sexta-feira, 6 de março de 2009

Uma coisa que devia ser imutável

Acabei de aprovar o meu acordo ortográfico.

Doravante vou passar a excluir do meu vocabulário os "se" e os "mas". Sem ses nem mas tudo o que disser será cristalino, puro e honesto.

Claro que terei que eliminar também os disfarces: as restantes conjunções subordinativas condicionais, em relação ao primeiro; e as restantes conjunções coordenativas adversativas, relativamente ao segundo. Todas as outras formas de ses me são inócuas.

Penso ter chegado assim ao âmago de tudo o que é trafulhice e incongruência no nosso percurso discursivo, que se traduz nas ténues subtilezas que transformam um lindo dia numa noite de pesadelos, um homem de palavra num vigarista, em suma uma boa intenção num pomo de discórdia.

Assim, se (e este, como se verá até ao fim da oração, não é dos proscritos mas apenas um atavio) o tal Murphy inventou uma lei que garante que o que pode correr mal irá de facto correr mal; de que serve dizermos que determinada acção que nos propomos executar estará dependente de uma condicionante que já sabemos que não vai acontecer?

Por exemplo, quando ouço alguém dizer: "- Vou-te pagar se..." já sei que posso puxar uma cadeirita e esperar sentadinho.

Outro exemplo: "- Ia pagar-te mas..." nem preciso de ouvir o resto para saber que se não estava sentado mais valia que estivesse.

Há ainda outras belezas destas formas conjuntivas. A mais gritante talvez seja quando as vemos aplicadas às promessas: "- Prometo que haverá mais emprego se..."; "- Construirei mais hospitais se..."; "- Disse que baixava os impostos mas..."; "- Os números eram definitivos mas..."

O uso e abuso destas expressões tem levado a que se venham perdendo imensos valores, descredibilizando o povo português (sim, porque é da língua portuguesa que estamos a falar), e permitindo que coisas simples e bonitas, em que acreditávamos antigamente, sejam hoje puras patranhas, como por exemplo a tão vangloriada "palavra de honra" que é hoje uma espécie quase extinta, talvez haja alguma ainda nalgum cerro do interior, temos dúvidas é que sem parceiro se consiga reproduzir.

O defeito não está nas pessoas, está na língua.

Os ses encerram ainda outra beleza pictórica que é o mérito de nos deixar presos a sonhos que nunca realizámos mas (este é o último, prometo) que teríamos realizado não fora a tal lei do senhor estrangeiro. Claro que nessas imersões nos esquecemos de tudo o que poderia ter corrido ainda pior e também daquela outra vez em que podíamos ter ficado debaixo de um eléctrico.

Bem sei que prometi não voltar a usar ses nem mas. Vendo bem...

Mudei de ideias...



© CybeRider - 2009

2 comentários:

Anónimo disse...

Que bem que manejas o martelo. Talvez devesses ser marceneiro mas...

CybeRider disse...

Pois... Que triste seria a nossa existência sem os "mas". São a porta para as segundas opções, tudo era pior sem eles. Assim só temos que saber gerir a eventual frustração.