso!