quinta-feira, 12 de março de 2009

Receita à minha moda

Cortei-lhe o pescoço.

O olhar de piedade não me tolheu os movimentos. Era ele ou eu.

Lavei a faca, depois as mãos. O sangue uniu-se à água numa dança pelo ralo e fugiram-me para sempre, cúmplices do meu acto.

Milénios de apuramento e evolução ali, a escassos momentos de se confundir com o eterno.

Despi-o. Desmembrei-o. Separei-lhe a carne dos ossos numa fervura.


Tinham sido dias e dias a ver as plantas crescer.

Entretanto ordenhara as vacas. Carregara as rações. Limpara os estábulos. Amassara o requeijão. Fizera o queijo e a manteiga. Tratara as galinhas. Afugentara as raposas dos galinheiros. Esmurrara o vizinho que me queria a terra. Matara o porco e fizera-lhe os chouriços. Andara com o mar pelos joelhos e extraíra-lhe os cristais. Pisara as uvas que carregara aos cestos. Suara ao Sol escaldante do meio-dia.

Colhi o arroz.


Pela primeira vez, desde há muitos anos, olhei e vi: o prato de porcelana pura, das minhas mãos de artista.


Estava lá tudo! O arroz, o pato, o sal, o ovo, a manteiga, o chouriço. Ao lado o vinho, no copo que trouxe da Marinha Grande, quando o soprei por um tubo junto ao forno rubro.

Quantos sacrifícios mal pagos para saborear este petisco.


Crise? Qual crise? Não faço tudo sozinho?


Sirva-se quentinho.



© CybeRider - 2009

2 comentários:

Ogre disse...

Fogo meu, gastas as palavras todas. E depois, o que é que a gente diz?!

CybeRider disse...

Asneirada? Dá vontade!